Crítica de Fernando Melo: The Mix, em Cascais

Está sempre tudo certo e no sítio quando voltamos aos lugares luminosos da nossa memória para uma refeição. Ter o mar perto é a garantia do infinito à mesa e a linha de Cascais ao Guincho tem muitos pontos de paragem obrigatória. O melhor, contudo, está no The Mix, governado pelo chef Ricardo Deus, o mar no código genético, a cozinha no coração.

Há 40 anos, na tão sinuosa quanto bela estrada do Guincho, existia a estalagem Muchaxo lá ao fundo e – sensivelmente a meio percurso – a casa do faroleiro, onde ser encomendava uma sopa de marisco maravilhosa. Floresceu o negócio, vieram empresários fazer casas que ainda hoje perduram e a dita estrada passou a passeio. Perto do mar, o ano todo, peixe e cascaria com fartura para empreitada gastronómica vagarosa, amigos à mesa, pores-do-sol inesquecíveis. Por razões a pesquisar, marcou-se sempre a Boca do Inferno, promontório outrora funesto pelos muitos temerários que foram engolidos pela fúria da rebentação junto à Gandarinha, como início da cordilheira marítima do gosto.

O Farol Hotel fica antes quando se vem de Cascais, num lugar de coxia donde se vê as praias da linha num braço e onde noutro se está em cima do mar. No restaurante The Mix perde-se a noção espacial, fica-se imerso na dinâmica imparável do oceano e é impossível, apesar das preferências pessoais de cada um, não o eleger como o mais marítimo local para peixe e cascaria.

Nada entre cada mesa e o mar. A cozinha está a cargo de Ricardo Deus. Algarvio de Portimão, nasceu e cresceu no meio onde hoje se move, já que os seus pais sempre tiveram restaurantes. Quando chegou o momento vocacional, já o jovem Ricardo tinha a certeza, fez a escola de hotelaria de Portimão, estudou e aprofundou o que empiricamente desde miúdo tinha aprendido. Passou pelos hotéis D. João II, Alvor Praia e Delfim, depois foi subindo em latitude, ao serviço do grupo Pestana, Pousada de Sagres, Pestana Sintra e Pestana Cascais.

A busca de conhecimento e a necessidade de contacto com o mar no seu aspeto mais rústico levaram-no a quatro anos em Aveiro, onde considera que aprendeu a ser o menos invasivo possível do peixe, e que segundo o seu mestre era a forma mais sublime de o tratar. Parece um filme bonito. Até porque mete Paris a seguir, aquisição maciça de conhecimentos e técnica da cozinha clássica francesa.

Quando regressa a Portugal vem sólido e autónomo e trabalhou com Olivier Costa e Aimé Barroyer. O primeiro na disciplina, o último na organização, foram ambos fundamentais. Com o mar aos pés, um arsenal técnico imenso e intimidade invulgar com os produtos, o chef Ricardo Deus renunciou ainda assim à chamada cozinha de autor, criando em vez disso menus semanais de cozinha criativa. Na verdade, cozinha de mercado, a mais difícil de praticar a nível elevado, que é o que o The Mix proporciona.

Duas entradas, um peixe, uma carne e duas sobremesas, para cada um compor o seu menu de entrada prato e sobremesa, disponível por 50 euros, sem vinhos. Desta forma, a carta – também há serviço à carta – é orgânica, vai-se reconfigurando de acordo com o que a época e a criatividade do chef define. Brilhantes as vieiras marinadas em citrinos e pimenta de espalette, aipo e vinagreta de romã (23 euros), inesquecível a raia assada em manteiga de alcaparras com arroz malandrinho, cebolo grelhado e tomate confitado (27 euros). Está aqui a mesa mais marítima deste enclave. Ir sem pressa, mas ter pressa de ir.

 

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