Serra dos Candeeiros: Fim de semana sem carros nem telemóvel

A Cooperativa Terra Chã olhou para a sua aldeia e decidiu mostrá-la ao mundo. Na aldeia de Chãos, no coração da serra dos Candeeiros, há um programa de atividades que vale agora um fim de semana sem carros, e-mails ou telemóvel, em comunhão com a natureza do parque natural.

A janela do restaurante da Cooperativa Terra Chã, com uma dezena de metros de largura, oferece uma experiência de paisagem. A vertente leste da serra dos Candeeiros, o aglomerado de Santarém e a planície caraterística da Lezíria, mais distante e quase impercetível o relevo montanhoso da serra de São Mamede. Ao todo, são quase 200 quilómetros de «olhar», tão extraordinário que não admira que as poucas mesas disponíveis sejam tão requisitadas. O menu também faz a sua parte, é certo – dele consta uma enorme diversidade de pratos de sabores das aldeias da serra dos Candeeiros, como o cabrito serrano, o galo com nozes, a chiba da serra ou os famosos chícharos com bacalhau. Mas há que manter os olhos na vista.

A integração na paisagem é um raro exercício de inteligência e sensibilidade, e é no mínimo inesperado que o venhamos a encontrar numa aldeia perdida no coração da serra dos Candeeiros onde a estrada termina. As linhas discretas do conjunto arquitetónico desenhado com o apoio do Parque Natural relembram, este é território de calcário, elemento também presente numa espécie de terreiro onde o verão traz animação. Ali adiante, notam-se as curvas da lindíssima cisterna recuperada – em Chãos não existem linhas de água, pelo que a população resolveu a falta dela armazenando o que chuva oferece de inverno.

Restaurante da Cooperativa Terra Chã. (Fotografia: João Nauman)

Este é um daqueles projetos turísticos que exala tradição por todos os poros, não tivesse nascido ele a reboque do rancho folclórico da aldeia. Foi assim com o pequeno alojamento inaugurado na década de 1990, que respondeu à necessidade de receber confrades estrangeiros, foi assim também com o restaurante, dez anos mais tarde, depois de muitas e bem-sucedidas presenças na Feira das Tasquinhas de Rio Maior, onde a cada ano este grupo apresentava propostas autóctones de Chãos e do território serrano circundante.

António Frazão, um dos dirigentes da Terra Chã, explica que na última década tem chegado à cooperativa um conjunto de atividades ligadas ao território, como a tecelagem e a apicultura, mas também vários desportos de natureza ligados aos ATL de verão dedicados ao jovens. «Foi com base em todos eles que elaborámos programas com dias de descanso e uma forte ligação aos recursos endógenos da aldeia e do território da serra dos Candeeiros.»

A Rota do Pastor, por exemplo, permite um dia a acompanhar o trabalho com o rebanho comunitário da Terra Chã. Sai-se do curral onde o pastor Raul fornece uma breve introdução, sobe-se a vertente leste deixando a aldeia para trás, ultrapassa-se a cumeada. Do outro lado, avistam-se quilómetros de costa atlântica, as Berlengas e o azul do mar, um panorama perfeitamente ajustado ao magnífico piquenique que é servido com os sabores e néctares da terra. O pão é de Alcobertas, assim como a broa de milho, produzida na única azenha da vila. O queijo de cabra advém do próprio rebanho.

Quem impõe o ritmo é, como se imagina, o rebanho de duzentas cabras de raça autóctone.

O percurso completa-se em cinco, seis horas, mas mal se dá por ele, normalmente termina-se com 5 a 7 quilómetros nas pernas. Quem impõe o ritmo é, como se imagina, o rebanho de duzentas cabras de raça autóctone – serrana eco-tipo ribatejana –, que sobem a serra à medida do alimento. Sempre a uma velocidade que estimula a conversa, mas também a observação de tudo o que a paisagem tem para oferecer. No ar voam águias-de-asa-redonda, peneireiros e os coloridos pintassilgos, numa terra que emana o perfume de tomilho, alecrim e carrasco. O círculo redondo da caminhada termina uma vez mais na aldeia. Embora as cabras tenham vários donos, já não regressam a suas casas ao final do dia como antigamente, mas sim à guarida da cooperativa. Outros tempos, até para os rebanhos.

