Abriu um restaurante de ir às nuvens a 120 metros de altura

No mesmo mês em que chegou às 10 estrelas Michelin, o chef basco Martin Berasategui viu também nascer o seu Fifty Seconds, em Lisboa. Um investimento de três milhões de euros que resulta num restaurante a 120 metros do chão, no topo da torre Vasco da Gama. O português Filipe Carvalho foi o chef escolhido para liderá-lo.

«Não é todos os dias que abre um restaurante a 120 metros de altura, com um investimento superior a três milhões de euros». Filipe Carvalho sabe o que tem entre mãos e o visitante também, assim que atravessa a porta preta espelhada com o símbolo Fifty Seconds, no piso térreo do Hotel Myriad. Lá em cima, a 120 metros do solo, espera-o uma sala em tons de cobre e azul-marinho, toda envidraçada, com 35 lugares e uma garrafeira iluminada ao centro.

Mas a viagem começa no pequeno hall, onde se encontram os dois elevadores que fazem a maratona de 50 segundos até ao topo da Torre Vasco da Gama. Muitos vão cair na tentação de confirmar se a viagem faz jus ao nome Fifty Seconds. «O tempo da subida varia consoante faz vento ou não, mas está sempre dentro dos 50 segundos», garantem-nos à entrada. Já no fim do percurso, o edifício do Myriad desaparece e o visitante, que continua a subir, fica com o cenário só para si. Em frente está a ponte Vasco da Gama e o Tejo a perder de vista. Nas manhãs de nevoeiro, tudo parece flutuar. Um bom verbo para descrever toda a experiência do primeiro projeto de Martín Berasategui em Portugal.

Muitos foram os convites ao longo de 40 anos de carreira para abrir um restaurante em solo português, mas só o Grupo Sana, que detém o Hotel Myriad, convenceu o chef com mais estrelas Michelin em Espanha – 10 no total. Tinha, no entanto, uma condição: Filipe Carvalho seria o chef. «A primeira vez que o Martín me falou do projeto estávamos em Barcelona. O Lasarte acabava de ganhar a terceira estrela Michelin, eu era o subchef», conta Filipe. «Ele disse: ‘Vou abrir um restaurante em Portugal e vais ser o meu chef executivo’. Na altura não acreditei», admite o chef, natural de Aveiro.

A família tinha um restaurante, em Taboeira, e foi na pastelaria que começou por se aplicar, antes de rumar a Coimbra para tirar o curso na Escola de Hotelaria. Os anos seguintes foram preenchidos: chegava a Lisboa para trabalhar no Rio’s, em Oeiras; e abria, pouco depois, o Altis Belém com o chef Cordeiro. Seguia-se Nova Iorque, onde trabalhou no luxuoso resort Westchester Country Club. «Não era tanto fine dining, mas fazíamos banquetes e se queremos ser um bom chef, temos de saber fazer tudo», explica Filipe.

De regresso a Portugal, cozinhou com Vincent Farges na Fortaleza do Guincho, antes de ir para o Vila Joya, no Algarve, como subchef júnior; e de regressar a Lisboa, para ser o braço direito de João Rodrigues, no Feitoria, Altis Belém. Um evento em Hong Kong colocou-o em contacto com o Lasarte de Martín Berasategui, que na altura tinha ainda duas estrelas Michelin, em Barcelona. «Sermos um projeto do Martín dá-nos um selo de qualidade, mais do que pressão», vinca o chef, que veio acompanhado do Lasarte por Maria João Gonçalves, a chef pasteleira que faz o pão com massa-mãe, e pelo sommelier português Marc Pinto, que traz muita bagagem vínica dos anos passados em Espanha.

Aliás, toda a equipa do Fifty Seconds é portuguesa. «Não fazia sentido ir lá fora quando temos cá muitos bons profissionais», diz Filipe. Também os produtos portugueses são privilegiados, como as ostras, as amêijoas e a flor de sal, que vêm da ria de Aveiro.«Usamos muitos ingredientes nacionais, mas as pessoas que vêm a estes restaurantes não vêm só à procura de produtos portugueses, vêm à procura do melhor produto na melhor altura da temporada», sublinha.

O chef Filipe Carvalho e a equipa de cozinha ,100% portuguesa

Além de alguns dos pratos clássicos de Berasategui obrigatórios na carta, como a viciante salada de verduras com gelatina de água de tomate e o mil-folhas de com foie gras com enguia fumada e maçã – servidos a la carte e nos menus de degustação (de 7 e 10 passos) – Filipe tem liberdade total. «Não fazia sentido eu trabalhar durante 15 anos para aprender e depois vir para um restaurante ser um robô ou uma máquina».

Da sua autoria (e da restante equipa, como faz questão de sublinhar) são pratos como a ostra com azeitonas verde, granizado de sweet chilly e crocante de algas; a gema de ovo que mais parece um quadro ao desfazer-se na carbonara de ervas com trufa de Alba; e ainda o cannelloni de rabo de porco e tortellini de beringela fumada. «Neste momento ainda estamos focados em ter consistência mas vai chegar a uma altura em que conseguimos levantar a cabeça e criar novos pratos. Em duas semanas, já tivemos clientes a vir três vezes», diz Filipe, que vinca várias vezes a consistência como meio caminho andado para o sucesso.

«Este é declaradamente um projeto que pensa nas estrelas Michelin, não vale a pena esconder. O investimento foi feito a pensar nisso, agora em quanto tempo? O Martín demorou 12 anos para ganhar três estrelas no Lasarte; nós tivemos 15 visitas nesse ano», recorda, continuando: «Em Portugal ainda não temos nenhum restaurante com essa distinção, mas já temos qualidade para as ter. Falta dar esse passo por parte do Guia Michelin. Um três estrelas é um restaurante que tem um espaço espetacular, comida espetacular e com serviço espetacular, 365 dias por ano». O Fifty Seconds ainda só está no início da corrida, mas difícil é não apostar nele.

Pão feito com farinha da Gleba
No Fifty Seconds, o pão é feito com farinha da Padaria Gleba, que produz em exclusividade para os seus pães – e agora para o restaurante de Berasategui.
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