Passeio entre a mata e a água no Luso

O conjunto da mata e do Palace Hotel do Bussaco foi considerado Monumento Nacional há pouco mais de um ano e valem visita só por si, mas há tabernas e lugares novos para comer nesta pequena vila que vive da água.

«Muitas pessoas não sabem mas a Mata do Bussaco fica a dois passos da Mealhada.» A frase vai-se ouvindo um pouco por toda a região e, de facto, a relíquia natural contígua à vila de Luso está a pouco mais de uma hora do Porto e, alcançando-se a Mealhada, são 15 minutos por caminhos bem assinalados. A viagem é para lá que segue, contudo, é sensato almoçar antes. Os 105 hectares de vegetação guardam muito que ver e o melhor é mesmo explorá-los com tempo e energia.

O Rei dos Leitões é um dos restaurantes que pontuam as bermas da EN 1 e, apesar de o nome não enganar – a especialidade é leitão –, a aposta recai também, desde há alguns anos, no peixe fresco que chega das lotas de Olhão e Peniche. Depois de um couvert bem recheado – com manteigas das Marinhas, queijos, broa macrobiótica e pão da Mealhada, chegam à mesa as criações dos dois chefs que entraram este ano para o restaurante: Rogério Amaro e Pedro Carvalho. Vieira corada com puré de aipo e palomitas de couve-flor, goraz do Açores acompanhado de batatas, espargos, emulsão de açafrão, imperador dos Açores com legumes caramelizados, puré trufado de couve-flor e trufa negra: a refeição é um desfile de sabores surpreendentes, que apanham de surpresa alguns clientes. As sobremesas que saem das mãos da pasteleira Lídia Ribeiro, como a pêra bêbeda ou o morgado do Buçaco, não devem ser puladas.

Com o estômago reconfortado, é hora de voltar ao (curto) caminho. Quando nos aproximamos da Mata do Buçaco, o ruído vai diminuindo e entra-se numa mancha verde, onde a vegetação frondosa vai criando túneis naturais. Percebe-se de imediato o que levou a Ordem dos Carmelitas Descalços, no século XVII, a ali criar um deserto espiritual para os frades viverem em reclusão. Para que estivessem bem isolados do resto do mundo, foi construído um muro de três metros de altura, que se estende por seis quilómetros e abarca 105 hectares – o atual perímetro da mata.

Sofia Ferreira, bióloga e responsável pelas atividades educativas da Fundação da Mata do Bussaco, guia quem quer conhecer a mata. Há trilhos de duas e três horas, caminhadas alternadas ao sábado e ao domingo, e visitas à mata que podem ser personalizadas em função do que se pretende ver (mín. 15 pessoas; grupos menores mediante consulta prévia). Quem preferir fazê-lo de forma independente pode comprar um mapa na fundação e aproveitar para visitar a Loja da Mata no mesmo edifício. Lá, encontram-se velas, infusões, especiarias e ambientadores concebidos a partir de espécies vegetais que nascem no Buçaco.

Para iniciar o périplo, uma das possibilidades é percorrer a mata a pé partindo-se do Miradouro da Cruz Alta, um dos pontos mais elevados da serra do Buçaco. Dos quase 550 metros, avista-se um enorme manto verde ondeado, onde cabe a serra do Caramulo, a da Estrela e, ao fundo, o Atlântico. Após esta belíssima panorâmica, entra-se na Floresta Relíquia, que conserva as caraterísticas típicas da floresta primitiva, antes da ocupação humana. E é como se fôssemos agora personagens de uma história de fantasia, onde troncos entrelaçados, forrados a musgo, se inclinam sobre o caminho e as folhas amareladas criam um tapete natural sobre os degraus sinuosos de pedra, que Sofia vai descendo com desembaraço. Ao mesmo tempo, partilha histórias e conhecimento sobre a fauna e a flora. Aponta para as umbigo-de-vénus, pequenas plantas arredondadas que vão surgindo no caminho, informa que são comestíveis.

