Amarante: uma boa dose de novidades pós-pandemia, dos doces à arte contemporânea

A artista polaca Zuzanna Hope abriu a sua galeria em frente à casa onde nasceu Teixeira de Pascoaes. (Fotografia de Artur Machado/Global Imagens)
Marisco, brunch, arte do Mundo… Há mais na cidade para lá dos sabores tradicionais, e mesmo esses fazem parte deste quadro. A pandemia não travou a abertura de novos negócios em Amarante, terra que continua a adoçar-nos a boca.

A ligação da artista polaca Zuzanna Hope a Portugal começou era ela miúda. Ainda nem tinha posto um pé no país, mas já via a mãe pintar paisagens dele enquanto ouvia Madredeus nas alturas – tinha comprado cassetes da banda numa viagem por terras lusas, das quais se enamorara. Mais tarde, foi uma amiga a encantar-se pelo território, onde passou a residir. E Zuzanna acabou por lhe seguir os passos, mudando-se para cá com a família. Há menos de um ano (e após uma primeira experiência com outros criadores, no Porto), abriu a sua própria galeria de arte, que funciona também como estúdio. Chama-se Muso e fica no coração de Amarante, mesmo em frente à casa onde nasceu Teixeira de Pascoaes, em 1877.

Com o tempo, Zuzanna foi mergulhando na obra daquele filósofo, escritor e poeta, mentor do saudosismo, e prestando a sua homenagem ao mesmo de diferentes maneiras, a começar pelo nome do projeto. Sim, Pascoaes foi o seu “muso”, fonte de inspiração como a cidade em si. Reconhece-se Amarante em algumas das obras patentes na galeria, assinadas pela artista e não só. A fundadora não se limita a exibir os seus trabalhos, que vão da pintura a óleo à fotografia; cumpre igualmente funções de curadora, promove exposições coletivas abrangendo nomes internacionais, apostada em levar arte do Mundo até à beira do Tâmega.

Uma das obras de Zuzanna Hope, neste caso, de fotografia.
(Fotografia de Artur Machado/Global Imagens)

Naquele espaço, Zuzanna dá ainda aulas de desenho e pintura a óleo. Ensina algumas técnicas e, sobretudo, a observar. Em Amarante, elogia a beleza, o espírito de comunidade e uma certa alma antiga, mas claro que a cidade vai acomodando novidades. Além do seu, houve outros negócios a arrancar desde o estalar da pandemia, contra todos os receios e incertezas. Um deles foi a Lota – Marisqueira & Bar, de Maurício e Jéssica Silva, no Estádio Municipal. Ele trata da cozinha, ela da sala. É assim desde que inauguraram a casa, em dezembro de 2020, para fechar logo no mês seguinte, devido à covid-19. “Não desistimos, apesar das contrariedades da pandemia”, recordam, conscientes de que “foi um risco muito grande”.

Em maio, entra na carta um corte de carne de vaca que o casal diz ser único, porque feito pelo seu talhante, servido com folha de ouro e em número limitado; e ainda algumas novidades vegetarianas.

 

Maurício teve um bar e trabalhou desde cedo no café-restaurante dos pais, onde se lembrou de fazer um festival de marisco que, a cada edição, enchia a sala. “Foi o que nos levou a abrir uma marisqueira”, revela, sublinhando que a oferta vai além dos sabores do mar. É certo que na Lota há combinados de marisco (trazido da Póvoa de Varzim e de Angeiras, vivo, para o aquário do restaurante, segundo Jéssica), santola ou sapateira recheadas e comida de tacho, como a massada de camarão (ou de lavagante, ou de cogumelos). Mas também se faz costeleta maturada, francesinhas e, por encomenda, pratos como arroz de cabidela ou bacalhau assado no forno. Acresce que, lá para maio, a carta muda, devendo acolher um corte de carne de vaca que o casal diz ser único, porque feito pelo seu talhante, servido com folha de ouro e em número limitado; e ainda algumas novidades à medida dos clientes vegetarianos.

Maurício trata da cozinha, Jéssica da sala.
(Fotografia de Artur Machado/Global Imagens)

A dar nas vistas pelas opções vegetarianas e veganas, embora também inclua carne e peixe na ementa, encontra-se o Terrassa, que nos leva de volta à beira-rio. Por ter sugestões para todos, é descrito como “altamente integrador” pelos responsáveis, Diana Sá e André Magalhães, que o inauguraram há pouco mais de um ano. Quando a pandemia se impôs – trazendo, no entender da dupla, uma maior consciência alimentar ligada à saúde -, o plano de negócios já estava a ser preparado. Numa terra fiel aos sabores tradicionais, desenhou-se então uma alternativa, mesmo se a covid-19 havia posto a restauração “em alerta vermelho”.

