Évoramonte: A vila alentejana com um misterioso castelo

O castelo faz parar muitos curiosos desde a estrada que liga Évora a Estremoz. Mas a vila com 400 habitantes não se resume à fortaleza. Há um novo alojamento local, visitas guiadas e produtos regionais, a minutos de um olival e de uma quinta de vinhos.

Duas oliveiras destoam entre as mais de 200 companheiras no Monte da Oliveira Velha, a poucos quilómetros de Évoramonte. São anciãs bravas, com dois mil anos de vida, ali nascidas espontaneamente. Há 70 anos, o avô de João Miguel Rosado quis arrancá-las quando decidiu plantar o olival tradicional, alinhado com fileiras de trigo pelo meio. «Mas não havia máquinas para arrancar as raízes das rochas e assim foram poupadas», conta o professor de matemática de Évora, que há três anos decidiu pegar no antigo terreno do avô e fazer algo diferente com o olival.

O meu avô vendia as azeitonas a outras pessoas, mas neste momento a manutenção dava tanto trabalho que começámos a pensar em produzir. Diziam que estávamos a ser muito ambiciosos, só tínhamos 231 oliveira de variedade galega». Hoje vai na sua quarta colheita de azeite Amor é Cego, nome sugerido pela designer Rita Rivotti. Uma referência aos Bonecos de Estremoz (Património Cultural Imaterial da Humanidade) e à determinação da família Rosado.

A produção aumentou, entretanto, com a compra de outro olival tradicional a dez quilómetros dali, mas mantém-se de pequena escala. João apanha a azeitona mais cedo do que o habitual para garantir a sua qualidade; recusa-se a utilizar químicos, e retira o fruto com uma vara que não danifica os ramos da árvore. As azeitonas seguem depois para o lagar de um amigo, que lhe empresta o espaço uma vez por ano. Tudo isto fica-se a conhecer numa ida ao Monte da Oliveira Velha, onde João organiza experiências de olivoturismo, como as degustações de azeite e de petiscos regionais.

Os visitantes são quase sempre estrangeiros, muitos do Brasil e alguns da Nova Zelândia, Singapura e Coreia do Sul. «Acho que é importante educar as pessoas para a cultura do azeite», conclui João. «Todos deviam ter, pelo menos, dois tipos de azeite em casa para diferentes usos.»

 

O Monte da Oliveira Velha, onde é produzido o azeite O Amor É Cego (Fotografia: Paulo Spranger/GI)

 

Uma fortaleza única

Dali em direcção a Estremoz, toma-se a Nacional 18, e no caminho é impossível não reparar no castelo que surge a meio caminho. É a fortaleza de Évoramonte, uma peça única de arquitetura militar, comparada por muitos ao Fort de Salses, em França. O trabalho é atribuído aos irmãos Arruda, conhecidos pelas suas intervenções na Torre de Belém, no aqueduto de Évora e no Convento de Cristo. Apesar do aspeto de baluarte, não terá sido usado para fins militares. «Seria uma espécie de demonstração de poder da Casa de Bragança», conta Matilde Ruas da Andar a Monte, uma empresa de passeios turísticos e visitas, que criou recentemente com a mãe, Helena.

Matilde é tradutora de formação e regressou há um par de meses à sua terra natal, depois de uma temporada a trabalhar fora do país. A informação sai-lhe naturalmente, no percurso a pé que faz pela vila onde cresceu. «Toda a história de Évoramonte envolve muita especulação. Há falta de documentos e de escavações», explica. «O que se sabe é que as cinco portas de entrada foram mandadas construir por D. Dinis e que em 1531 há um terramoto que destrói quase toda a vila». Matilde sabe de cor os factos, mas também quase todas as lendas associadas à vila. Fala-se da pedra dos Mouros que morreram de amor, do pêgo do Sino que será um portal para outro mundo e do túnel secreto que poderá ligar a fortaleza à ermida de São Sebastião.

Na visita, que dura cerca de hora e meia, entra-se na restaurada capela da Misericórdia, passa-se pela casa onde o tratado da paz foi assinado entre os exércitos de D. Miguel e D. Pedro, e ainda pelas pedras da calçada, pintadas por Inocência Lopes, e espalhadas por toda a vila. Inocência já pintou mais de 50 pedras da calçada, cada uma representando uma diferente casa alentejana. «É um projeto que comecei há poucos meses e chama-se Casas da Sensa. O objetivo é pintar 100 pedras», conta a partir do Celeiro Comum, uma loja de artesanato e de produtos regionais que abriu há 14 anos na vila, «quando ainda não havia quase nada». É do seu ateliê que saem pequenas peças de decoração feitas à mão, como os presépios, mas por ali também se encontram bolachas, queijos, enchidos e mel para levar na bagagem.

A visita com Matilde só termina no escritório da Andar a Monte, na antiga Casa da Câmara. «Em breve vamos também organizar workshops de olaria e vamos ter um alojamento local». Quando se cumprir, será o segundo da pequena vila, a seguir ao The Place, que fica mesmo em frente. Um projeto de um casal vindo de Londres, que se deixou encantar por um cantinho alentejano, em frente ao Castelo de Évoramonte. Mitch Webber já está à porta, sorridente, com o seu kilt azul forte, acompanhado pela mulher Vicky. Ela, escocesa, ele, um publicitário sul-africano, conheceram-se na capital britânica há 18 anos; viveram num barco no Tamisa e viajaram pelo mundo, antes de aterrarem em Portugal, em 2013.

