Crítica de Fernando Melo: Barão de Fladgate, Gaia

Uma das propostas deste «restaurante excecional». Fotografia: DR
Nas caves da Taylor’s o Barão de Fladgate é muito mais do que um restaurante excecional. É uma balaustrada sobre o Douro, com o mundo inteiro dentro. O chef Ricardo Cardoso cria em cada mesa um ambiente diferente, e em cada uma hamoniza vinho, comida e o melhor da vida.

Foi num almoço vínico há cerca de um ano que dei com a enorme sensibilidade do ainda jovem Ricardo Cardoso, apenas 40 anos na altura e já com um invejável percurso. A inteligência cristalina do chef abria em cada prato caminhos diferentes de exploração da vereda vinho-comida, o que me fez aproximar mais do seu trabalho. No papel é certo que é um restaurante de adega, mas o que ali acontece agora é em si mesmo um destino onde o vinho do Porto é rei e cada refeição é gloriosa.

Para escrever esta crítica, revisitei um livro que há mais de uma década não abria, tal a evocação do projecto Mondavi na Califórnia, montado por Robert e sua mulher Margrit Biever Mondavi, que estar sentado à mesa no Barão de Fladgate provocou em mim. Annie Roberts, filha de Margrit, viajou pelo Mundo inteiro com o seu marido, Keith, até que se fixou na adega Mondavi para instalar a sua cozinha, e para Keith trabalhar como tanoeiro. Tive o privilégio de ser amigo da família e de ter comigo os livros que que me deram, repositório feliz de soluções culinárias para a oferta vínica.

A vista faz parte da experiência.
Fotografia: DR

Juntamente com Pedro Fernandes na sala, Ricardo Cardoso monta facilmente a viagem interior e põe o Mundo na mesa. José Cordeiro, Luís Américo, Jerónimo Ferreira, Rui Paula e Vítor Matos são algumas das grandes figuras ao lado de quem oficiou e a quem sente que deve o arsenal técnico e criativo que utiliza nos seus pratos. Entremos pelas entradas dentro, o foie gras (18 euros) surge na forma inesperada de ganache com romã, lascas de chocolate preto e ameixa d’Elvas, brilhante com o proposto e aceite tawny 20 Anos da Taylor’s. O geralmente inarmonizável ovo a baixa temperatura (8 euros) – a gema é um concentrado de ferro que os taninos do vinho não conseguem resolver – aqui abre totalmente as portas graças à assessoria do molho bearnês e da espuma tépida de batata. Altíssima escola, apetece dizer, genial a ligação com o verde Casal de Ventozela branco 2018.

Quando a refeição começa assim fica-se com medo que a magia se vá no prato seguinte, mas aqui não há razão para receios. O polvo crocante (24 euros) ligeiramente carilado com couve-flor – outra dificuldade vencida – em açafrão das índias e espuma de lima kaffir põe-nos na hora em modo redentor. Excelente sugestão de Pedro Fernandes, o duriense Oboé reserva branco 2017, integrador dos componentes do desafiante prato, é bem-vinda a ligeira evolução do vinho. Claro que entramos impantes na secção carnívora, a que tantas vezes chegamos já cansados, mas tudo tem primado pelo equilíbrio e leveza, sequência bem pensada. Vem o vitelão (26 euros) com escalope de foie gras a que só avivei o sal, a harmonização conseguida com o Dona Berta reserva tinto 2013, mais um triunfo do Douro e da casa à mesa.

A fechar em tom de provocação e ao mesmo tempo a demonstrar um produto que nasceu no grupo Fladgate, de que a Taylor’s é parte integrante, a harmonização da excecional panacota de citrinos e maracujá e gelado de citrinos e verduras com Croft Pink Port. Experiência verdadeiramente fundadora e plena, a vontade a pedir que o chef Ricardo Cardoso vá lavrando um livro de receitas como o dos Mondavi para na loja podermos comprar e levar para casa. Mais tarde serão memórias bem cozinhadas.

A refeição ideal

Carabineiro com tataki de atum, tártaro de tomate e pepino doce (24 euros)
Ganache de foie gras com romã (18 euros)
Lúcio do rio Douro com xerém de sapateira e lingueirão, lagosta e emulsão de citronela (20 euros)
Magret de pato com arroz do mesmo e enchidos regionais, pipocas de porco e moela confitada (26 euros)

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

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