Crónica de Carina Fonseca: o macacão vermelho cai melhor que a máscara

Fotografia: DR
Não percebia o fascínio pela série espanhola “A Casa de Papel”, até ter visto o primeiro episódio. Agora tenho uma personagem favorita e dou por mim a pensar que nome de cidade escolheria, se integrasse aquele grupo de assaltantes com macacões vermelhos e máscaras de Dalí - ficção que muito alegrou a minha quarentena.

Se calhar, não devia contar isto. A primeira vez que vi a série espanhola “A Casa de Papel” foi num hotel onde um utilizador da Netflix deixara a sessão aberta (perdoe-me o atrevimento, e obrigada). “Vou só tentar perceber porque é que toda a gente anda a falar disto”, disse então, um bocado com a mania. Pois foram logo uns quantos episódios de seguida, nesse último dia de férias passadas, precisamente, em Espanha. E eu, que ainda não tinha aderido àquele serviço de streaming, não descansei enquanto não o fiz. Claro que devorei todas as temporadas – e mais séries e filmes com os mesmos atores, que já me pareciam família.

A quarta e mais recente temporada d’ “A Casa de Papel” saiu durante a quarentena, e foi a melhor coisinha daqueles primeiros dias, em que andava pela casa às apalpadelas, oscilando entre o drama e a descontração, embora adore estar quieta no meu canto. Não que agora esteja em paz com o que está a acontecer, mas habituamo-nos a quase tudo, não é? Ora, voltando à série, é com ligeiro embaraço que admito: aquela temporada estreou numa sexta-feira e vi-a de rajada nessa mesma noite. Tive de lutar contra o sono, claro. Valeu a pena. Como dizia alguém, com a minha total compreensão: bem sei que sabe melhor comer só um quadrado de chocolate, mas continuo a preferir comer o chocolate todo de uma vez, mesmo correndo o risco de enjoar. Neste caso, não enjoei. Estou com saudades, já.

Nos dias seguintes, vi pessoas a desdenhar da série nas redes sociais: que não estava propriamente bem feita, que havia outras muito melhores, blá-blá. Claro que “A Casa de Papel” não agrada a todos. Quem estava comigo no hotel em que a vi pela primeira vez virou-se para o lado, indiferente, e dormiu sobre o assunto. Mas sabe bem alguma dose de irrealidade, de tempos a tempos. E deu-me muito gozo receber mensagens e telefonemas de amigos, durante o confinamento, a discutir o rumo que a ação levara e qual a sua personagem predileta. Nairobi recolhe muitas preferências. Já a minha vai para Berlin. A classe conta muito. E uma boa voz. E que vontade de ir agora vestir um fato com laço. Até pode ser bege.

É interessante conhecer gostos e sensibilidades diferentes. Não concordo quando uma amiga apelida o Professor de irritante, graças aos seus modos acanhados e algo estáticos, mas não deixo de sorrir (e vou reparar mais na sua forma de andar). E, se fizesse parte do bando de assaltantes que usa máscaras de Salvador Dalí e macacões vermelhos, que nome de cidade adotaria? Estocolmo já está tomada, Marselha também. Que pena. E Porto? Porto ainda não. Lisboa, sim. Venha daí mais debate.

“A Casa de Papel” pode ser só uma série, imperfeita como tudo o resto, mas alegrou-me em dias mais desencantados, fez-me sonhar com outras paragens. A mim e a tantos outros que aguardam a sua continuidade, enquanto a nossa história coletiva se vai escrevendo. Ultimamente, mais parece ficção. Sendo que o macacão vermelho cai bem melhor do que a máscara.




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