Lisboa: bacalhau para lá do óbvio, na Bacalhoaria Moderna, de Ana Moura

Produto tradicional, abordagem moderna: na nova morada da chef Ana Moura, em Lisboa, o bacalhau está no centro de todas as atenções, tanto na decoração como no prato. Mas há outros recantos a descobrir na carta desta «bacalhoaria».

Comecemos pelo óbvio, que o nome não levará ninguém ao engano: quando Susana Almeida e Sousa, arquiteta convertida ao mundo da restauração, convidou Ana Moura para chefiar o restaurante que tinha em mente, o bacalhau já estava no centro de tudo. E a chef, que entretanto já tinha deixado o Cave 23 – onde se chegou a vaticinar que poderia ascender à estrela Michelin –, não se deixou espantar pela abordagem monoproduto. Encarou-a antes como um desafio criativo. Afinal, se há ingrediente-emblema de versatilidade na cozinha portuguesa é este.

«Aqui só entra o bacalhau de cura tradicional, e proveniente da Islândia», Susana faz as apresentações. Quer isto dizer, o fiel amigo tal como os portugueses o conhecem, porém trabalhado de uma forma que os surpreenda. E que, de caminho, consiga também aliciar os estrangeiros menos habituados à intensidade de sal e azeite que por vezes envolve (ou mascara) as preparações tradicionais.

Susana e Ana encontraram o sítio certo para montar uma Bacalhoaria Moderna numa rua secundária do centro da cidade, antiga morada do templo do sushi Assuka. Uma sala com espaço q.b. para colocar um balcão de bar em mármore à entrada, uma garrafeira de vinhos pensados para bacalhau a fazer de divisória e, adiante, duas fileiras de mesas, suficientemente apartadas entre si para manter o aconchego e facilitar o serviço de mesa. E com uma ampla janela ao fundo, a cozinha a ver-se sem se impor. Tal como nos pratos.

Se Ana Moura se propõe a refazer um bacalhau com grão, por exemplo, não se perde em virtuosismos: a leguminosa em duas texturas, inteira e puré, textura acrescida num crumble de broa e um troço de lombo a lascar. Aliás, o bacalhau é tratado com nobreza tal que na carta, junto ao nome de cada prato, é identificada a parte implicada. As línguas surgem panadas no capítulo de entradas, num molho de gema de ovo reminiscente do pil-pil espanhol – reflexo, talvez, da passagem da chef pelo triestrela basco Arzak. O cachaço, esse tem lugar num dos momentos mais gulosos da carta, tenro, untuoso, rodeado de couve branca salteada em manteiga e um molho de estragão e tomate que é uma pena deixar no prato – mas há bom pão na mesa para solucionar o desperdício. E o arroz de bacalhau merece também uma linha, caldoso, grão intacto, rico em sabor e ligeiramente picante (mas vale a pena mandar vir uma taça de picante da casa).

Para quem não é fã do fiel amigo, também há esperança: um capítulo de carnes, com um entrecôte e um leitão confitado, e outro vegetariano, onde há fideua de legumes e migas de espargos, de grelos e brocolini. E duas entradas, uma polvo assado e um prato de legumes de época que, por enquanto, traz alcachofra, espargos brancos e molho romesco, belíssima introdução à cozinha de Ana Moura – elegante, depurada, aconchegante. É boa ideia começar por aí, para fugir ao óbvio.

Vinhos e BYOB

A carta de vinhos é enxuta mas suficientemente abrangente, e pensada para harmonizar com bacalhau sem cair nas referências óbvias. Está também disponível a modalidade BYOB («bring your own bottle», isto é: se o cliente quiser levar o seu vinho, ninguém fará cara feia), com a raridade de não ser cobrada taxa de rolha.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

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