Um passeio na Serra da Estrela guiado pelas histórias e heranças da lã

Um passeio na Serra da Estrela guiado pelas histórias e heranças da lã
Uma descoberta arqueológica inesperada foi o início do turismo industrial daquela que já foi conhecida com Manchester portuguesa, a Covilhã na Serra da Estrela. Nas Penhas da Saúde foi também recuperado um edifício histórico que é hoje uma Pousada de Portugal.

A história da serra da Estrela está incontornavelmente ligada à lã, havendo até há poucos anos fábricas em várias localidades. A Covilhã foi uma das cidades pioneiras da industrialização. Já não é conhecida como a “Manchester portuguesa” mas foi-o durante muitos anos. Se era no alto dos montes que se criavam as ovelhas que dão a matéria-prima, era aqui que o produto se transformava em tecido. Porque também era da serra que vinha a água, considerada a melhor do país para a indústria têxtil, importante para as as caldeiras e para o tingimento.

Para se ter uma noção do impacto desta indústria ao longo dos séculos é preciso recuar aos tempos do Marquês de Pombal. Entre-se, então, no MUSEU DOS LANIFÍCIOS DA UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR, a antiga Real Fábrica de Panos, erguida no século XVIII.

A Igreja da Misericórdia da Covilhã. (Artur Machado/GI)

Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. (Adelino Meireles/GI)

“Foi nos anos 1970 que se descobriu esta fábrica, quando começaram as obras para aqui se instalar o Instituto Politécnico da Covilhã, hoje Universidade da Beira Interior”, conta a diretora do museu, Rita Salvado, também professora do Departamento de Ciência e Tecnologia Têxteis.

Em meados do século XIX o edifício tinha sido entregue ao Exército, que lá esteve até meados do século XX. Com o passar de anos, a memória da fábrica foi-se perdendo, e só no início das obras é que se descobriram as caldeiras de tingimento. “Quem estava a manobrar a escavadora reparou que encontrou algo pouco comum e foi avisar os responsáveis”, conta a diretora. Parou-se o trabalho e começaram as escavações arqueológicas. Estava descoberta a Real Fábrica de Panos. Este local tinha sido escolhido porque estava perto de várias pequenas oficinas e de boa água. “A ideia era apoiar e servir de exemplo de transferência de tecnologia e desenvolver esta zona da cidade”, diz. “A implementação da fábrica”, explica ainda, “terá resultado de espionagem industrial, pois há documentação que mostra que foi enviado um espião à Tinturaria de Gobelins, em Paris, a mais importante da época.

Foi em 1992 que se inaugurou este primeiro núcleo do Museu de Lanifícios. Mais tarde, juntou-se a Real Fábrica Veiga, edifício do século XVIII que funcionou também como tinturaria. Criada pelo negociante de tecidos José Mendes Veiga, tornou-se uma das mais importantes fábricas da região. Aqui, fica a conhecer-se tanto os processos utilizados para trabalhar a lã, como a história da família Veiga e o lado industrial da Covilhã ao longo das décadas, as precárias condições de vida dos operários e do movimento sindicalista.

O Bairro da Alegria. (Artur Machado/GI)

Aqui está também uma gigante caldeira a vapor – que ocupa parte uma das salas – e que veio de Roterdão, tendo viajado de barco, de comboio e de burro. Além destes núcleos, o museu dos Lanifícios tem delineados vários percursos na cidade, por antigos complexos fabris, alguns abandonados, e bairros de operários, entre eles o BAIRRO DA ALEGRIA.

 

Um hotel-sanatório de montanha

Perceber a relação da Covilhã com a serra não é difícil. Das ovelhas dos pastores vinha a lã e do alto da montanha a água essencial para a tratar. Em poucos quilómetros sempre a subir em curvas pela Estrada Nacional 339, a paisagem industrial vai dando lugar aos afloramentos de granito e uma vegetação de muitos pinheiros e depois mais rasa.

Ao chegar-se às Penhas da Saúde, já a 1200 metros de altitude, um imponente e elegante edifício ergue-se do lado esquerdo da estrada. É a POUSADA DA SERRA DA ESTRELA, um antigo sanatório dos tempos da tuberculose. Cottinelli Telmo, famoso como arquiteto e como cineasta, desenhou-o para ser um autêntico hotel de montanha. A obra foi encomendada e patrocinada pela Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, pois a ideia inicial era dar assistência aos trabalhadores ferroviários que por motivos profissionais estavam mais expostos a infeções pulmonares. Funcionou como sanatório até finais dos anos 1960 e depois, nos anos 70, foi casa temporária de muitos portugueses que regressaram das colónias depois da independência. Ainda teve mais uma vida, como cenário das festas Carnaval da Neve. Com os anos, foi-se degradando até ficar praticamente em ruínas.

