Crónica de Ana Luísa Santos: A era das experiências

(Fotografia: Pedro Granadeiro/GI)
É tão avassaladora a quantidade de coisas novas e palpitantes a acontecer ao mesmo tempo que acabamos por nos esquecer das mais simples.

Os tempos são frenéticos, repletos de “experiências imersivas”. Chegam-nos estímulos de todos os lados, para fazer isto e aquilo, com apelos de “compre agora”, “aproveite o desconto” ou “não perca a oportunidade”. Fazem-se valer da síndrome do FOMO (“fear of missing out”, em português “medo de perder algo”) e de uma suposta recuperação de tempo perdido durante a pandemia. Apesar de tudo isto, tenho encontrado contentamento em atividades frugais, como visitas a parques e museus.

A minha constante inquietação é serenada ao observar o recorte redondo de uma árvore e a sentir o estalar de folhas secas sob os meus pés. Encanta-me a trajetória de uma abelha e a dança de uma borboleta. Noutros dias – depois de ter finalmente percebido que não é preciso saber de arte para a apreciar -, encontro conforto em frente a uma pintura ou a uma escultura. Estes passatempos levaram-me a lugares como o Parque da Quinta do Conde das Devesas, a Casa São Roque, o Museu Nacional Soares dos Reis e, mais recentemente, à Casa-Museu Teixeira Lopes que, enquanto gaiense, lamentavelmente, ainda não tinha visitado.

Este equipamento cultural encontra-se na Rua Teixeira Lopes, perto da estação de metro General Torres, e está aberto de terça a domingo. Foi num sábado soalheiro de setembro que, com o meu namorado, visitei a casa onde morou e trabalhou o escultor António Teixeira Lopes (1866-1942). Enquanto esperávamos pela técnica que iria fazer a visita guiada – há oito por dia – deambulámos pelo pátio interior e pelo jardim, pontuado por diversas esculturas, e de onde ainda se vê uma nesga da ribeira do Porto. Só pelos detalhes do edifício, com as janelas em arco e as telhas dos beirais discretamente pintadas de branco com motivos azuis, já valeria a pena a visita, mas aquilo que se descobre no ateliê e na casa, projetada por José Teixeira Lopes, irmão do patrono, é surpreendente.

Ficamos a conhecer estudos em gesso, bronze e mármore de algumas das suas obras mais conhecidas como “A viúva” (que está no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado), “Caim” (Museu Nacional Soares do Reis), “A dor” (obra que terá recebido elogios de Rodin, considerado o maior escultor do século XIX, e que se encontra nos Jardins do Palácio de Cristal), e o busto de Baco. Este último está exposto no Jardim Teófilo Braga, no Porto, e ficamos a saber que o rosto terá sido esculpido à imagem de uma pessoa que Teixeira Lopes terá encontrado na rua, com os traços faciais adequados à figura mitológica.

A visita atravessa ainda o salão, que recebeu convívios musicais com figuras da época; a sala de jantar, onde estão expostas porcelanas chinesas, de Limoges, e faianças portuguesas; e o quarto, onde uma cama de solteiro denuncia o breve casamento. O mestre nunca teve filhos e o receio sobre o destino da sua obra levou-o a doá-la ao município de Vila Nova de Gaia em 1933. Este ano, a Casa-Museu celebra o 90.º aniversário, e visitá-la é uma verdadeira “experiência imersiva”.




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