Passear de autocaravana em família em tempo de pandemia: dia 1 no Gerês

Passear de autocaravana em família em tempo de pandemia: dia 1 no Gerês
Sistelo. (Fotografia: DR)
No primeiro dia da viagem de uma família em autocaravana em tempos de pandemia, fizemos os primeiros 100 km entre a nossa casa e os Arcos de Valdevez, para depois nos perdermos – de encanto e no caminho – pela paisagem irresistível do Gerês.

A PARTIDA

Foi alegre a partida de nossa casa, em Paredes, para uma aventura na qual todos nos estreávamos: quatro dias de autocaravana pelo Norte de Portugal, passando em lugares que eram, também eles, novidade. Estarmos há dois meses em confinamento, com o contacto social muito reduzido e saídas para o essencial, dava um tempero extra à viagem. Carreguei a viatura com toalhas de banho e de mãos, mantimentos para cozinhar um par de sopas e refeições minimalistas, legumes e fruta, iogurtes e queijo, pão e bolachas, o nosso kit de louça de piquenique e o nosso kit pandemia (máscaras, um grande frasco de álcool-gel e sabão) e ainda os acessórios para executar o meu cliché de autocaravana: uma pequena cafeteira italiana, que me imaginava a pôr ao lume numa manhã fresca e orvalhada, junto a um promontório distante.

A minha família estava bem instruída da sua missão de figurante numa reportagem a galope pelos três parques naturais da raia norte do país – Peneda-Gerês, Montesinho e Douro Internacional – e algumas vilas e cidades dentro deles. A ideia era circular sempre fora das autoestradas, com o propósito de testar o caminho para uma família em férias nestes tempos cheios de regras, desinfeções e muitas portas fechadas – incluindo as dos parques de campismo.

O rio Vez conduz parte deste roteiro. (Fotografias: DR)

A estreia no formato, mais o escasso tempo disponível para preparar a mala a somar ao meu relaxamento de pessoa confiante em bons desfechos, não deixou adivinhar o quanto a pandemia nos ia trocar as voltas. Nem quantas boas surpresas nos ocorreriam ou o quanto a minha família levaria a sério o seu papel. Não ouvi uma queixa nem um pedido fora da ambiciosa rota definida por mim, mesmo quando os mandava calar para fazer telefonemas, responder a mails, tirar notas e fazer entrevistas. Ou ainda quando a minha atenção desaparecia para publicar as galerias diárias no Instagram – uma tarefa árdua a realizar nas estradas cheias de curvas das montanhas onde sobra beleza mas falta rede de telemóvel… e mais árdua ainda quando se chega ao fim do dia para constatar que se tiraram 150 fotografias.

Antes de sair de casa, apenas tinha uma combinação feita, mercê de um telefonema para a Porta do Mezio, em parque de campismo onde pensei em acampar no primeiro dia. Estava (e está ainda) encerrado, porém, a Associação Regional de Desenvolvimento do Alto Lima (Ardal) indicou-nos gentilmente que o Parque de Lazer estava aberto, com algumas restrições, e acolheria a nossa visita. Cedo perceberia que todos os parques de campismo na nossa rota estavam encerrados e que, mesmo não faltando parques municipais onde estacionar e pernoitar, estavamos condenados a não ter onde encher o depósito de água da caravana (150 litros) ou ligar o cabo da eletricidade que nos permitiria, por exemplo, carregar telemóveis e ter o frigorífico ligado com a viatura parada. Ou ainda ter água quente para o duche.

Estas eram algumas das restrições da autocaravana que a Indie Campers cedera à Evasões, e na qual aproveitamos para fazer esta reportagem. O seu formato de carrinha adaptada a caravana revelou, porém, outras vantagens – percebemos que perdemos nestes confortos e em espaço o que ganhamos em mobilidade, graças ao tamanho da viatura. Contudo, cada família deverá ponderar os seus prós e contras. E decidir o que prefere ter e não ter em função dos preços, do tempo de viagem, dos seus hábitos, do nível de aventura que pretende e de outras variáveis (consulte aqui os nossos conselhos para quem viaja de autocaravana pela primeira vez).

 

ARCOS DE VALDEVEZ, A VILA BONITA

A chegada à vila dos Arcos de Valdevez, onde nenhum de nós tinha estado, dissipou essas inquietações. Sentimos os maus pensamentos voar diante da belíssima curva do rio Vez a criar uma praia fluvial de águas brandas, cascatas, um caminho de árvores a jorrar sombra e – ó felicidade! – um café chamado Origens com esplanada sobranceira a toda esta paisagem. Há dois meses que não tomava um “cimbalino” fora de casa. Encaixei a máscara no nariz, percorri o circuito de setas e esfreguei as mãos com desinfetante com alegre ansiedade. O lugar era muito agradável, o café estava forte e cremoso, como eu gosto, e aquela vista do rio Vez, a juntar aos olhos sorridentes da moça que mo serviu, carimbou o momento no meu coração.

Arcos de Valdevez foi a primeira paragem. (Fotografias: DR)

A praia fluvial da Valeta.