Diana, a grande impulsionadora do Terrassa, esclarece que o nome brinca com a junção de duas palavras: terra sã. Ergue-se a bandeira da sustentabilidade principalmente num sentido económico e social, porque se privilegia ingredientes frescos, por vezes biológicos, de produtores locais e regionais. Na base do menu – que procura “incorporar o natural e o local” – está a preocupação com uma dieta equilibrada, recorrendo a legumes, frutas, cogumelos e outros bens alimentares das redondezas. Nas bebidas, mostra-se a diversidade dos vinhos verdes, sem esquecer as cervejas artesanais produzidas ali.

A bowl de cogumelos, abóbora assada e romã.
(Fotografia de Artur Machado/Global Imagens)

Queijo chévre com pêra caramelizada e nozes, bowl de cogumelos, abóbora assada e romã, tagliata de novilho e hambúrguer de salmão em pão de tinta de choco são só algumas propostas, numa carta que cresce ao jantar e reserva o almoço de sábado só para o brunch. A casa, de ambiente informal, não só renovou recentemente a oferta, como vai ganhar uma esplanada em breve.

A rua mais antiga

Um passeio pelo centro histórico dificilmente deixa de fora a rua 31 de janeiro, a mais antiga da cidade, que alguns ainda conhecem como rua do Covelo. Se as confeitarias e tascas já eram motivos fortes para parar ali, agora existe mais um: o alojamento Covelo – The Original Rooms And Suites, de João Baptista e Laura Pinto. Ao todo, são sete quartos, todos diferentes entre si, num edifício recuperado com a marca distintiva do portuense Fala Atelier. “Decidimos arrojar na arquitetura e no design”, diz João, apontando pormenores menos usuais, como as paredes arredondadas, o corrimão ondeante das escadas e a conjugação de mármores, espelhos e outros elementos de diferentes cores e formas.

Nos quartos, há livros, café e chá em jeito de cortesia. Já na sala de estar, a vista saltita entre a lareira, o mobiliário elegante, as plantas e alguns objetos curiosos, como obras de arte ou uma velha máquina de escrever. O espaço – estreado há menos de dois anos, “no meio de uma vaga de covid” – fica num prédio que pertencia à família de João. Aí pernoitavam trabalhadores do restaurante Zé da Calçada e da Confeitaria Lailai, localizados em frente. Esta última, fundada pela sua bisavó, continua no domínio familiar, e é lá que se serve o menu de pequeno-almoço – a saborear, nos dias mais quentes, na varanda sobre o Tâmega.

 

Um dos quartos com varanda.
(Fotografia de Artur Machado/Global Imagens)

Negócios com décadas e outros acabados de chegar misturam-se naquela rua, que alberga, há pouco mais de um ano, o Alentejano no Norte. José Fortunas deu esse nome à mercearia especializada em produtos do Alentejo que abriu para homenagear as suas raízes, depois de se ter fixado em Amarante por amor a uma mulher. A loja está recheada com vinhos, queijos, enchidos de porco preto, presunto, conservas, doces, azeites, mel e artesanato daquela região – com margem para algumas exceções, dos vinhos verdes à flor de sal algarvia.

Atendendo à oferta, não admira que a mercearia sirva também petiscos – por esta altura, essencialmente tábuas, a que se devem juntar mais adiante migas, bifanas “feitas à alentejana, mas com molho”, como se pede por aqui, e outros pitéus, explica José. Por vezes, também vai ao sul buscar pão, popias (biscoitos), empadas ou torresmos. “Devagarinho cá chegamos ao norte”, lê-se na porta, e no rosto sentimos crescer um sorriso.

Doces histórias de amor

Curiosamente, bem perto há outro alentejano estabelecido no norte por razões sentimentais: é o chef João Ribeiro Correia, que em dezembro decidiu montar um negócio no lugar da antiga Tasquinha da Sentinela, encerrada com a pandemia. O nome escolhido para o novo restaurante é Origens, tantos foram os sítios por onde passou e que lhe permitiram firmar a sua identidade na cozinha – tradicional, com toques modernos. Natural de Beja, foi lá que deu os primeiros passos naquele campo, pela mão da avó. Parece que ainda a ouve dizer: “Corta as batatas direitas!”. Também guarda receitas suas, escritas à mão.

