Um passeio pela Lourinhã, ao sabor da aguardente

Um passeio pela Lourinhã, ao sabor da aguardente
Conhecê-la melhor em caves, prová-la em copos-balão e saboreá-la à mesa. As múltiplas facetas da aguardente DOC da Lourinhã estão espalhadas pelas ruas da vila, e com razão. Afinal, é a única região demarcada deste destilado em Portugal, e a terceira à escala global.

As paredes foram ficando escuras, consequência de muitos anos de evaporação de álcool, as luzes estão a média intensidade, há teias de aranha que por ali se foram fixando e o discurso ecoa pelos corredores das caves da Adega Cooperativa da Lourinhã, que João Pedro Catela conhece melhor do que a palma das suas mãos. «Aqui na cave não entram químicos, a única coisa que fazemos é lavar o chão com água», explica o presidente desta casa com 62 anos. Destes, mais de 20 são sob a gestão deste lisboeta, que aceitou o convite para se mudar para esta que é a única região demarcada de aguardente DOC em Portugal – distinção que chegou há 27 anos, e a terceira no mundo, ao lado das francesas Cognac e Armagnac.

A chegada a esta produtora deu-se num período complicado. «As coisas aqui estavam um pouco em baixo mas deu-me um enorme gozo dar a volta a isto», explica Catela, de bigode farto e discurso fácil. Os números atuais são mais simpáticos. Em 2018, venderam mais de 15 mil garrafas. Só este ano, a Adega Cooperativa da Lourinhã já produziu 12 mil litros de aguardente vínica XO, a única à qual se dedicam. A designação significa «extra old» e refere-se ao estágio em barricas de carvalho francês e nacional por mais de cinco anos. A média da adega fixa-se entre os 12 e 14 anos.

Há mais de 60 anos que a Adega Cooperativa da Lourinhã produz aguardente. (Fotografias: Paulo Spranger/GI)

João Pedro Catela preside a adega.

A zona de envelhecimento da aguardente em barricas pode ser visitada, em sessões guiadas de grupo.

O facto de se tratar de um produto DOC faz com que o mesmo seja alvo de um processo de controlo de qualidade constante e que obedeça a regras. Uma destas é que toda a produção seja feita na região demarcada [13 freguesias da Lourinhã, Peniche, Óbidos, Bombarral e Torres Vedras], da fermentação vínica à destilação em alambiques, estágio e engarrafamento. «O nosso clima, o não termos muito calor, o estarmos junto ao mar, tudo isto torna a nossa aguardente especial», afirma o presidente. Junto a si, estão expostas as várias medalhas de ouro que foram ganhando na categoria de Aguardentes DOC do Concurso de Vinhos de Lisboa, uma por cada ano que passou entre 2010 e 2019.

Nas caves, onde decorrem as visitas de uma hora, conhece-se a história da casa e prova-se o precioso destilado. No ano passado, passaram por aqui quase 2000 visitantes. «Recebo gente de todo o mundo. A aguardente e os dinossauros [referindo-se ao Dino Parque] chamam cá muita gente», explica João Pedro, de 66 anos. Para si, a língua não é barreira. «O meu inglês… bom… eu digo uns palavrões, eu cá me desenrasco. Eles entendem», ri-se o presidente da cooperativa, que tem loja online e presença física em 400 superfícies comerciais de norte a sul.

Para venda, há garrafas dos 5cl até um litro, que podem ser personalizadas com o nome de alguém, e um vaporizador de aguardente, desde há dois anos. «É bom para pulverizar a mousse de chocolate, o arroz doce, o café para quem gosta de o beber com cheirinho. Pode pôr-se em qualquer lado, eu até já o coloquei na sopa», recorda, divertido.

 

Pastéis e foie gras: a aguardente à mesa
Dos 43 anos que tem, só os primeiros onze não foram dedicados à pastelaria. Pedro Ferreira andou a adoçar o palato de muitos pelo Bombarral, a sua terra, Torres Vedras e Caldas da Rainha, mas assentou arraiais há já algum tempo na Lourinius, a pastelaria que comprou há uma década e que gere com a mulher, Ana. É aqui que se provam aqueles que é, provavelmente, o doce mais conhecido da vila: o seu pastel de aguardente. A ideia surgiu há cerca de oito anos, quando um pastel de pera Rocha que provou no Bombarral lhe serviu de inspiração.

