Crónica: Um Junho abençoado, mesmo sem Santos

Crónica: Um Junho abençoado, mesmo sem Santos
(Fotografia: DR)
Está a bater à porta um Junho estranho, com semáforos nas praias e as ruas despidas de arraiais populares. Nisto, como em quase tudo, a ótica de um copo meio cheio faz a diferença.

Num ano que já tem sido suficientemente atípico, o Junho que está prestes a bater à porta é talvez o mais sui generis da recente memória. Diz o povo que é no meio que está a virtude. A meio caminho no calendário anual, Junho é virtuoso em várias frentes. É sinónimo de dias quentes – quando a meteorologia e o São Pedro não fazem das suas, de início de férias para muitos, de arranque do verão, de boa disposição, de marchas populares, de primeiros mergulhos na água doce ou salgada, de noites convidativas, de esplanadas e de enchestes de turistas pelas principais praças.

A sinestesia leva-nos a associar Junho ao cheiro de peixe fresco assado na brasa, à vivacidade das cores mais garridas ou à frescura de uma cerveja à pressão acabada de ser tirada ou de um copo de rosé. E apesar das variadas condicionantes que já fazem parte do nosso novo quotidiano continuarem a permitir estes “mimos” no mês que se aproxima, a verdade é que este Junho… não será bem Junho.

Num destes dias, num curto passeio higiénico pela zona da Mouraria, voltei a lembrar-me de boas memórias vivias em noites de Santo António, ao reparar que ainda há vestígios decorativos do ano anterior. Por esta altura, já as ruelas e pracetas de bairros típicos como Alfama, Sé, Bica, Castelo e Graça estariam a ultimar o seu aspeto rejuvenescido – como um autêntico lifting numa qualquer clínica de estética da moda -, com coloridas bandeirolas penduradas por todos os cantos e as bancas com petiscos que eram um ganha-pão para muito boa gente.

Com o cancelamento das celebrações dos Santos Populares de norte a sul, uma compreensível e necessária mas triste consequência do coronavírus, os manjericos, a sardinha assada no pão, as bifanas e o caldo verde com chouriço terão que esperar até ao próximo verão, da mesma forma que os balões de ar quente, os martelos e o alho-porro só regressam ao Grande Porto em 2021 – pelo menos na forma coletiva como nos habituámos a vivê-los. O mesmo se diz da música popular que ecoa pelas colunas e palcos destes bairros, com as típicas letras cheias de trocadilhos marotos e um instrumental que embala madrugada fora e que, às páginas tantas, parece sempre igual.

Junho torna-se ainda mais atípico com os novos torniquetes virtuais e semáforos que vão habitar à entrada das praias que embelezam os nossos novecentos quilómetros de costa, de norte a sul. É a nova forma de estar e usufruir dos areais, que pede bom senso e moderação. E em boa verdade, uma boa dose de otimismo, numa ótica saudável de olhar para tudo isto como sendo um copo meio cheio, em vez de meio vazio. Porque, apesar de tudo, conseguimos chegar a Junho com um regresso, ainda que modesto, a uma vida mais próxima do normal, a números estatísticos controlados e a algum alívio nas nossas liberdades. Se Junho é sinónimo de força e vivacidade, também temos mostrado que o somos. Mais uma vez. E isto já faz de Junho um mês tão estranho como abençoado. Com ou sem Santos.




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