Óbidos: os sabores da doce vila onde reina a ginja

Óbidos: os sabores da doce vila onde reina a ginja

A vila abraçada por muralhas tem na ginja, no chocolate, nos livros e no estilo medieval alguns dos cartões de visita, mas há muito mais para descobrir em Óbidos. No prato, no copo ou ao ar livre.

O sol espreitou sem hesitação durante o dia na Lagoa de Óbidos, mas o final de tarde chegou cinzento e com vento. O tempo na costa da zona Oeste, já se sabe, pode ser traiçoeiro. Indiferentes a tudo isto, dezenas de pescadores mantêm-se no areal da praia da Foz do Arelho. Uns sozinhos, outros em grupo. Ao fundo, um pai ensina o filho a pescar. Uma imagem que mostra que Óbidos é muito mais do que a capital da ginja e do chocolate, dois dos seus maiores estandartes. Peixe e marisco fresco na mesa é outra das garantias desta vila medieval encastelada.

Na própria lagoa, a escassos minutos de carro do centro da vila, comer peixe e marisco acabado de apanhar é imperativo. E há provas disso em cada uma das margens desta baía de extenso areal onde ainda se consegue estender a toalha com espaço e à vontade.

Há doze anos e treze verões que o Cais da Praia se faz notar na zona ribeirinha da Foz do Arelho. O segredo tem sido a reinvenção do espaço, tanto no visual como na carta. A comandar as tropas está o bartender e empresário Emanuel Minez, um dos donos do bar Red Frog, em Lisboa, o primeiro a figurar na conceituada lista dos The World’s Best Bars. E tal como o movimento de um shaker, oscila entre a Foz, onde nasceu e vive com a mulher, e a capital.

Para o arranque, apresenta alguns dos seus cocktails de autor, como o refrescante e multicolorido Judas do Facho, com gin, licor Beirão, xarope de gengibre, pepino e cítricos. À mesa, a inspiração para as propostas do Cais da Praia varia entre latitudes, desde o ceviche de atum com ananás, tomate cereja, abacate, cebola roxa e molho de tabasco ao polvo à lagareiro com espinafres e broa tostada, sem esquecer a sopa de peixe com espuma de coentros. Já a apresentação cuidada, pela mão do chef Miguel Santos, é constante. Também se servem enguias e lingueirão pescado na lagoa e carne de produtores locais.

Da esplanada avistam-se as dezenas de palmeiras na zona ribeirinha e a bossa nova e os blues ajudam a criar um ambiente acolhedor onde a refeição pode durar horas. Às quartas-feiras, a animação é extra, com música ao vivo pela noite fora, ao som de êxitos de Guns n’ Roses, The Animals e Johnny Cash. O resultado? Mais de trezentas refeições servidas por dia. Está tudo dito.

Na outra margem da lagoa, junto à Praia do Bom Sucesso, Susana e Pedro Bastos também sabem o que é ter casa cheia todos os dias. Há uma década que o Rio Cortiço prova que a simplicidade na abordagem gastronómica também colhe frutos. Os grelhados, especialmente peixe, e o marisco, são as claras âncoras deste navio. «Vem tudo da lagoa ou do mar, direto para o prato», conta Susana, mãe de família, com sorriso nos lábios e uma genica singular. Tem de ser, para dar andamento a um restaurante com mais de cem lugares, e muita procura.

Ao cheiro a maresia junta-se o que sai do grelhador a carvão. Robalo e dourada são presença fixa na carta, ou não fossem dos mais pescados ali ao lado, mas o caril de gambas e a massada preta com camarão e salmão também ajudam a trazer os sabores do mar até ao prato. O remate faz-se com pudim de azeite e mel. Os sons latinos e alegres que dão música ao negócio familiar rimam com as despedidas ao verão.

 

Novidades e clássicos entre muralhas
Não ao ritmo de despedidas, mas ao de chegadas, anda o centro de Óbidos. A variedade de idiomas que se ouve junto ao Aqueduto da Usseira, junto a uma das entradas da vila, prova que o interesse neste destino é cada vez mais elevado.
Foi também a pensar nisso que chegou a mais recente unidade do Grupo Pestana a Óbidos. Mais abaixo da já antiga e conhecida Pousada do Castelo, nasceu agora a Pousada Vila Óbidos. O antigo Hospital da Misericórdia deu lugar a dezasseis quartos deluxe e nove standard. O preço é mais acessível do que naquela que foi a primeira Pousada de Portugal histórica, inaugurada em 1951, e também desta nova unidade se vê parte da muralha, através das janelas. Alguns quartos têm varanda e vista para a vila e para a serra, mas todos mantêm uma essência romântica com motivos florais e tons pastel.

O pátio com mesas e cadeiras, a seguir ao átrio, convida a serões ao ar livre ou à leitura de um bom livro, à sombra do limoeiro que ali está plantado, no centro. Dali vem a luz natural que inunda a sala de pequenos-almoços. A expansão da marca não se fica, contudo, por aqui. Para 2019 está planeada a abertura de um segundo núcleo, com onze novos quartos e piscina exterior.

