Crónica de Domingos de Andrade: Amadeu’s Mozart

Restaurante D´Aurora, em Cortegaça. (Fotografia: André Gouveia/Global Imagens)
Há lugares mágicos que estamos sempre a repetir, porque ali perdemos e ganhamos amigos, fomos nós e somos tantos outros. Este lugar é um deles.

Há lugares a que regressamos muitas vezes porque fomos felizes. São mágicos. E é uma magia sem truques, sempre a repetir-se, como se fosse um cromo repetido, mas mantendo-nos permanentemente encantados.
Perdemos e ganhámos lá a adolescência, embora aquele lugar não fosse aquele. Perdemos e ganhámos lá lágrimas e risos e amigos, embora aquele lugar já não seja o da adolescência mas o de ontem. Que é o de hoje. Fomos nós e somos outros tantas vezes, que são o que nós verdadeiramente somos sob o manto da resiliência que os anos ensinam.

Esses lugares têm sempre um encantador, um flautista de Hamelin generoso, a seduzir quem vai e quer voltar. São espaços de genuíno afeto, tocados pelos valores da Flauta Mágica, de Mozart, mas ali o simbólico depende da fé de cada um. E às vezes ouve-se Edith Piaf a entrar pelo mar adentro. Outras, um animador meio pimba agarrado a um sintetizador, sem enfurecer muito as vagas.

Neste, que já foi Dacasca, carregado dos decibéis das discotecas de fazer estremecer as estrelas, que já casou sem descasar, que o jurem as noites e os dias, mas que não jurem mais nada, e que hoje se chama D’Aurora, bem no calçadão da praia de Cortegaça, quase a chegar a Ovar, neste, escrevíamos, há um Tamino e uma Pamina, ele chama-se Amadeu e ela Paula, ele a conduzir a alegria por entre as mesas, a mergulhar copos de espumante e de champanhe no gelo, quase sempre um para ele, em cada balde, a brindar “aos bons, aos bons”, que somos todos, ela a fazer na cozinha aberta as tentações de todos os deuses, e que nos perdoem os do oculto porque esses às vezes não percebem nada.

O D’Aurora não é apenas o restaurante do melhor peixe saído ali da frente. Das amêijoas mais gordas e suculentas à face do mar. Do lavagante preparado como saiu das águas, sem molhos esquisitos que fazem da comida o que ela não é. Nem é apenas o restaurante da carne que se sabe de talhante certo. De tudo o que a Paula faz ali na hora, sem pratos do dia e sem pré-cozinhados enlatados. Se for preciso espera-se, sem nunca desesperar.
No D’Aurora quer-se que as crianças sejam crianças, que os adultos sejam adultos bons, que os afetos nos afetem, que as amizades semeiem. Parece, assim de repente, uma coisa meio evangélica, porque no fundo, no fundo, importa é estar bem e comer melhor. Aos bons, aos bons.




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