Crónica de André Rosa: A luz que Lisboa tem

Alfama (Fotografia de Pedro Rocha/GI)
Elogiada por poetas, eternizada por pintores e fotógrafos, a luz de Lisboa é singular. Entre pelas ruas e difunde-se a partir dos telhados que se moldam às sete colinas.

Lisboa tem uma luz especial, que abraça e cativa quase todos os que por ela passam. É límpida, luminosa e quente. Podia ser apenas impressão minha, mas não é – e tem base factual: Lisboa é mesmo a terceira capital europeia com mais horas de sol por ano – 2799 -, capaz de irradiar num qualquer fim de semana, entre junho e setembro, 20,5 horas de sol. Para quem gosta de viver as cidades, como eu, não há luz como a de Lisboa.

Uma rápida pesquisa deu-me algumas respostas para a origem deste “fenómeno”. Primeiro, a localização geográfica da capital: estar na costa sul atlântica da Europa é determinante para receber mais raios de sol. O facto de Lisboa estar virada a sul e ter uma longa frente ribeirinha também lhe proporciona mais horas de sol a descoberto. O vento, imagine-se, desempenha igualmente o seu papel: ao ser constante, limpa mais o ar.

Em nenhuma cidade julgo ter encontrado um ar tão límpido como aquele que Lisboa respira de manhã, seja primavera, verão, outono ou inverno.

Em dias de céu limpo, dou graças a Deus por viver num país e trabalhar numa cidade como esta, luminosa, em que o frio cortante do inverno é rapidamente amenizado pelos raios quentes de sol. Lisboa irradia luz por todos os poros.

Basta olhar à nossa volta, a cidade é como um espelho. A luz reflete-se nas fachadas cor-de-rosa, amarelas e ocres das habitações, nos vidros dos edifícios modernos e no curso do Tejo que banha a cidade. Entra pelas ruas outrora construídas perpendicularmente à linha do rio e difunde-se a partir dos telhados que se moldam às sete colinas.
E a calçada portuguesa preta e branca funciona como um espelho – assim como os automóveis estacionados durante horas ao sol. Em Lisboa, o mesmo sol que queima impiedoso do seu ponto mais alto é o que aconchega o final de tarde mais ventoso e agreste. Como não amar este espetro de luminosidades e temperaturas? De dia, Lisboa tem tantos ou mais encantos que a sua versão noturna e boémia.

Houve poetas que a elogiaram, pintores que a eternizaram, fotógrafos e realizadores ávidos de a captar pelas lentes. E os turistas, quando chegam a sítios como o Miradouro das Portas do Sol e desatam a tirar fotografias ao casario e ao Tejo infinitos, lembram sem querer os lisboetas de como a cidade tem uma luz incomum, digna de registo e de contemplação. O desafio é olhar com olhos de ver para o que está à nossa frente. Apreciar com tempo. Demorar a reparar. Absorver cada feixe de luz como se fosse o último.

Mas Lisboa, sempre tão luminosa e próspera, atravessa agora um limbo de incertezas. É tempo de olhar para si mesma e interrogar-se: pensar que cidade ambiciona ser, com a certeza de que a sua luz mágica, à partida, brilhará sempre.




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