Também a poucos metros da pousada há novidades. O Macaron d’Óbidos trouxe, há mais de um ano, um pouco do sotaque francês à vila medieval, com seis variedades destes pequenos e coloridos bolos caseiros. O objetivo é promover os produtos locais e dos territórios vizinhos. Neste espaço junto a um sossegado pátio, Sofia Vilaça adoça-nos o paladar com macarons de aguardente da Lourinhã, licoroso do Bombarral, pera-rocha do Oeste, chocolate, maçã de Alcobaça e, claro, ginjinha de Óbidos. Gelados e purés de fruta completam a oferta do Macaron d’Óbidos, que fica situado no Espaço Ó, um local camarário que serve como rampa para novos empreendedores, como Sofia.

E se há sangue novo nas ruas e ruelas de Óbidos, os clássicos também se fazem notar. A experiência de onze anos nota-se no tom de voz de João Batista, responsável pelo Mercado Biológico de Óbidos. Um caso de sucesso na Rua Direita, a principal da vila, onde charretes e transeuntes partilham a via. O que começou como uma pequena banca de venda de fruta é hoje um dos locais mais visitados em Óbidos. Pela qualidade do produto mas também pela sua singularidade: é, ao mesmo tempo, mercearia biológica e livraria. «Os turistas chegam aqui e ficam de boca aberta», conta o gerente, de 66 anos.

O seu objetivo é promover a agricultura local e biológica e tem parceria com oito pequenos produtores daquela região. Às variedades de peras, ameixas, abrunhos e maçãs juntam-se azeites de oliveiras centenárias ou vinho biológico das Caldas da Rainha, por exemplo. Nas paredes, caixas de fruta vazias servem de estante às centenas de livros, usados e novos, que ali se vendem, a maioria técnicos. Psicologia, educação, política, poesia, filosofia. «Há pessoas que só vêm aqui cheirar os livros. Gostam daquele cheiro a antigo», conta Batista.

 

A ginja: em roma… sê romano

Muitos destes livros são tão antigos que podem ser do mesmo ano em que nasceu a Casa das Gaeiras, na aldeia de Amoreira, a cinco minutos de carro de Óbidos. Ou talvez não, vá: o palacete amarelo que hoje pertence à família Pinto Basto foi fundado em 1720 e a sua fachada pode ser familiar a apreciadores de telenovelas, tendo já servido como cenário em algumas.

Foi residência do médico de D. João V, durante as Invasões Francesas, e é hoje um nome incontornável dos vinhos de Óbidos, e da região de Lisboa. Para sorte de muitos, os jardins da quinta estão abertos ao público, mediante reserva. Ao longo de uma hora, passeia-se entre o hectar de árvores nas traseiras do palacete, onde também está uma imponente piscina e uma das maiores coleções de estrelícias do país. Para além de se explicar a diversidade de espécies de árvores ali plantadas, as visitas do Grupo Parras (proprietário da Quinta do Gradil), que gere a parte vínica da casa, termina da melhor forma. Com uma prova de vinhos e de tábuas de enchidos e queijos, num piquenique à sombra.

Do leque de sete castas presente nos 20 hectares de vinha, produzem-se dois brancos e dois tintos. Uma produção bem oleada que chega às 60 toneladas de uva por ano e que é particular pelo microclima daquela região, mais húmido no geral.

Marina Brás, por seu lado, não poderia estar mais satisfeita com o tempo este ano. «2018 já valeu a pena, tem sido melhor do que 2017, já enchemos as cubas todas», diz a proprietária da empresa que foi pioneira na produção de ginjinha, a partir da receita dos abades de Alcobaça. A Frutóbidos fica também em Amoreira, às portas de Óbidos, e ali produz a célebre Vila das Rainhas. Uma visita a esta casa serve não só para provar e comprar a panóplia de produtos criados a partir deste fruto – licor, mas também compotas, infusões, pastel de nata – como também para espreitar os bastidores de um fenómeno de popularidade que é já exportado para 16 países e vende 226 mil garrafas por ano. Aprende-se o processo de produção, do cultivo ao engarrafamento e, sem segredos, o segredo do sucesso: «Não tem corantes nem aromas. Só ginja, açúcar, água e álcool», explica Marina. E afiança, sem falsas modéstias: «A nossa ginja é da maior qualidade.» Digna de rainhas, portanto. Tal como a vila que lhe serve de cenário.
Um amor que desaguou na Foz
Como um rio que desagua na foz, a história de Andreia Miranda e Tiago Vieira veio criar raízes na Foz do Arelho. Com sabor apurado. O resultado chama-se Tibino – Casa de Petiscos e não há quem não o conheça por estes lados. Isso vê-se nas mesas cheias tanto no interior, com decoração rústica e vintage, como na esplanada, abrigada da confusão da rua com as suas plantas de pé alto.

«O marisco e o peixe chegam todos os dias da lota de Peniche», conta Andreia, que abriu este restaurante no lugar de uma abandonada galeria de arte. A frescura nota-se em pratos como berbigão à Foz com molho à espanhola, à base de tomate, pimento e cebola, e o choco com camarão à lagareiro e migas ou o risoto de bacalhau. Contas feitas, uma boa relação preço-qualidade, com doses generosas. Feitas com amor.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

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