Crónica de Ana Luísa Santos: Viagens de metro

(Fotografia: Pedro Granadeiro)
Os transportes públicos fazem parte do meu dia a dia há dez anos. Gosto muito daquela hora de viagem entre a vida profissional e a vida pessoal, à qual em inglê se chama "commute".

Não há nada como chegar a casa depois de um dia de trabalho. Aquela hora que antecede a abertura da porta, com um cão em delírio aos saltos, tem os seus encantos. Sei que há quem preferisse teletransportar-se do emprego para casa, mas não posso mentir: gosto muito daquela quase uma hora de viagem entre vida profissional e vida pessoal, dividida entre metro, autocarro (opcional) e caminhada. O inglês tem até uma palavra para isso, “commute”. Em português, não encontrei nenhuma.

Já há alguns estudos sobre os benefícios do commuting, mas ao lê-los, percebi que os descobri sozinha nestes últimos dez anos a andar de transportes públicos praticamente todos os dias. Seja como for o trajeto – dado que vou alterando conforme a minha energia e o tempo que está – sabe-me sempre bem. Sabe melhor se for com companhia, de um livro, de um amigo, de uma música, mas mesmo sozinha é algo que aprecio.

Dá-me tempo para recordar momentos e pessoas, pensar no que tenho de fazer, na próxima viagem, no jantar. Planeio a semana, a vida. Quando a minha imaginação está mais fértil, tento perceber a história de cada passageiro. Uma conversa sonora ao telemóvel ou a sigla da empresa na mochila são pistas que ajudam. Se não as houver, faço eu o filme na minha cabeça. Com enredos que vou desenrolando até à porta do metro se abrir na última estação.

Quando andava na faculdade, na Maia, a Joana – uma amiga real – entrava muitas vezes em Matosinhos, e daí seguíamos durante 20 minutos. Aqueles minutos tinham o poder de melhorar logo a minha manhã. Era um encontro entre amigas, mas em movimento, não havia desperdício. Estudávamos, conversávamos, desabafávamos. E no dia seguinte, fazíamos tudo novamente.

Com a Joana era planeado, havendo até uma troca de mensagens prévia para confirmar se estava na primeira ou na segunda carruagem do metro, – não fosse dar-se um desencontro -, mas muitas vezes é espontâneo. Encontro amigos, família, colegas do trabalho e é (quase) sempre uma boa surpresa. Ambos sabemos que são escassos minutos de diálogo, portanto, ou nos debruçamos intensamente sobre um assunto, porque podemos não nos voltar a ver tão cedo, ou nos ficamos pela conversa ligeira sobre o tempo. Não há intermédio.

Quando faço as viagens sozinha, demoro-me sempre a apreciar a vista do tabuleiro superior da Ponte D. Luís. Há dias em que o cenário é mais místico, com uma neblina a pairar sobre o rio, e outros em que surge a paisagem postal, com as casinhas coloridas da Ribeira do Porto, os barcos rabelos a deslizarem sobre as águas. Ouve-se com frequência alguém estrangeiro a sussurrar “It’s beautiful” ou soltar apenas um comovido “Oh!” e eu penso na sorte que tenho em ter esta paisagem como companhia para o trabalho, e para casa, todos os dias, como companhia. E culpo-a por ainda não ter comprado um carro.




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