«Fazendo menos, os vinhos são mais interessantes»

António Maçanita, enólogo e fundador da Azores Wine Company. Fotografia de Miguel Rezendes
António Maçanita, enólogo de ascendência alentejana e açoriana, foi um dos oradores na conferência Açores 2017 No Rumo Do Turismo Sustentável, onde falou da importância do preço justo, de respeitar a essência das coisas e da conversão de uma agricultura de sobrevivência em negócio. Com vinhos premiados a comprovar a sua tese.

Quando decidiu investir no vinho do Pico, já lhe conhecia o potencial?
Em 2010 comecei a dar formação em Ponta Delgada, e descobri que havia uma casta em vias de extinção, o terrantez do Pico. Disseram-me, «Se calhar há uma razão por que desapareceu, não se faz grande vinho com isto». Cheirou-me a desafio. Lancei um protocolo de fazer um vinho com o terrantez, que é hoje um dos brancos mais bem pontuados de Portugal. Não é por génio, é o contrário: é por ter feito uma enologia que respeitava a essência. Não tentar que fosse. Passou de querer que fosse bom para eu dizer «Isto tem potencial».

O que se seguiu?
Em 2013 fui ao Pico dar formação e entusiasmei-me. Fiz um protocolo, e entreguei ao governo regional, com linhas orientativas para a indústria do vinho passar a ser sustentável: um projeto de pesquisa histórica, um projeto genético para perceber de onde vêm as castas e um de consultoria à borla. Os dois primeiros foram aceites, o terceiro não foi aceite pelos produtores. Mas um deles, o Paulo Machado, disse que sim, por isso fizemos um vinho, o Arinto dos Açores 2013. E ficámos com a confiança de que podíamos fazer um projeto, em conjunto com o Filipe Rocha [diretor da escola de hotelaria de Ponta Delgada]. Juntou-se a isto uma oportunidade, um programa de apoio para recuperar vinha no Pico e nós pusemos um projeto para 30 hectares. Foi um fator de mudança – as pessoas ganharam confiança, começou-se a sentir a dinâmica a aumentar e fomos ganhando confiança na autenticidade destes vinhos.

O que têm de especial os vinhos dos Açores?
O que faz os vinhos dos Açores serem únicos é o terroir. Muitas vezes é difícil provar os terroirs. E os Açores, mesmo sem se dizer que é salino, as pessoas vão provar e perceber que é salino. Há uma personalidade ligada às condições extremas em que os vinhos são feitos, a 50 a 200 metros do Atlântico, vinhas plantadas nas frestas da rocha. Quando me perguntam como são os solos, não sei responder. Pomos a vinha na fenda e ela vai à procura. Sabemos que por debaixo é mar. Não há nenhum ponto no mundo com esta relação de intimidade entre vinha e mar. E isto criou uma força. Não estava à espera que a atenção, o prestígio que os Açores hoje têm ao nível de vinhos brancos, acontecesse [tão cedo].

Disse, na sua palestra, que fizeram o preço da uva subir de 70 cêntimos para 4 euros. Como se consegue isso?
Há procura, nós subimos os preços. Triplicaram em três anos, puxados pelos nossos lançamentos. Perguntam-me, «Qual foi o vosso impacto na região?» Yes we can. Só isto. Dar o exemplo. Os produtores não estavam a fazer mal os vinhos. Estavam, se calhar, a esforçar-se demais para que os vinhos fossem parecidos com os do continente, quando fazendo menos os vinhos são mais interessantes. Valem mais.

Qual é a vossa produção?
40 mil garrafas. O objetivo é 250 mil, que, neste posicionamento de preço, é um desafio mas não é impossível. Os distribuidores dizem, «Quando crescerem, podemos ver um preço mais [baixo]». Pois, quando falam com a Borgonha não falam nisto. Porque nos estão então a falar disto? Os nossos custos de produção são superiores e é mais único: temos de mudar o paradigma.

Parte da sustentabilidade é também obter preços justos.
[O vinho no Pico] é uma economia que desapareceu por uma razão. É difícil pôr de pé esta indústria. O desafio é pô-la sustentável, tem de o ser a médio prazo. Com uva a 4 euros, não se consegue de repente ser sustentável. Se se quiser fazer naquele modelo de currais, tudo à mão, produtividades superbaixas – quando corre bem, são 2 mil quilos por hectare, este ano foram 500. Com estes 4 euros, está no limite de ser rentável sem os apoios que existiram até agora. Como esse sistema de apoios se vai cruzar com uma realidade produtiva, não sei. Queremos perceber o que vai acontecer para perceber que investimentos fazer. Mas vejo como muito positiva a margem de crescimento destes vinhos.

 

Levar os Açores ao mundo

Além da Azores Wine Company, António Maçanita produz os vinhos Fita Preta, no Alentejo, e Maçanita, no Douro, e em qualquer uma das geografias tem colhido louros. Com os vinhos açorianos, conseguiu, em 2016, três lugares na lista dos 20 melhores brancos nacionais da revista Wine Spectator (incluindo o segundo posto, com o Terrantez do Pico 2011).

 

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