Os famosos pastéis de aguardente da Lourinhã. (Fotografia: Paulo Spranger/GI)

A pastelaria Lourinius fica no centro da Lourinhã.

«Houve muita tentativa-erro até chegar à receita final. Estragou-se muito pastel na altura, mas valeu a pena», ri-se o proprietário do espaço, com esplanada e fabrico próprio de outros doces e pão. Os pastéis de aguardente leva amêndoa, ovos, leite, o destilado DOC da região e coco ralado, mas o segredo da confeção, esse, vai continuar assim, em segredo. «O recheio é feito apenas por mim ou pela Ana, para preservar a receita», explica. «Há pormenores que fazem a diferença, como a temperatura do forno e o facto de triturarmos a amêndoa em casa, em vez de usarmos farinha de amêndoa», acrescenta a dona da Lourinius. E claro, a qualidade dos ingredientes é fundamental.

A Páscoa, o verão e o Natal são épocas de fabrico em grandes quantidades, mas todas as semanas vendem uma média de 600 a 700 pastéis. «São o nosso ex-líbris», refere Ana Sebo. Tanto os de aguardente, os mais conhecidos, como os que se seguiram depois: de licor com ginja de Óbidos, de vinho do porto, de feijão, de alfarroba e aguardente de medronho, de bolota e vinho licoroso da Carmim, e de castanha com vinho de Carcavelos. Estas e outras doçarias podem e devem ser provadas no local, acompanhados por um café, «que é um bom casamento», conta Pedro Ferreira, ou num dos espaços selecionados onde têm presença física, como a Briosa Mondego de Coimbra ou no Cantinho Tradicional de Oeiras.

A cinco minutos de carro do centro da vila, a aguardente da Lourinhã DOC prova-se à mesa de uma outra forma. Não apenas pela vista para o mar, com uma distância de poucos metros das ondas da Praia do Areal Sul. No Areal Beach Bistro, que Chakall abriu há dois anos e meio, serve-se num foie gras, acompanhado de frutos vermelhos, pão brioche e uma cama de rúcula. Neste restaurante e bar de praia, encaixado entre as dunas do areal, e que foge à habitual dinâmica sazonal, estando aberto o ano inteiro, os produtos do Oeste sempre tiveram grande destaque, como a pera Rocha, o polvo e a abóbora.

No Areal Beach Bistro, junto ao mar, prova-se foie gras com aguardente DOC local.

As empanadas argentinas de Chakall são um dos petiscos deste restaurante situado na praia, mas aberto o ano todo.

E a aguardente, claro está. Da cozinha de Silvina Lopez, irmã do chef argentino, já saíram piano de porco cozido a baixa temperatura com aguardente; ou bolas de Berlim caseiras com creme de abóbora e aguardente. Neste espaço envidraçado cheio de luz natural, entretanto renovado e com uma segunda sala acrescida, imperam madeiras e o branco, cor que rima com a calma que pede uma refeição junto ao mar, seja ao almoço e jantar ou ao brunch e pequeno-almoço ao estilo inglês, que servem diariamente.

Da carta atual fazem ainda parte as clássicas empanadas de carne argentinas de Chakall, crocantes por fora e bem recheadas, que ligam bem com molho chimichurri. O húmus de grão-de-bico e beterraba é petisco para qualquer hora do dia, bem como as argolas de calamar e cao cao de gambas com piri-piri, batata-doce, tomate-cereja, coentros e lima, perfeito para amantes de picante. Chakall volta a matar saudades de casa com o tenro ojos de bife, um corte típico argentino, que acompanha com picle de funcho. Propostas para saborear dentro de quatro paredes, ou nas esplanadas do bistro: a do deck, que se mantém o ano inteiro, e a que se coloca em cima do areal, mesmo junto ao mar, durante o verão. Um cenário que merece um brinde, com aguardente local claro.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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