A calma alentejana convenceu-os e, três meses depois, estavam de volta à procura de um espaço para um futuro bed & breakfast. «Nunca tínhamos ouvido falar de Évoramonte, mas quando entrámos aqui e vimos esta paisagem soubemos que era o sítio certo», conta Mitch no terraço, onde em tempos funcionou um restaurante chamado Convenção.

A vista desde o alojamento local The Place.
(Fotografia Paulo Spranger/Global Imagens)

Três anos e muitas burocracias depois, o The Place abriu este verão, com três quartos e uma suite (com kitchenette). A decoração celebra os gostos da dupla, com muitos livros e revistas de gastronomia e viagens, móveis rústicos feitos em Évora, quadros e posters de Tintim. «Dizemos que este é o sítio perfeito para conhecer o Alentejo. Daqui pode sair-se para conhecer nove castelos de diferentes vilas, o Cromeleque dos Almendres , o mercado de Estremoz ao sábado, o mármore de Vila Viçosa, os tapetes de Arraiolos… Ou então ficar pela vila e assistir a uma sessão de observação de aves», vinca Mitch.

No The Place, pode-se também petiscar durante o dia até às 20h00. Mitch e Vicky preparam uma piza de massa caseira, hambúrgueres e tábuas de queijos, mas ainda não se atrevem nas especialidades alentejanas. Sorte que O Emigrante fica a uns 2 minutos de carro, já fora das muralhas de Évoramonte. A cozinha alentejana é autêntica e o espaço pertence a uma família moldava, que chegou ao Alentejo faz 20 anos.

A história de superação é contada por Natacha, 62 anos, a matriarca da família, que aprendeu os segredos e os temperos com as cozinheiras do lar onde trabalhou, durante anos. «Perguntava-lhes pelas receitas e fui aprendendo», conta Natacha. «Quando abrimos o restaurante, há seis anos, as velhotas vinham cá ver como estava a comida da mãe», ri-se a nora, Iana, falando da sogra. «Ela já ganhou vários prémios aqui no Alentejo», acrescenta, enquanto coloca na mesa umas sarmale – folhas de couve recheadas com arroz.

Os pratos moldavos não estão no menu, mas Natacha prepara-os a pedido e já ninguém os estranha ao lado dos enchidos, dos queijos alentejanos, e de uma carne de cachaço de porco com migas que se desfaz só com um garfo. Vem acompanhada de batatas finas caseiras, fritas diariamente por Natacha, que se recusa a usar congelador. «Só uso produtos frescos, que compro aos agricultores», conta num dos habituais serões que se prolongam noite fora, no Emigrante, onde há comida a todas as horas. Afinal, um bom prato com boa conversa é língua universal.

O primeiro vinho biológico DOC do Alentejo

A produção do Outeiros Altos, o primeiro vinho biológico DOC Alentejo, é visitável e fica a 10 minutos de carro de Évoramonte, no Monte da Tapada Nova. E não é nada do que se espera. «Quem diz que o Alentejo é plano nunca veio aqui», resume Fernanda Rodrigues, apontando para a encosta do terreno com 22 hectares, quase às portas de Estremoz.

Encontrou-o há quase 20 anos anos, com o marido, Jorge, quando procuravam uma terra para produzir vinho DOC. «Queríamos uma vinha com xisto, com pedra e encontrámos este solo abandonado, sem químicos», conta Fernanda, prosseguindo: «Não tínhamos o direito de destruir a biodiversidade que aqui havia, por isso apostámos no biológico». Levantaram-se vozes de discordância, chamaram-lhes filósofos, mas Fernanda e Jorge, ambos licenciados em engenharia agrícola, contrariaram as previsões. «Os nossos vinhos são elegantes e muito frescos, os franceses gostam muito deste perfil».

A família do restaurante O Emigrante.
(Paulo Spranger/Global Imagens)

Conseguiram-no estudando a morfologia do terreno, a sensibilidade das castas aos solos e à luz; e escolheram apenas castas portuguesas, incluindo a Trincadeira, «que quase já ninguém usa». Tudo é pensado como um ecossistema, desde os cereais de inverno plantados entre as vinhas – «criam matéria orgânica» – até aos insetos, que são bem-vindos. «As aranhas, por exemplo, são um ótimo indicador da sanidade da vinha». Seis anos após a primeira vindima, estes pequenos produtores não têm mãos a medir. Mas arranjam sempre uns minutos para dar apoio às visitas guiadas à adega, feitas apenas por marcação, tal como as provas de vinhos com petiscos, que nos dias quentes acontecem com vista para a piscina.

A loja onde fica o sino

O edifício do século XVII ainda tem, no último andar, o relógio que faz tocar o sino da vila. Mas, desde agosto, que o espaço tem novas funções. Pela mão de Sofia Bourbon nasceu a Silveirinha, um 3 em 1, que é simultaneamente galeria de artes, mercearia de produtos regionais (sabonetes Nabia, produtos Terrius, compotas e chutneys) e ainda espaço de prova de vinhos da Herdade da Madeira Velha.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

Leia também:

5 sítios fantásticos para ficar na região do Alentejo
Herdade do Freixo: vinhos e arquitetura juntos no Alentejo
Há um refúgio escondido entre o Algarve e Lisboa




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend