Crítica de Fernando Melo: 10 vinhos para erguer o copo ao ar livre

O sol começa a sorrir e os campos engalanam-se de ricos e cheirosos floridos. A primavera instala-se como primícia do verão que sabemos que aí vem. As temperaturas amenas atiram-nos para o exterior, onde podemos erguer os copos com outra energia. Haja, pois, alegria. E haja vinho!

Muda a forma de estar e muda a disposição, instalando-se o sorriso e o abraço nas relações e amizades. Começam as refeições ao ar livre e estamos mais disponíveis para amar. E para consolidar e confortar, a epopeia vínica ganha novo balanço e passa a orientar-se para os pratos da grande partilha. O prodígio da mesa portuguesa, em que há sempre lugar para mais um.

Começamos no Algarve, com um vinho de boa cepa para harmonizar com carne de porco com amêijoas, criação do barrocal algarvio, como tantos outros que nos encantam e migraram para o resto do país. Pelo Alentejo, falam alto e clamam por famílias numerosas à mesa o cozido de grão e o ensopado de borrego. Perdemo-nos na península de Setúbal num arroz de pato com um Chardonnay de antologia, acima do Tejo rendemo-nos a um desconhecido Caladoc junto a uma carne de porco à portuguesa.

Entramos no Dão e entregamo-nos ao luxo com um branco e um tinto que convencem e vencem, linguado e galinhola respetivamente. No Douro, detemo-nos num rosé inesperado mas muito capaz, que maridamos com bacalhau frito com cebola, e encontramos num tinto genial o complemento ideal para a costela mendinha assada. Na região dos vinhos verdes, sentamo-nos à mesa com um Loureiro brilhante e somos felizes com uma perdiz assada com castanhas. Sugestões não faltam para que as famílias portuguesas se reúnam em harmonia e paz. Boas provas!


Herdade Barranco do Vale Castelão Aragonês Reserva
Algarve tinto 2021 (13,5%) | HBVale
Preço: 13 euros
Classificação: 17.5

Vinhas com alguma maturidade, marcando historicamente a tradição algarvia de produção de grandes vinhos. Ana Matias Chaves tem aqui raízes e juntamente com o seu marido Luís Chaves tem procurado
corresponder ao desejo expresso pelo avô de aqui ter um local de realização. Juntos têm tido a força e o ânimo de levar por diante o projeto da herdade. Funde-se com o prodigioso barrocal algarvio, no qual muitos dos pratos da grande tradição culinária nacional nasceram e onde se pratica de forma natural a ligação mar-terra. O Castelão da HBV é excelente e muito bem definido e no lote é ainda abrilhantado pela casta Aragonês (Tinta Roriz), dando origem a um vinho que consegue a um tempo ser profundo e aromático. Funciona particularmente bem com carne de porco com amêijoas.


Azamor Petit Verdot Lagar
Alentejo tinto 2021 (14,5%) | Kilburn & Gomes
Preço: 35 euros
Classificação: 18

Uma casta que em França é utilizada em lotes em percentagens homeopáticas, tal o seu verdor e capacidade de harmonizar lotes copiosos, no Alentejo encontra realização plena. Exige esforço e dedicação, mas no caso deste produtor a recompensa é grande. Invernos muito frios e verões insuportáveis com temperaturas acima dos 40 graus, a Petit Verdot consegue encontrar forma de atingir patamares muito elevados de qualidade. Este vinho começa por pisa a pé em lagar e depois segue a tramitação usual, para dar origem a um vinho surpreendentemente fresco e vibrante, toques herbáceos e forte tipicidade da casta. Casa muito bem com o cozido de grão com hortelã, acontecendo mesmo a ligação ideal, em que vinho e comida desmaiam nos braços um do outro.


Discórdia
Alentejo Colheita Tinto 2020 (14%) | Herdade Vale d’Évora
Preço: 10 euros
Classificação: 17

Um vinho que tem muito de provocação no título e ainda mais de boa e sã loucura, pelo aparentemente inóspito pedaço de território escolhido para instalar uma vinha. Touriga Nacional, Alicante Bouschet, Touriga Franca e Syrah surgem alinhadas num conjunto de grande elegância e frescura, muitas vezes transportando-nos mentalmente para locais bem mais a norte. Filipe Sevinate Pinto foi o enólogo escolhido para a complexa tarefa de produzir vinhos de qualidade em terras de Mértola, mesmo na extrema do país junto a Espanha. Já com dez vindimas bem- sucedidas, sempre com vinhos de grande gabarito, alguns deles mesmo de qualidade excelsa. Um bom ensopado de borrego, bem temperado e puro, faz-lhe boa justiça.


António Saramago Chardonnay
Setúbal branco 2019 (13.5%) | António Saramago
Preço: 37 euros
Classificação: 18.5

O produtor é um dos enólogos mais antigos do país e é responsável por alguns dos grandes vinhos nacionais. Castelão, Chardonnay e Moscatel – e outras ainda – são castas incrustadas no seu próprio ADN, comunicando com elas de forma quase misteriosa, dado o grande conhecimento que possui. Juntamente com o seu filho – também ele António – criou a certa altura empresa própria e desde então tem-nos brindado com vinhos de antologia, produzidos a partir de uvas de vinhas que conhece como as palmas das suas mãos. Este estreme de Chardonnay é particularmente inspirador porque além das notas standard típicas da casta – pastelaria, fruta tropical e balsâmicos – apresenta um grupo de amargos que o afasta da vulgaridade, através de virilidade forte. Excelente para um arroz de pato à antiga.


