Crónica de Ana Costa: as coisas favoritas

(Fotografia de Anna Pyshniuk/Pexels)
Há lugares, físicos ou sensoriais, a que voltamos porque neles fomos felizes, e sabemos que a cada regresso teremos um abraço à nossa espera.

Há dias, apeteceu-me comer peras assadas, daquelas que a minha avó colhia da pereira raquítica que havia no jardim, e punha a assar no forno a lenha com uma mistura de vinho do Porto, canela e mel, que as embebia numa doçura muito próxima da de um caramelo. Não sei dizer se as que acabei por comer teriam exatamente o mesmo sabor que essas da minha infância, mas cumpriram a função de me fazer revisitar uma lembrança ternurenta. Por vezes, os nossos pratos favoritos não o são tanto pelo paladar mas pelas memórias que nos despertam, pelo conforto de regressar a um lugar familiar, simples, feliz.

Tenho para mim que catalogamos as nossas coisas preferidas em antologias da saudade, enraizadas nas primeiras experiências que delas tivemos, e na vontade de voltarmos a viver certos momentos ou a sentir determinadas emoções.

E o que vale para sabores, vale também para outros lugares, físicos ou sensoriais. Colecionamos pratos, aromas, espaços, músicas e atividades em gavetas de diversas categorias, que abrimos sempre que precisamos de um consolo.

Quando abro as minhas, encontro nelas o cheiro a maresia ao início da manhã, dos longos dias de praia; uma lareira acesa, a aquecer os pés e a alma numa noite de inverno; orquídeas de várias cores, como as que preenchiam os vasos de jardim e os centros de mesa da casa onde cresci. Também lá tenho guardada a serra do Gerês, onde sempre encontro paz; o meu Douro pintado de outono; a caldeira do Teide, em Tenerife, onde sonho voltar. E outros locais que de uma só visita garantiram entrada nos meus catálogos: Cadaqués, que conheci no calor doce do verão, entre banhos no Mediterrâneo; e os vales encantados da Capadócia, sobrevoados de balão.

Sei de quem tenha datas preferidas, e a essas o regresso é sempre previsível. As efemérides garantem-nos a vivência cíclica de um conjunto de atos e ambientes que estão gravados nas nossas coleções. Vem aí o São Martinho, com as castanhas assadas e o vinho novo; não tarda chega o Natal, e uma mesa de partilha.

Quando o mundo fica de pernas para o ar, podemos sempre contar com esses lugares seguros. Com as certezas de que a praia continuará a cheirar a maresia; que o Natal há de voltar e que as peras assadas haverão sempre de saber a ternura. Enquanto existirem estes refúgios sabemos que a cada regresso teremos um abraço à nossa espera.




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