Esta tradição secular do Alto Minho quer chegar a Património Mundial

As pesqueiras do rio Minho estão prestes a entrar no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial. (Fotografia: Rui Manuel Fonseca/GI)
A lampreia, que desde janeiro vem subindo pelas águas bravias do rio Minho, começa agora a chegar a Melgaço e às redes dos pescadores locais, que lá se vão revezando nas pesqueiras. Mantêm viva uma tradição secular, na esperança de que os que aí vêm não a deixem perder.

No Alto Minho há uma tradição piscatória secular, partilhada com a vizinha Galiza nas águas fronteiriças do rio Minho, a pesca artesanal das pesqueiras. Essas engenhosas construções ancestrais – alguns autores defendem que são de origem romana e outros que remontam aos séculos VII, VIII e IX -, estão prestes a ganhar lugar no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial e, em Espanha, nas Listas Nacionais de Património Cultural, um primeiro passo para uma posterior candidatura a Património Mundial da UNESCO, adianta a Câmara de Melgaço.

Esses muros rochosos que partem das margens e entram pelo rio no sentido da corrente, travam o caminho à lampreia, ao sável, à truta e a outras espécies migratórias que a seu tempo se lançam rio acima. Por estes dias, e nas próximas semanas, é a lampreia que mais cai nas redes dos pescadores.

Pesqueira Novas do Braço, em Alvaredo, Melgaço. (Fotografia: Rui Manuel Fonseca/GI)

“O período oficial de pesca da lampreia começa a 15 de fevereiro às 8h e termina no dia 21 de maio, também às 8h”, declara Venâncio Fernandes, um dos mais antigos pescadores de Alvaredo, em Melgaço, e também presidente da Associação de Profissionais de Pesca do Rio Minho e Mar. “E há dois tipos de pesca: a profissional e a de sobrevivência”, distingue.

A que ali se pratica, no troço que vai desde a Torre de Lapela, em Monção, até à foz do rio Trancoso, é a segunda, a que mantém viva a tradição das pesqueiras. As armadilhas muralhadas surgem de uma e de outra margem do rio, num percurso com cerca de 35 quilómetros. “Cada qual tem o seu nome. Esta aqui é a Novas do Braço”, indica Venâncio. São ainda identificadas por um número, de cor branca em fundo preto no lado português, e preto em fundo branco no lado galego.

Não há um registo exato da quantidade de pesqueiras, mas estima-se que hajam mais de mil, somando as dos dois lados da fronteira. Por cá, as que estão devidamente registadas e com licença de utilização ultrapassam uma centena, mas para as utilizar os pescadores obedecem a uma série de regras. “Só podemos vir nos nossos dias e nas nossas horas”, explica Venâncio.

Como as pesqueiras são normalmente passadas de geração em geração, tendo vários proprietários, ou são alugadas a vários utilizadores, estes regem-se por uma “escala de redagem”, instituída em 1947, onde são definidos os dias, horas e tempos de pesca atribuídos a cada pescador. Assim, nos dias a eles destinados vão armar ora o botirão, ora a cabaceira, as duas artes permitidas para a captura das várias espécies – as redes são colocadas nas bocas e nos pontais das pesqueiras, respetivamente -, e regressam na escala seguinte para recolher o pescado.

Em algumas pesqueiras, mais afastadas, é necessário usar a técnica de suspensão, através de um cabo que liga a pesqueira à margem. Faina arriscada, que enfrenta ainda um outro desafio com a subida imprevisível do caudal, devido às barragens a montante, e que deixa as pesqueiras submersas.

“É preciso ter gosto, e também conhecer bem o rio”, alerta Venâncio, que, reformado da Guarda Fiscal, tem ainda na memória os tempos em que aquelas águas eram usadas como rota de contrabando.

“O rio Minho faz parte da minha vida”, confessa. E foi desde tenra idade que lhe começou a tomar o gosto. “Com sete anos saía da escola e vinha a correr para aqui, ajudar o meu pai”, recorda. Hoje, com 63 anos, lamenta o dia em que terá de dizer adeus ao Minho e que não haja quem dê continuidade à tradição que herdou do pai.

O mesmo sentimento é partilhado por António Castro, pescador há mais de seis décadas. “Temos quase todos mais de 50 anos. Quando nós não pudermos, não vai haver ninguém”, prevê.

Para estes homens do rio, o futuro daquele tipo de pesca é incerto, mas enquanto tiverem forças e a vontade durar, continuam a revezar-se nas pesqueiras, armando e recolhendo redes mais ou menos cheias, agora de lampreia, depois de sável, que fazem um brilharete nas cozinhas locais. Por esse motivo, Venâncio quer antes agradecer: “a Deus por sempre me ter protegido e também ao Minho por tudo o que nos deu”.

 

Do rio para o prato
A Adega do Sossego é cozinha de referência no concelho, em especial quando se fala de lampreia. Ali, a especialidade é preparada como manda a tradição, à bordalesa, ou em arroz. Os trâmites de confeção exigem que a lampreia seja limpa sob água corrente, sangrada e posta a marinar em Vinho Verde tinto e outros condimentos, numa fórmula que a cozinheira Maria Alberta guarda em segredo. Os apreciadores do ciclóstomo encontram ainda petiscos feitos com lampreia fumada, e que vão bem acompanhados com o Alvarinho da casa.

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Mapa da ficha ténica
Morada
Avenida do Peso, 1179, Peso, Melgaço
Telefone
251404308/913359807
Horário
Das 12h às 15h e das 19h às 22h. Encerra quarta-feira todo o dia e domingo ao jantar.
Custo
() Preço médio: 30 euros


GPS
Latitude : 42.1045295
Longitude : -8.2868453




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