Para além deste percurso, saem de Chãos outros quatro, realizáveis também de bicicleta. Levam cerca de meio dia a completar, e todos eles se unem por temas revelando uma mesma sensibilidade pelo território. À Descoberta das Orquídeas é particularmente interessante durante a primavera, quando a dezena de espécies residentes se torna finalmente visível. A Rota da História tem por destino a vizinha vila de Alcobertas, com o seu dólmen e o conjunto de 36 potes de mouros usados para guardar cereais. Para lá chegar percorre-se os cantos à «casa de partida». Cisternas, eiras, forno do pão e covas de bagaço da azeitona, não há nada que escape ao guia de serviço.

Talvez a maior das viagens no tempo proposta pela Terra Chã esteja, no entanto, no percurso circular que leva até à gruta de Alcobertas, um espaço que a cooperativa recuperou. Ocupada por humanos há cerca de 15 mil anos, esta necrópole é composta por várias salas contíguas numa extensão de cerca de 200 metros. Rodeado de estalactites e estalagmites, o visitante consegue imaginar todos os ursos, linces e lobos que por aqui pernoitaram.

Rota do Pastor (Fotografia: João Nauman)

Quase nem é preciso tirar o capacete para chegar à antiga pedreira. Inativa há 45 anos, está agora praticamente submersa por arbustos e árvores de pequeno porte, de tal forma que sem sinalética nem se dava por isso. «A exploração era feita à mão, por isso a face da parede permaneceu praticamente lisa», explica António Frazão. «Chama-se Pedra de Vidro por ser muito cristalina.» Hoje, mais não é do que uma extraordinária parede para escalar, que a cooperativa começou a utilizar nos ATL de verão. Garantem que é perfeita para as primeiras emoções, um «monstro» de 20 metros de altura que se vence num ápice. Uma vez no topo, a vista volta a alcançar a mesma paisagem deslumbrante que se tem da mesa do restaurante.

Essa é, na verdade, uma fotografia que persiste ao longo de um fim de semana em Chãos, e muito por culpa da cota elevada onde se realizam as atividades. Mesmo na apicultura, um programa teoricamente mais «escondido». É Pedro Mendonça que acompanha o programa Seja Apicultor Por Um Dia. «As abelhas ibéricas são mais defensivas», avisa, para explicar a necessidade de vestir o fato de trabalho. A experiência de proximidade é tão bela quanto aterradora, especialmente na fase inicial em que as abelhas se encostam na cara protegida por uma rede. Uma vez tranquilizadas, acompanha-se o trabalho de inspeção às colmeias, despiste de doenças e pragas, assim como a verificação de reservas nutricionais.

A beleza do momento está também em fazer o que Pedro propõe, exigindo que todos os participantes executem à vez as suas tarefas, uma lógica que se mantém na melaria, a zona de extração, processamento e embalamento do mel propriamente dito. É ali que todos os cheiros se combinam, tomilho, orégãos, sargaços, as silvas e até mesmo o eucalipto presente lá longe, no sopé da montanha. E se as atividades de ar livre em Chãos estimulam o sentido da visão de forma constante, ali, naquela pequena casa, é o olfato que ganha protagonismo.

O turismo, ainda antes de ser turismo, deveria ser isto. A partilha entre os aldeões e forasteiros, portas abertas para a troca de modos de ser e modos de pensar. E mesmo que as amizades não perdurassem para uma vida, há a certeza de levar uma bela história de viagem para contar.

O SAL DO INTERIOR

As salinas de Rio Maior encontram-se a apenas 5 quilómetros da aldeia de Chãos. É um local de enorme beleza natural mas também bastante inusitado, tanto pelos seus oito séculos de história como por serem as únicas salinas situadas no interior de Portugal. Estão abertas todo o ano, a entrada é livre. A melhor altura para observar os salineiros decorre nos meses mais secos. Na aldeia existem vários locais onde pode ser adquirido o sal e produtos afins.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

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