Alma Vitis Caladoc
Lisboa tinto 2021 (13,5%) | Adega São Mamede da Ventosa
Preço: 7 euros
Classificação: 17

No cenário vínico nacional seguimos muitas vezes as marcas mais visíveis e de outras raramente nos apercebemos. A juntar a esse cenário abandónico, junta-se o do preconceito, afetando entre outras a devida valorização do que as adegas cooperativas estão a fazer por nós e no fundo pelo nosso bem-estar. A casta Caladoc, nascida em França da fusão das castas Malbec e Grenache, praticamente não tem expressão entre nós. O labor continuado e intenso desta adega, com António Ventura e o seu brilhante corpo de enólogos, deu uma vida muito especial não só à casta mas também a toda a região, com um título tão inédito quanto oportuno. Carne de porco à portuguesa, prato democrático e do gosto de todas as famílias, é a ligação ideal.


Quinta da Giesta
Dão branco 2023 (13%) | Sociedade Agrícola Boas Quintas
Preço: 10 euros
Classificação: 17.5

Nuno Cancela de Abreu é o proprietário e enólogo que controla este pequeno enclave de família no Dão. Discretamente tem vindo a consolidar com firmeza um património de sabor e autenticidade que o distinguem dos demais. A partir das muito amadas castas Arinto, Encruzado e Malvasia Fina produziu este branco único e capaz de grandes desafios, e que à mesa também se apresenta flexível nas harmonizações. Gosta particularmente de cozinhas orientais e especiadas e aprecia enfrentar um linguado no forno com alcaparras. Compre uma caixa de seis garrafas, guarde na sua cave e vá abrindo uma por ano, repetindo o prato para ver como este néctar tem mesmo vida própria. É um grande vinho.


Terras de Tavares Reserva
Dão tinto 2003 (13,5%) | João Tavares de Pina
Preço: 20 euros
Classificação: 18

Jaen (60%) Touriga Nacional (30%) e Rufete (10%), num vinho com 20 anos que se apresenta ainda com muita juventude. O Dão nas mãos certas é avassalador e imbatível em equilíbrio e longevidade, e está aqui um grande exemplo da concisão de que é capaz. Estágio em tonéis de 600 litros e em barricas, sempre em madeira usada para manter intactas as características de expressão de terroir. O princípio da intervenção mínima pauta a visão e o trabalho de João Tavares de Pina, vigneron de mão cheia que põe intencionalidade em todas as fases da produção, da vinha ao copo. Trufas, fruta de arbusto e alcaçuz marcam o nariz, enquanto a boca é dominada por pedra húmida de musgo, fruta cozida e um ligeiro salino no final. Excelente harmonização com galinhola estufada.


Anel by Proibido
Douro tinto 2021 (14%) | Márcio Lopes
Preço: 10 euros
Classificação: 17.5

Vinhas na margem esquerda do Douro, 150 a 250 metros de altitude, castas Touriga Nacional e Touriga Franca. Pisa a pé em lagar de granito, estágio de seis meses em barricas usadas de carvalho francês. Muito prazer em todas as fases de prova, começando nas impressões aromáticas de fruta de caroço cozida e terminando numa frescura a um tempo balsâmica e terrosa que abre caminho para muitas possibilidades de harmonização com comida. Márcio Lopes afinou este vinho ao pormenor e não deixou nada por tratar, mostrando que a um custo acessível podemos ter acesso a vinhos de excelência. Saboroso e fresco, este Anel vai dar bem conta de uma boa costela mendinha assada em forno de lenha, com a competente assessoria de batatas assadas.


Restrito Reserva
Douro rosé 2022 (12,5%) | Restrito
Preço: 17 euros
Classificação: 17

Mais uma cartada forte de um grupo improvável de enófilos inveterados que ousou iniciar o projeto Restrito. Brilhantemente assistido pelo experiente enólogo Carloto Magalhães, têm vindo a lançar títulos que vão completando o palmarés. As uvas são provenientes do Douro Superior e os estilos são diversos. Este rosé é mais uma experiência inovadora e trata-se do primeiro rosé reserva da gama. Em estilo, está nos antípodas dos vinhos rosados primários muito frutados e sem muito corpo; em vez disso mostra-se estruturado e fresco, com um primeiro contacto mineral e floral que abre o palato para uma experiência plena à mesa. A composição é Touriga Nacional (90%) e Tinta Roriz (10%) e estagiou oito meses em barricas de carvalho francês de segundo ano. Irá bem com bacalhau frito com cebola.


Ameal Solo único
Verdes branco 2022 (11,5%) | Quinta do Ameal
Preço: 17 euros
Classificação: 17.5

Uvas da casta Loureiro provenientes da vinha do Marejão. Fermentação em cubas de betão – 20% em ovos e 80% em cubas retangulares – ao longo de 15 dias. Estágio de oito meses sobre as borras totais, nas mesmas cubas. Complexidade muito bem urdida, ao alcance apenas de quem conhece bem a casta. Há de ter concorrido muito para este desempenho a longa experimentação na casa-mãe Esporão, dispensando o contacto com a barrica. Tem muito futuro pela frente este estreme da casta rainha de Ponte de Lima, pronto para surpreender à mesa os mais arredios em relação aos brancos com alguma maturidade. Brilhante com perdiz estufada com castanhas, genial com tripas à moda do Porto.




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