Antes disso, com a autocaravana bem estacionada no grande parque que contorna a margem do rio, pudemos viver as primeiras sensações nómadas, em particular a minha filha de 12 anos, que teve uma aula de Matemática por zoom na caravana. “É assim que estudam as crianças do circo?”, perguntou ela, quando almoçamos panados com arroz de ervilhas, trazidos de casa, numa mesa de pedra em frente a um rio de águas transparentes. E comentávamos entre nós como deve ser bom viver numa vila como esta, onde tudo nos parecia sereno e bonito, o ar limpo e as pessoas simpáticas. Não imaginávamos que ali voltaríamos em breve, sem contar…

 

PELAS CURVAS DO GERÊS

Para esta viagem, tinha apenas outra combinação feita, que era um encontro com o fotojornalista Rui Manuel Fonseca na aldeia do Sistelo, onde ele nos faria os retratos que ilustram esta reportagem e a capa da Evasões – sendo o resto uma espécie de diário do Instagram feito por mim. Contava com a bonomia do Rui, um bom camarada, mas ela foi realmente posta à prova neste dia. Com a net aos soluços, mas sobretudo devido ao meu encantamento com esta estrada por aldeias, casinhas, muros floridos e paisagens do Parque Nacional da Peneda-Gerês, todo ele enfeitado de primavera, desviamo-nos da rota num entroncamento essencial, Só quando passei diante da famosa fachada do Palácio da Brejoeira, em Monção, é que percebi que o meu GPS estava parado… e a aldeia de Sistelo mais longe ainda do que na partida dos Arcos.

Os encantos naturais do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

Sem rede de telemóvel, tanto ali como no Sistelo, onde o Rui já nos esperava, restou-me contar com o bom senso que nos ensinam desde pequenos e manter a combinação do ponto de encontro. Se não fosse o Rui à nossa espera, nada teria lamentado esta troca de caminhos, nem o tempo a mais que levamos a chegar até ao Sistelo – que foi um par de horas a mais do previsto. O Gerês é de se comer com os olhos. E toda esta viagem em família foi, como viríamos a concluir no regresso, sobretudo um festival de maravilhosos caminhos – desses abundantes maravilhosos caminhos da nossa terra.

 

UM JANTAR SERRANO

É toda ela um Portugal dos Pequenitos a aldeia de Sistelo, com as suas casas tradicionais e o seu cantinho de pequenos espigueiros, junto aos quais encontrei finalmente o fotojornalista Rui. Não a esquecerei por isso, mas também porque nela vivi um fundamental momento da vida do meu filho de dois anos. Quando se alçou para o muro se onde se avistam os famosos socalcos verdes do Sistelo, ficou parado e soltou um “Ohhh!” deslumbrado – a primeira expressão que lhe ouvi de pura admiração da beleza. Dali seguimos para os Arcos, onde pudemos estacionar a autocaravana e pernoitar, com uma passagem pelo Soajo à procura de um jantar.

A aldeia de Sistelo foi outra das paragens da viagem.

Dos três restaurantes locais, que nos tinham recomendados como muito bons, apenas um atendeu o telefone àquela hora (quase 21h). Foi o restaurante Videira, onde me disseram que era bem-vinda para jantar na sala com a minha família, apesar de ser quase hora de fecho. Não me identifiquei logo como jornalista da Evasões (esse era outro princípio da reportagem) para não beneficiar dessa prorrogativa, o que não fez qualquer diferença – informaram-me que os dois clientes na sala estavam a sair e tínhamos o espaço por nossa conta.

Ansiosos pela experiência de comer na caravana, optamos pelo take away e o chef Joaquim Neto preparou-nos uma saborosa vitela estufada, com batata, arroz e legumes cozidos al dente e temperados com bom azeite – foi o melhor que alguma vez comeramos até ao momento nos nosso pratos de plástico. Mais tarde, quando lhe liguei a pedir mais informações, prometi voltar para provar a posta de cachena e o bacalhau ou ainda, no inverno, o cozido à soajeiro.
Este bom jantar, bem harmonizado com uma garrafa de vinhão da Adega Cooperativa de Ponte da Barca, amenizou-me o desconforto na hora de transformar a sala em quarto com camaratas. Além de não ser campista habitual, sou um bocadinho “freak” da arrumação – mas fui a única a torcer o nariz ao alegre caos de tirar lençóis e cobertas da parede, e arrumar sacos onde coubessem. Adaptei-me rapidamente à nova ordem das coisas – e essa foi uma boa lição colateral – mas também fui a única a dormir mal nessa primeira noite, com calor e com os ouvidos irresistivelmente ligados aos sons da natureza.

Sistelo é toda ela um Portugal dos Pequenitos.

No dia seguinte, comecei a criar regras de arrumação, que falharam, como tudo o que vale a pena – chegamos a ter roupa a voar de um saco que ficara aberto e parte da roupa do bebé molhada com água que saíra do duche. A primeira lição do caravanista com crianças pequenas é aceitar o caos… A alegria, não sendo uma solução em si, ajuda a desanuviar o ambiente.

 

FICHAS

Praia fluvial da Valeta e zona de lazer
EN101, Arcos de Valdevez

 

Origens Food & Drink
Rotunda da Família
(Praia Fluvial da Valeta)
Tel: 932385607
Todos os dias das 12h às 24h, excepto segunda (encerra às 18h) e ao fim de semana (abre às 10h).

 

Restaurante Videira
Largo do Eiró, Soajo
Tel: 924430319/258576205
Das 12h às 15h e das 18h30 às 21h30
Encerra terça ao jantar e quarta
Preço médio: 18 euros




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend