O rio Chiveve passa pela lindíssima e fustigada cidade da Beira e liga-a ao oceano Índico, ao mesmo tempo que marca o território moçambicano mais a norte. É porventura a que mais matizes e influências culinárias recebe, e onde nada se perdeu da tradição mais popular. Visitar é encontrar sinais das cozinhas goesa, tailandesa, chinesa, e perceber Portugal ao fundo, em convivência pacífica com uma profusão grande de sabores, texturas e aromas.
Marta Galvão Rocha gere a sala com segurança e explica as bases desta cozinha moçambicana, auxiliar importante para os que não conhecem, assim como para os que querem aprofundar e abarcar outras experiências. Edner Abreu tem a batuta vínica e do acolhimento, e tudo tem a mão da biónica chef Sheila Abreu, sua mulher. Cominhos, açafrão, rajah – mistura de especiarias – e danan são os ingredientes mais frequentes nos seus pratos, mas a cultura e experiência levam-na bem mais além.
Com a prática, aprendemos a manusear a xima (3 euros), composto resultante de bater farinha de milho com leite de coco e que a prazo nos permite dispensar os habituais talheres. Requer persistência, mas compensa. Imperdível o frango à zambeziana (13 euros), aqui executado na forma clássica e impecável, leia-se com leite coco, evanescente da primordial cafriela, ambos africanices que amamos a partir logo do primeiro contacto. Deixamos entrar o Índico de portas escancaradas, com os peculiares e únicos caris da chef Sheila.
Ora estamos na Tailândia, ora nos debruçamos com carinho sobre Goa, o momento é de descoberta e precipitamo-nos para o caril de caranguejo desfiado (20 euros), glorioso no acerto de sabores e temperos, texturas e produzir o tapete voador que nos leva em longa viagem.
Cuidado com as malaguetas moçambicanas, são pequeninas mas bravas. Deviam vender este condimento maravilhoso aqui, de resto como outras coisas.
O caril de camarão (13 euros) leva quiabos e faz-nos ficar, mas é injusto não conferir o mais canónico caril de peixe com gambas (15 euros) que nos faz partir de novo e que devemos, na medida das nossas forças, abrilhantar com o belíssimo piriri que aqui se faz. Cuidado com as malaguetas moçambicanas, são pequeninas mas bravas. Deviam vender este condimento maravilhoso aqui, de resto como outras coisas.
A chef Sheila Abreu tem uma plêiade à sua volta, talento e inspiração fazem-se sentir a cada momento. O matapa com peito de caranguejo (14 euros) é feito com folha de mandioca, leite de coco e amendoim e é aventura que havendo estômago ainda para ele é de provar, talvez o mais equilibrado dos vários pratos disponíveis. Difícil de harmonizar com vinho, há que dizê-lo, assim como há que melhorar muito a carta de vinhos, a arte de Sheila merece esse diadema e nós também. Ao almoço há menus a preços contidos, pelo que o primeiro contacto com o Chiveve pode começar com a luz do dia, para nos outros dias nos deixarmos levar, como no rio que dá nome à casa.
Classificação
O espaço: 4
O serviço: 3
A comida: 4,5
A refeição ideal
Chamussas de peixe (5 euros)
Caril de peixe com gambas (15 euros)
Matapa com peito de caranguejo (14 euros)
Frango à zambeziana (13 euros)
Longitude : -9.149521999999934
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