Crónica de Dora Mota: Surpresas que andam ao nosso redor

Aldeia de Picote, no concelho de Miranda do Douro. (Fotografia: Dora Mota)
As pessoas guardam em si histórias que podemos nunca suspeitar e já me caíram tantas nas mãos sem estar à espera. Pode bastar uma pergunta para as desatar.

Uma ocasião, a propósito de uma reviravolta na vida, para mim natural mas para outros nem por isso, uma amiga disse-me – “Tu és uma caixinha de surpresas”. Eu podia facilmente afirmar o mesmo sobre ela, sobre outros amigos e não só. Às vezes, basta uma pergunta no meio da conversa para se abrir a caixinha de surpresas que há nas pessoas. Por esta ser uma crónica alegre, vou apenas falar das boas surpresas.

Por exemplo, do meu colega de empresa Ernesto que – pretexto da reportagem sobre a minha viagem de autocaravana desde Arcos de Valdevez até Miranda do Douro – me perguntou se tinha gostado da aldeia dele, Picote. O Ernesto é um mirandês com os pés no Porto e o coração em Picote, doce e bravia varanda de onde se vê o Douro a escavar montanhas entre Espanha e Portugal.

É um dos fundadores da Associação Frauga, que promove o desenvolvimento de Picote, e continua ligado e apaixonado pela sua terra natal. Eu que há 14 anos me cruzo com um Ernesto de fato, e que dele guardo sempre simpatia, não fazia ideia. O Ernesto revelou-se uma caixinha de surpresas e não se livra de, um dia destes, ser convocado para guia da Evasões no planalto mirandês. Estes nativos parecem ter o dom do inesquecimento, porque ainda nos recordamos com ternura, na redação, da nossa estagiária do Palaçoulo, a Goreti. E temos ainda no meio de nós outro infatigável natural do planalto, o nosso diretor de Arte, Pedro, mais as suas histórias de azeitonas.

O meu marido diz que eu não largo as pessoas sem fazer perguntas, mas é graças a essa qualidade (vício?..) profissional que me fui apercebendo de muitas surpresas que as pessoas guardam na suas caixinhas. De colegas de trabalho sorumbáticos que trabalham com crianças desfavorecidas ou de outros que dançam no rancho folclórico da sua terra. Basta ter o atrevimento (a mania?…) de fazer perguntas para descobrir pessoas que são austeras fachadas de um interior em festa.

Histórias de vida, pequenas ou grandes, é assunto que nunca me cansará. Já me caíram histórias nas mãos sem eu estar à espera tantas vezes que, há muitos anos, numa reportagem no Porto, tive uma epifania: as pessoas mais comuns conseguem ser as mais extraordinárias. Tenho passado todos os meus anos de jornalista a colecionar provas disso. O que mais me custa é não me sobrar tempo, entre a lida profissional e de mãe de filhos pequenos, para criar na minha terra um projeto do tipo Museu da Pessoa. Continuarei a sonhar com ele.




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