A Pousada da Serra da Estrela, nas Penhas da Saúde. (Artur Machado/GI)

Já no novo século, o edifício foi adquirido para ser pousada e Eduardo Souto de Moura convidado a elaborar o projeto de reabilitação. “Souto de Moura quis recuperar a arquitetura de sanatório, teve esse cuidado”, diz Pedro Pinto, diretor da unidade que é hoje explorada pelo Grupo Pestana. Aberto desde 2014, o hotel é um dos mais procurados na região. A sobriedade das paredes brancas, o cuidado na escolha de pormenores como os interruptores ou as torneiras da casa de banho transportam o hóspede para os anos 50 e 60.

Passeando pelo hotel, descobrem-se outras curiosidades, como antigas galerias de cura, mantidas pelo arquiteto. Uma sala dedicada às crianças, outra à leitura e ainda outra aos jogos são outras das valências deste hotel, que tem ainda piscina (interior e exterior) e SPA. Uma boa surpresa o também o restaurante liderado pelo chef Agostinho Martins. Muito procurado pelo mercado nacional, o hotel tem duas épocas altas, o verão, para quem quer fazer percursos pedestres e desportos radicais e o inverno para quem quer ver neve. Mas essa é cada vez menos e muitas vezes aparece fora de tempo, como aconteceu no ano passado, quando chegou com força apenas em abril.

O chef Agostinho Martins. (Adelino Meireles/Gl)

Um dos pratos do restaurante da pousada.

O chef Agostinho Martins é natural de Terras de Bouro e depois de ter percorrido vários restaurantes, primeiro na copa grossa e depois como cozinheiro, integrou as Pousadas de Portugal. Foi chef na Pousada de Guimarães e no Hotel Monverde. Mudar de lugar não o incomoda. “Adoro o conhecimento, sempre fui um autodidata”, confessa. A sua “missão” nos restaurantes das pousadas é ser tanto trabalhar a diversidade como “dar a conhecer os produtos locais. “É importante saber selecionar os produtos e não os estragar; e fazer um prato com equilíbrio”, diz. Quando foi para a Serra da Estrela, o chef minhoto investigou muito. “Falei muito com os professores da escola de Hotelaria de Manteigas e pesquisei”. Confessa que o que mais gostou de descobrir aqui foi os cogumelos e o queijo tradicional. Arroz de zimbro, com novilho e cavacas (cogumelos), um polvo perfumado com carqueja ou truta de escabeche com compota de cebola roxa, são alguns dos bons pratos do restaurante da pousada.

 

Petiscar no calor da lareira

Quem sente “saudades de caminhar na neve” é David Timóteo, confessa num dia de nevoeiro e chuva, afirmando que a neve agora escasseia. Natural da serra, como os seus pais, David está à frente, juntamente com a mulher Vera Durão, do restaurante VARANDA DA ESTRELA, já com uma década de existência nas suas mãos, e da mais recente petisqueira CASA DO CLUBE. “Abrimos este em junho como complemento à Varanda, porque tínhamos muitos clientes”, diz Vera. A Casa do Clube funciona como um bar de vinhos e de petiscos para partilhar, enquanto o outro é mais um restaurante tradicional. Mas quem se senta nas suas mesas de madeira do Clube, ao conforto da lareira, não sai daqui com fome.

Restaurante Varanda da Estrela, nas Penhas da Saúde. (Artur Machado/Gl)

Os responsáveis pelo restaurante da Casa do Clube. (Adelino Meireles/GI)

Asas de frango e javali, um dos petiscos da Casa do Clube. (Adelino Meireles/Gl)

Pode começar-se a refeição com um queijo da Serra Flor da Beira, uma chouriça de javali e bolinhos de bacalhau com queijo da serra. Mas há muito mais: ovos mexidos com farinheira e espargos, bombons de legumes com molho agridoce, asinhas de frango, uma tradicional feijoca, javali com cogumelos e a especialidade beirã brulhão, um tipo de enchido caseiro, feito com arroz e carne de porco e condimentado com tomilho-serpão. Sabores da serra para continuar a explorá-la, com ou sem neve.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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