O carpaccio de maronesa, servido com burrata.
(Fotografia de Artur Machado/Global Imagens)

O percurso de João Ribeiro Correia na restauração começou em Luxemburgo, a lavar pratos, depois panelas, depois a descascar legumes. Desenvolveu o gosto pela cozinha, fez formação e trabalhou entre cá e lá. A seguir, esteve na Madeira, no Algarve, em Vila Real, e até há pouco tempo cozinhava na Pousada do Marão, que fechou, elenca. “Não quis perder o ritmo e abri [logo um restaurante] em Amarante. Sou alentejano, mas…” E ri-se. Isto depois de pôr na mesa cogumelos salteados, carpaccio de carne maronesa e o chamado bacalhau do chef, em quantidades generosas. Procura trabalhar com produtos regionais e de época, e já pensa na carta de primavera, num espaço assumidamente em transformação.

João Ribeiro Correia com o bacalhau do chef. (Fotografia de Artur Machado/Global Imagens)

De mudanças e histórias de amor se fala também n’ A Casa dos Doces Conventuais by Casa Pardal, nascida em fevereiro, em Amarante, quase um ano após a abertura da Casa Pardal Porto. Por trás de ambas estão Filipe Soares e Diva Costa, companheiros de vida e de trabalho, sendo este último uma espécie de prolongamento do ninho. O projeto tem como símbolo duas aves e um coração, e qualquer guloso cai de amores diante da montra, na qual brilham cinco doces amarantinos que Filipe apelida de conventuais: S. Gonçalo, papo de anjo, brisa, foguete e léria, todos feitos com açúcar, amêndoa e ovo – com exceção da léria, que abdica do ovo.

O bolo de bolacha é um campeão de vendas.
(Fotografia de Artur Machado/Global Imagens)

Aqueles clássicos estão entre os mais vendidos, mas não faltam opções, como os conventuais, com massa folhada e doce de ovo; os sequilhos, habituais nas festas de junho; ou os cândidos, criados para assinalar a inauguração desta nova loja, na rua Cândido dos Reis. Certas propostas acusam um toque próprio, mas ali tudo parte da doçaria conventual amarantina, nota Filipe. Abre-se exceção para o bolo de bolacha, sedutor na vitrina que divide com a torta suspiro ou o babão, um “filho da pandemia”, que viu a luz quando passaram a fazer entregas no Porto.

Longe vai o tempo em que tinha de se vender às escondidas da PIDE o doce fálico, associado à fama de “casamenteiro das velhas” de S. Gonçalo, a quem recorriam mulheres desejosas de arranjar marido.

Na verdade, foi com entregas que a história começou: a avó de Filipe, Maria Pardal, saía do Marco com doces à cabeça, para os vender em Amarante. Com o pai, o negócio ganhou um espaço físico, a Padaria Pardal, que aquele mantém, em moldes mais clássicos, enquanto Filipe decidiu escrever novo capítulo, focado na doçaria conventual. N’ A Casa dos Doces Conventuais by Casa Pardal, não há lugares sentados: entra-se para comprar produtos selecionados, como vinho, biscoitos ou compotas, além das guloseimas que fazem parte da identidade local. Longe vai o tempo em que tinha de se vender às escondidas da PIDE o doce fálico, associado à fama de “casamenteiro das velhas” de S. Gonçalo, a quem recorriam mulheres desejosas de arranjar marido.


O regresso de uma confeitaria histórica

A Confeitaria Lailai, nascida em 1947, por iniciativa de Maria Adelaide, que lhe dá o nome, esteve mais de 20 anos fechada, até reabrir, em 2018, sem perder os traços originais nem a ligação à família. “É uma confeitaria com muita história e era um símbolo da passagem do Porto para Trás-os-Montes: as pessoas paravam cá de propósito para ir comprar doces à Lailai”, conta João Baptista, bisneto da fundadora (atualmente, é a tia-avó quem se ocupa do negócio). “A minha bisavó era conhecida pelas montras espetaculares”, observa, gabando-lhe o espírito visionário.

Diz João que tudo começou na porta ao lado, a do restaurante Zé da Calçada, então pertença da família: a bisavó vendia ao balcão doces feitos por si, com tanto êxito que montou uma casa em torno deles. Hoje, continuam em destaque os chamados doces regionais de Amarante, que são cinco, lado a lado com gulodices variadas, dos doces fálicos aos bombons. Por cima fica a fábrica, onde tudo é feito, exceto o pão.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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