Tavira: um roteiro para viver ao sabor da maré

Da ria ao mar, da serra ao barrocal, Tavira é um complexo cartão de visita do sotavento algarvio exímio no uso dos seus produtos. Uma cidade com trunfos naturais, que não precisa de esconder nas mangas.

Sentado a meio da Ponte Romana, que liga as duas margens da cidade, um homem toca acordeão, para entusiasmo de muitos turistas que passeiam pelo centro de Tavira. Tem o olhar fixo no rio Gilão, que reflete o branco da maioria dos edifícios. Tavira está a ganhar espaço no mapa turístico e isso nota-se na diversidade de línguas que por ali se ouvem, dos quatro cantos do mundo.

Tim Robinson já se desenrasca com o português mas ainda pede ajuda para algumas palavras. Foi há 14 anos que trocou a confusão londrina pela tranquilidade do sotavento algarvio. «Mas desde que nasci que soube que vinha para cá», brinca o escocês. A riqueza da zona, encaixada entre zonas de serra, mar, barrocal e ria, fê-lo apaixonar-se pelo sotavento algarvio.
É ele um dos donos da Fazenda Nova Country House, a herdade situada na aldeia de Estiramantens, a 10 minutos de carro de Tavira. Comprou o espaço de 10 hectares para viver com a mulher e os filhos, mas decidiu partilhar este pacífico refúgio com o público há cinco anos. Das 15 suítes duplas disponíveis, cinco das quais são novas, a vista é feita das cerca de duas centenas de árvores, plantas e ervas aromáticas.

Fazenda Nova Country House (Fotografia: Diana Quintela/GI)

E se palmeiras e catos embelezam o terreno, outras como medronheiros, alfarrobeiros, marmeleiros, figueiras e limoeiros são também usados para as refeições. No restaurante da Fazenda Nova Country House, que alia o rústico ao moderno, com robôs coloridos e puffs de cortiça, a carta muda todos os dias e é escrita a giz num quadro. Neste dia, havia salada de pêra com gorgonzola, carpaccio de batata e sardinhas com vinagrete e ainda borrego com couscous. Tudo regado com azeite da casa, ou não estivessem ali plantadas 450 oliveiras. A mais velha tem 800 anos. O azeite produzido por esta fazenda vende-se ao público a 54 euros o litro. Só no ano passado, conseguiram encher duas mil garrafas de 250 ml (12 euros cada).

A produção do azeite, aprendeu ao observar os vizinhos nos seus lagares. «Este país é divinal», frisa o proprietário, que não usa químicos nas suas culturas. A gestão do espaço é feita em parceria com a mulher, mas as tarefas estão bem divididas: «Ela manda, eu sou o jardineiro», conta, entre risos, com o seu “portunhês”, que muito se ouve na zona ribeirinha de Tavira.

É aqui que está o novo restaurante da cidade. Junto ao rio, este antigo edifício abandonado deu lugar ao Terraze, que aposta em produtos locais e sazonais, muitos destes da Ria Formosa, como o peixe e o marisco. Ou não fosse Tavira a representante portuguesa da dieta mediterrânica. O restaurante e bar abriu na Páscoa, mas não tem nos ovos nem no chocolate o seu ex-líbris. Unidos no trabalho e no amor, Alexandre Figueiredo e Gisela Dagot querem que o Terraze seja um cartão de visita de cidade.

O restaurante e bar Terraze é novo em Tavira. (Fotografia: Diana Quintela/GI)

A aposta no local é visível. Desde a cortiça que enfeita o balcão, às barras de ferro decorativas que foram mergulhadas na ria para terem uma ferrugem diferente. Ou a cerveja artesanal de alfarroba Moura, produzida na cidade. E claro, nos sabores à mesa também. Como prova a tibornice de atum (rabilho, capturado na região), braseado sobre cebola caramelizada com maionese wasabi e alface. Ou como o lingueirão da ria com coentros e lima, amêijoas da ria com molho de lima e alho e o risoto negro com tempura de peixe. Para acompanhar, à carta de vinhos junta-se a de cocktails de autor. O Milki Tiki, com rum, coco e pistáchio, e o Pulque, que leva beterraba, tequila e rum, são as estrelas da casa.

«O centro tem estado a ganhar nova vida, há muitos restaurantes novos a abrir», diz Gisela, que deixou a auditoria financeira para se dedicar à cozinha, paixão que ganhou da avó Teresa. O nome que escolheu, com o marido, para o restaurante, não precisa de explicação. O Terraze tem um terraço com vista ampla para a cidade, do centro à marina, ao castelo e à igreja paroquial de Santa Maria, a dupla situada no ponto mais alto.

 

Galopar ou navegar? Eis a questão

«Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir. Sentir tudo de todas as maneiras. Sentir tudo excessivamente». As palavras são de Álvaro de Campos, heterónimo de Pessoa que nasceu em Tavira, onde dá nome a uma biblioteca, casa-museu e a uma rua. Referia-se a uma vida que preza os sentidos e o contacto direto com o que nos rodeia.

E é precisamente esse um dos pilares em que assentam os passeios a cavalo do Tavira Equestrian Tourism. Uma experiência iniciada há um ano por Joana Campos. O namorado já fazia algo semelhante em Espanha e esta veterinária de cavalos decidiu fazer o mesmo na Quinta da Balieira, herdade familiar em Cabanas de Tavira, a 18 km da fronteira com Espanha.

 

Tavira Equestrian Tourism (Fotografia: Diana Quintela/GI)

Fala com a paixão equestre nos olhos, rodeada dos 13 cavalos e três póneis que ali estão, criados ao ar livre. O mais novo, o infante, tem quase dois meses e nasceu a 25 de abril. A mais velha, a Florença, tem cerca de 30 anos. Da esperta Brisa, ao ternurento Ramito, ao alto York e ao traquina Louceiro, as personalidades são tão vastas quanto o público-alvo.

