Guias das cidades: em Viseu há passeios com história dentro

Pedro Sobral e Fátima Costa em frente à Sé de Viseu. Fotografia: Maria João Gala/GI
As visitas guiadas dos arqueólogos Pedro Sobral e Fátima Costa, repletas de saber e entusiasmo, dão nova luz aos sítios – mesmo que já se tenha olhado para eles muitas vezes.

Os arqueólogos Pedro Sobral e Fátima Costa estão unidos pelo casamento e pelo trabalho. Juntos, conduzem os destinos da empresa EON – Indústrias Criativas, em Viseu, que engloba gestão de património cultural, realização de estudos e projetos de arqueologia, história, valorização e recuperação de monumentos, sem esquecer a divulgação. Tornar o conhecimento histórico e científico acessível a todos é uma missão da dupla, que criou a marca de turismo cultural Neverending para dar a conhecer a riqueza em volta. Há percursos urbanos temáticos e visitas teatralizadas na cidade, a que se juntam programas mais extensos fora.

Fotografia: Maria João Gala/GI

Enquanto guias, ambos se distinguem pelo saber e pela paixão com que o transmitem. Pedro, nascido em Viseu, há 56 anos, aos 12 já queria ser arqueólogo. “O meu pai era engenheiro agrónomo e deixou-me alguns livros. Sempre gostei da relação com a terra e com o Homem”, conta. Devia ter uns 14 anos quando o tio Danilo Sobral lhe fez um teste, para saber se a sua vontade de seguir arqueologia era genuína: perguntou-lhe se conhecia os kioekkenmoeddinger. Ele respondeu: “Os concheiros?”. Era a tradução daquela palavra dinamarquesa, para designar os montes de conchas do Mesolítico, recorda ele, tido como o romântico da família, por ter optado por essa área profissional.

Pedro recorda os risos de colegas professores quando lhes contou que tinha montado uma empresa de arqueologia, a primeira do país.

Após ter concluído o mestrado, Pedro foi dar aulas de História e Português no ensino secundário, mas não se sentia preenchido, por isso, enveredou por outro caminho. Ainda se lembra dos risos de colegas professores quando lhes contou que tinha montado uma empresa de arqueologia, a primeira do país, em Viseu (ainda existe, já não nas suas mãos). Entre os momentos marcantes do seu percurso profissional está a descoberta de uma ara romana, a propósito da obra do funicular, que permitiu saber mais sobre o passado da cidade. Mas a sua especialidade é o megalitismo, o estudo de antas e dólmenes.

Fátima, de 42 anos, é natural de Esposende, viveu em Lisboa e noutras terras, até que o trabalho a levou a Viseu. Ainda lhe brilham os olhos quando mostra lugares como a Sé, que combina elementos de nove séculos. É apaixonada por história e arqueologia, nunca quis ter outra profissão. Para esse interesse contribuiu, em muito, a avó Josefina, que lhe falava de história e lendas, quando iam passear, e tinha livros que a deliciavam. Ainda se lembra de um, em particular, sobre a Idade Média, que tinha capa vermelha e ilustrações. Hoje é ela a pintar-nos os cenários em que os acontecimentos se terão desenrolado, com o mesmo fascínio de menina no rosto.

Roteiro do coração:

Achados arqueológicos frescos

No Largo da Misericórdia, à vista de quem passa, estão “os achados arqueológicos mais recentes de Viseu, e muito importantes, porque estamos no início da cidade”, conta Pedro Sobral, responsável científico pelas escavações. Situa os vestígios nos séculos I a.C. e I d. C e adianta: o que se vê são partes de casas, de um muro de suporte do antigo fórum romano (o principal centro político e administrativo da cidade) e de uma estrutura que “pode estar relacionada com um balneário proto-histórico”. Também está ali o primeiro vestígio de um muro com reboco em Viseu, prossegue o arqueólogo, que não esperava encontrar estruturas com 2100 anos, quase ao nível dos pés, tão bem preservadas.

Fotografia: Maria João Gala/GI

Sé de Viseu

A Catedral de Santa Maria de Viseu, conhecida simplesmente como Sé, concentra 900 anos de história. Fátima Costa apresenta-a como “um palimpsesto de construções”, um sítio onde a história surge por camadas, porque tem elementos de todos os períodos artísticos e estilísticos, desde o século XII. Avista-se, por exemplo, aquele que foi o primeiro claustro renascentista do país (na fotografia). A fachada é do século XVII, porque a original, manuelina, caiu na sequência de uma tempestade. No interior, o barroco domina os altares, enquanto a abóbada de nós remete para o manuelino. Subindo, chega-se ao Museu do Tesouro. Aí ficam também o coro alto e o Passeio dos Cónegos, uma varanda de onde se vê toda a cidade, e até a Serra da Estrela, em dias limpos.

Fotografia: Maria João Gala/GI

Restaurante Colmeia

Os sabores tradicionais, a boa relação qualidade-preço e a simpatia do pessoal explicam a preferência da dupla de arqueólogos pelo restaurante Colmeia: “Acaba por ser uma extensão da cozinha familiar, em que a gente entra, brinca, é bem recebida.” Pedro costuma pedir o cabrito grelhado – o prato principal da casa – e a maminha, “muito saborosa”. Paula Fonseca é, desde setembro, a proprietária do espaço, mas a ementa e o pessoal mantêm-se, assim como a decoração, marcada por coloridas ilustrações de Rosário Pinheiro. No tempo quente, monta-se a esplanada junto à muralha da Sé. Remata Pedro: “Onde é que, num sítio qualquer na Europa, se paga 12 ou 13 euros para estar a comer numa esplanada?”.

Fotografia: Maria João Gala/GI

Ruas do centro histórico

Nas imediações da Sé, em ruas que a dupla de arqueólogos percorre diariamente, encontra-se desde o último latoeiro de Viseu até uma taberna construída no meio dos penedos. É a Casa dos Queijos, com entrada pela Travessa das Escadinhas da Sé, onde José Viana serve vinho, jeropiga, sandes de queijo e tábuas. Para levar há queijos de Seia e enchidos de Vila Nova de Paiva, Terras do Demo, mel e doce de abóbora. O passeio continua pela rua Direita, que tem várias lojas com vestidos de noiva e roupa de cerimónia, e termina numa mesa da tasca Senta-Aí, a picar ovos verdes (na fotografia).

Fotografia: Maria João Gala/GI

Fotografia: Maria João Gala/GI

Cava de Viriato

A Cava de Viriato, com 32 hectares, é o maior monumento, em área, da Península Ibérica, e “um dos maiores mistérios da arqueologia portuguesa”, explica Pedro Sobral. Este octógono composto por oito taludes em terra, e que teve um fosso cheio de água, tem suscitado várias interpretações. Já se pensou que fosse um acampamento militar da época romana, ou uma cidade-acampamento islâmica. Mas a teoria mais recente vê-a como “o fóssil de um projeto inacabado de uma cidade”, mandada erguer pelo rei Ramiro II, no século X. A referência a Viriato surge só no século XVII, como ação de propaganda, esclarece: após o longo domínio espanhol, associou-se heróis míticos a monumentos, para afirmar a identidade nacional. O sítio fica a dez minutos a pé do centro da cidade.

Fotografia: Maria João Gala/GI

 

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