Há um refúgio verde escondido entre o Algarve e Lisboa

Encaixada numa moldura de planície litoral e interior, serra e montado, a região de Santiago do Cacém sempre soube aproveitar os seus recursos naturais, do cultivo da terra ao sabor tradicional à mesa. Aqui, aplaude-se de pé o passado sem nele ficar preso.

Por estes dias, os olhos estão postos num sobreiro de Águas de Moura, Palmela, inscrito no Livro do Guinness como o «maior do mundo», com 234 anos e 14 metros de altura, e que é finalista no concurso europeu Árvore do Ano 2018. Mas a menos de cem quilómetros de distância, um outro exemplar desta árvore dá nas vistas pela sua beleza e presença majestosa. Fica nas casas de campo Monte do Giestal, na Cova do Gato, em Santiago do Cacém e ninguém sabe ao certo a sua idade.

«Achamos que tem mais do que 500 anos, mas sem certezas», conta Guida Silva.

«Trezentos tem, de certeza», assegura a gerente deste negócio familiar que soma sete anos e um terreno que equivale a sessenta estádios de futebol, numa moldura dominada pelo verde da vegetação e o azul do céu.

Longe do trânsito e do barulho da cidade, nesta herdade com dez villas (para duas, quatro e seis pessoas) os problemas ficam lá fora. Cada casa tem o nome de uma árvore ou fruto e o contacto com a natureza e os animais são palavras de ordem. «As crianças adoram brincar com os animais», acrescenta a responsável, referindo-se às burras Giesta e Bolota, mãe e filha, e ao cavalo Jotinha, que, tal como o sobreiro, ninguém sabe bem que idade tem. «Mas já é velho!», ri-se Guida. Personalidade não lhe falta, pelo menos. «Já nos pregou vários sustos. Um dia pôs-se deitado de patas para o ar. Pensávamos que estava morto, mas estava a dormir», recorda.

Com um ADN campestre vincado, o cheiro a incenso de eucalipto assim que se entra em cada villa e outros pormenores decorativos fazem a diferença neste turismo rural. Aqui, a cortiça é rainha e a imaginação é o limite: usam-na para montar a receção do espaço, para construir cadeiras, candeeiros e para encher pufes e almofadas por exemplo.

No spa do Monte do Giestal, com ginásio, piscina interior e exterior, banho turco, sauna e hidromassagem, a cortiça também é utilizada, nas massagens (a partir dos 40 euros), tanto em esfoliantes à base desta matéria, mel e alecrim como em rolos com os quais se massaja o corpo.

«Quero que as pessoas não se esqueçam onde estão, no campo, mesmo que estejam dentro de um spa», conta Guida Silva.

De resto, há novidades neste campo: uma nova massagem com recurso a uma manta aquecida com pedras de jade e música a acompanhar a experiência.

Neste espaço onde a tranquilidade impera não há restaurante, mas a parceria com o vizinho Cantinho do Petisco, na mesma freguesia, Abela, possibilita a encomenda de refeições, que são entregues em cestos à porta da villa. Sopa de cação e carne de porco preto grelhada com migas são dois dos mais requisitados desta cozinha – o preço médio, esse ronda os 10 euros por refeição.

A apenas hora e meia de carro de Lisboa, e à mesma distância do Algarve, Santiago do Cacém pode ser eclético na sua paisagem e território, com serra e planícies litoral e interior, mas a homenagem ao trabalho agrícola e ao que vem da terra é consensual e manifesta-se em várias formas, como se vê com a já referida cortiça no Monte do Giestal. Ou com o Museu do Trabalho Rural, no centro de Abela, que abriu há uma década como parte da revitalização desta vila. O edifício remonta aos anos 1940, mas a História não se esgota na sua fachada. O interior é uma vénia à lavoura em forma de viagem no tempo, mostrando os vários tipos de solo do concelho, os cereais mais cultivados e as máquinas e ferramentas usadas ao longo dos tempos, do arado de garganta à enxada, passando pela tarara, o cirando, a canga, entre outros.

«É uma homenagem às memórias, as nossas, e ao trabalho e vida no campo», conta José Matias, guia deste museu de dois pisos que está rodeado de laranjeiras na via pública – laranjeiras essas que fazem companhia ao sobreiro como árvores mais comuns em Santiago do Cacém.

Sendo a agricultura rainha e senhora por estes lados, com grande produção de arroz na generalidade do concelho e sendo a freguesia de Alvalade uma das maiores exportadoras de tomate do país, não se pode deixar o pão de fora. Afinal, trata-se do Alentejo. Na aldeia de São Domingos, onde as tradicionais casas caiadas saltam à vista, isso não foi esquecido, como prova o Museu da Farinha, inaugurado em 2014.

Esta antiga fábrica de moagem decifra o processo entre a debulha do cereal e a hora de o pão ir para o forno, recuperando maquinaria variada da época e explicando a diferença entre cereais como trigo, centeio e milho. «A fábrica deixou de funcionar em 1984. Ou à volta disso. Os meus circuitos já estão um pouco gastos», ri-se Henrique Vilhena, o dono. Tem 82 anos e sentido de humor apurado. Na padaria colada ao museu ainda saem fornadas de pão de trigo e de mistura, conhecido na região pela sua qualidade. O fermento é feito na véspera e o o preço varia entre os 0,80 e 1,75 euros (400/1200 gramas).

Não se pode mencionar, de resto, a moagem de cereais sem referir o moinho municipal de Santiago do Cacém. Já soma 300 anos mas está situado na zona nova da cidade, a parte mais habitacional. Foi recuperado no verão do ano passado e tem a vantagem de ter vista panorâmica para a cidade. Uma vista quase tão desafogada e bonita como a que tem o castelo de Santiago do Cacém, onde está também a igreja matriz e a Capela de São Pedro, na zona mais alta. Daqui, avistam-se Setúbal, a Arrábida e Sines, e é também onde começa a rota Vicentina, que se estende ao longo de 300 quilómetros rumo a Sagres. Nesta parte elevada da cidade é normal fazer-se jogging, andar de bicicleta ou namorar no miradouro.

Dali também se pode avistar o Mercado à Mesa, o restaurante que ocupa o piso superior do mercado municipal. O peixe fresco vindo do mercado ou da costa de Sines é a matéria-prima mais procurada, através de pratos como creme de cação e polvo à lagareiro com batata-doce e grelos, dois dos sucessos da casa. Mas não só: as empadas de perdiz com chouriço e cogumelos, fofinhas e estaladiças e o típico bolo Santiago, com amêndoa, chocolate e gila, também se destacam. A decoração é moderna, o sabor é tradicional. E no meio de tudo isso está a virtude.

 

Enguia, rainha de Santo André

Em Vila Nova de Santo André, «a enguia é rainha». «Durante a época de pesca de 2017, pescaram-se seis toneladas. A enguia é muito importante para a economia local», conta Ana Maria Vidal, do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade da Lagoa de Santo André, a reserva natural criada em 2000 e que representa sete quilómetros de território e centenas de espécies de plantas e aves migratórias.

No Chez Daniel, ali ao lado e muito conhecido na cidade, as enguias quase saltam da lagoa para o prato, tal é a proximidade do restaurante com a reserva. A gestão é da família Andrade (e isso nota-se pelas fotografias de família que dão vida a uma das paredes) e o produto ex-líbris da zona potencia a carta: há enguias fritas com batata e salada, ensopado de enguias com pão alentejano frito, caldeirada, cataplana de enguias. A carta de vinhos, com mais de 150 referências, é alentejana na sua esmagadora maioria e os doces típicos da região, sericaia e encharcada de ovos, são os mais populares.

 

Passeio com História

Ali bem perto, viaja-se no tempo, nas ruínas romanas de Miróbriga, que recebem 10 mil visitantes por ano. Às antigas habitações, termas, templos, hipódromo e outros vestígios da presença e vivência romana no local, entre os séculos II a.C. e V d.C., e um museu criado em 2001, poderão haver novidades em breve. Atualmente, decorre a escavação daquilo que se acredita ter sido um mercado romano até agora desconhecido.

 

Comer ao som do cante alentejano

Já no concelho de Grândola mas muito perto de Santiago do Cacém está a Aldeia Mineira do Lousal. A antiga extração de pirite do século XX mantém hoje o legado da sua importância arqueológica da altura com o Museu Mineiro e o Centro de Ciência Viva, interativo e didático, e que explica a ciência sem artifícios.

É também sem artifícios a cozinha do Armazém Central, o restaurante da mina, que aposta na tradição à mesa, só com produtos da região. Sopa do mineiro (a lembrar a sopa da pedra, mas só com vegetais), favas guisadas com chouriço e morcela, pataniscas de cação com arroz de feijão e coentros, e porco preto assado com migas, brócolos e laranja são alguns dos cartões de visita. «Só coisas leves. Estamos no Alentejo, não é?», ri-se a gerente Fernanda Calado. Ao fim de semana, há sempre cante alentejano.

Ainda no Lousal, pode-se passear junto às lagoas verde e vermelha da mina, assim denominadas pela cor das suas águas ácidas, ou fazer uma visita guiada ao interior da mina. Com sorte, o visitante dá de caras com um dos 1500 morcegos que ali estão alojados.

 

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