«Qualquer pessoa, de qualquer idade, pode experimentar. Aliás, 90 por cento de quem nos visita nunca montou a cavalo», conta Joana, que conta com a ajuda de um monitor. Os passeios duram uma hora, custam 40 euros e passam por cenários diversos – desde os pomares da quinta carregados de laranjas à Ria Formosa, onde se pode passear dentro do mar. Um percurso que promete passar a correr – ou a galope, neste caso – para qualquer amante de animais e natureza. «Eles são muito tranquilos», explica a jovem. «Mas às vezes são piores que as crianças quando estão na quinta e fazem asneiras», ri-se Joana.

Ali ao lado, ainda em Cabanas de Tavira mas junto à zona ribeirinha, onde se multiplicam cafés, bares e restaurantes, partem algumas das excursões da Passeios Ria Formosa. É esta uma de cerca de 30 empresas que navega pela ria nestes percursos turísticos. Rudi Silva tem 25 anos, é biólogo marinho e conduz estes percursos há dois. Já perdeu a conta de quantos fez. «Milhares, de certeza», frisa.

As lanchas podem levar até 11 pessoas de cada vez e os percursos variam tanto na duração – de uma a quatro horas – como nos pontos de paragem, de Cabanas até Olhão. Pelo extenso parque natural que é uma das 7 Maravilhas Naturais de Portugal, Rudi explica não só a história da zona piscatória como a sua rica biodiversidade. Senão vejamos: já foram avistadas mais de 400 espécies de ave na ria, onde vivem cerca de 150 espécies de peixe e marisco.

Nestes passeios podem avistar-se as salinas de Tavira, uma das grandes indústrias da cidade, bem como as ilhas que compõe a ria, com praias mais recatadas. Ou, por exemplo, a antiga fábrica de preparação de atum na Praia dos Tesos, que agora é um hotel. E também o cemitério de âncoras na Praia do Barril, em Santa Luzia, que ali foram deixadas há décadas, enferrujadas com o tempo.

Não se pode, contudo, falar em Santa Luzia sem mencionar o seu cabeça-de-cartaz. A capital nacional do polvo está cheia de vida e recomenda-se, com vários restaurantes alinhados na zona riberinha, todos dedicados a este molusco. Todos com vista para a ria e para os barcos ali atracados, que é a mesma imagem que os quadros do Polvo & Companhia tem a decorar nas paredes. Este restaurante está aberto há três anos e tem 80 por cento da carta dedicada ao polvo. À frente dos tachos está o atencioso Hagmitt Almeida. Sorriso nos lábios, simplicidade no olhar. Nasceu na Guiné, tem ascendência libanesa, estudou no Porto e fez família em Tavira. «O truque é congelar o polvo fresco durante uma semana, para lhe dar mais fibra e torná-lo menos esponjoso», diz. O polvo usado é capturado na ria e quase que salta da água para a mesa. No pico do verão, chegam a servir-se 120 quilos. Só num dia.

O chef do restaurante Polvo e Companhia (Fotografia: Diana Quintela/GI)

«O polvo da ria tem uma textura e sabor diferente devido à temperatura da água, mais alta», explica o chef, com a carta do restaurante na mão. Nesta, há polvo para gregos e troianos: grelhado com broa de milho e batata a murro; com xerém, confitado com conhaque, azeite e licor escocês; em risoto ou à maneira camponesa, no forno com batata e grelos.

 

Têxtil ou na tela: a arte manual

O orgulho de Tavira no produto local é notório mas a sua posição geográfica há muito que a obrigou a não fechar portas. E isso vê-se no Bazar Berber, uma loja de artesanato no centro histórico, com vários produtos fabricados em Marrocos. Malas, cintos, tapetes, cinzeiros, sapatos, sandálias, carteiras ou candeeiros. Nesta loja, aberta há três décadas, vendem-se os mais variados produtos. Os de cabedal, madeira, porcelana ou vidro são feitos em Marrocos, enquanto que os de pele são trabalhados ali.

Neste bazar aceitam-se encomendas por medida e, consoante pedido prévio, pode assistir-se ao vivo ao fabrico de peças. «O pigmento da cor dessas malas de cabedal é feito à base de especiarias naturais marroquinas», conta o proprietário enquanto mostra os produtos. Prefere dar relevância ao que vende e não a si. «O meu nome? Isso não interessa nada», diz, soltando um sorriso a uma moradora que ali está sentada, com as compras do supermercado nas mãos, para dois dedos de conversa.

A menos de dois minutos a pé dali, dá-se destaque a outro tipo de arte manual: a pintura, quer seja a óleo, em acrílico ou aguarela. Na galeria Tavira D’Artes, o metro quadrado é reduzido mas o talento é geograficamente diverso. Oito artistas mundiais têm ali expostos os seus quadros, com preços dos 85 aos 4000 euros, incluindo Fonseca Martins, conterrâneo de Tavira, e Karen D’Oliveira.

Esta última é britânica mas estava longe de pensar que a sua vida seria feita no sul português. Apaixonou-se pelo marido em Tavira há 30 anos, durante umas férias, e deixou Middlesbrough, a norte de Inglaterra. «Só lá vou dois dias de cada vez e chega. Com aquele tempo, quero logo voltar», ri-se a dona da galeria. Referia-se ao tempo meteorológico e ao tempo para viver. É que em Tavira, já se sabe, vive-se ao sabor da maré. Literal e figurativamente.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

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