Chama a atenção para outras, as gilbardeiras. «Têm muitos nomes, há quem lhes chame jabardeiras», graceja. Fazem lembrar o azevinho e, como tal, até há quem as use como decoração de Natal mas, em tempos, graças às suas folhas duras, havia quem as usasse como cerdas de vassoura. As bagas também tinham destino. Eram secas, moídas e consumidas como café. O percurso continua e percorre alguns dos passos da Via Sacra, que aqui foi replicada à escala da de Jerusalém, com cerca de três quilómetros. Dela fazem parte vinte pequenas capelas que correspondem à paixão e à prisão de Cristo. À Capela de Santo Antão, Sofia recomenda uma visita pelo pôr-do-sol. E depois à Fonte Fria, por onde a água jorra no meio da uma escadaria, e ao exótico Vale dos Fetos, onde as plantas enormes, vindas da Tasmânia, ladeiam um caminho de terra, criando um ambiente quase selvático.

DORMIR NO CORAÇÃO DA MATA
O passeio chega ao fim, o corpo pede algum descanso e não é necessário ir mais longe, pois há duas opções na mata: pernoitar nas Casas do Bussaco, antigas casas de guardas florestais que foram reabilitadas e que resultaram em espaços de alojamento local e turismo rural, com cozinhas equipadas e decoração frugal, ou no Palace Hotel do Bussaco, a funcionar desde 1917. Está nas mãos da mesma família há três gerações e, apesar da visível passagem do tempo, é um lugar belo, carregado de história. Foi mandado construir para os últimos reis de Portugal, ao estilo neomanuelino, e está recheado com sumptuosos frescos, quadros e painéis de azulejos que evocam a epopeia dos descobrimentos portugueses e a batalha do Bussaco.

No restaurante Mesa Real, coroado com um teto árabe de madeira trabalhada, o chef Miguel Silva apresenta uma carta bem portuguesa, com pratos como barriga de leitão, uma «interpretação do leitão da Bairrada», bife de marinhoa e imperador dos Açores servido com feijoada, pratos que podem ser acompanhados pelos premiados Vinhos do Bussaco. A decoração do restaurante é um deleite para os olhos, assim como a dos quartos, que remete imediatamente para a elegância de outras épocas. Ao todo, contam-se sessenta quartos e quatro suítes, sendo que alguns têm uma varanda ou um terraço privativo para os jardins do hotel.

A ÁGUA LEVE QUE TRATA
Explorada a parte superior da serra, sugere-se descer até à pitoresca vila de Luso, no sopé, salpicada por coloridas casas apalaçadas. É com este cenário que dezenas de pessoas enchem todos os dias garrafões com a água que nasce mesmo ali e brota das onze bicas da Fonte de São João. À semana não há grande movimento na fonte, mas «ao domingo é uma romaria», contam Sílvia Silvestre e Diogo Ribeiro do Rosa Biscoito, ali ao lado. O casal pegou, há cerca de três anos, num espaço grande que funcionava como o café de apoio ao Casino de Luso, e deu-lhe uma nova vida, juntando ali salão de chá, restaurante de petiscos e mercearia gourmet. Bolos à fatia, chás portugueses, cerveja artesanal e variadas tostas são consumidas num ambiente cuja elegância é dada, sobretudo, por aquilo que é original, ao estilo Belle Époque, caso do teto em estuque, do piso em mármore, do balcão em madeira e das cadeiras forradas.

E já que estamos no mesmo edifício das Termas de Luso, vale a pena ir conhecê-las e, quem sabe?, até usufruir do spa termal que, a par do termalismo clássico e do centro médico, compõe a oferta. Os serviços de bem-estar incluem massagens, duches, tratamentos faciais, e os de termalismo, mais focados em patologias específicas, agregam várias terapias, entre elas, a hidropinia, que consiste em beber esta água com baixa mineralização várias vezes ao dia.

Se as termas dão vida à vila durante o dia, à noite Mário Penetra sentia que faltava algo. Foi para colmatar essa lacuna que abriu a Taberna do Burriqueiro, em 2016, para servir petiscos e «refeições ligeiras até de madrugada». Na carta leem-se opções tradicionais como bifanas e bitoques mas há três sugestões inesperadas – chicken wings, a sanduíche reuben, com pastrami, e a poutine, prato canadiano à base de batatas fritas cobertas com três queijos e molho de carne. Estes pratos foram trazidos por Mário, do Canadá, onde viveu durante 12 anos. De resto, há vinho, cerveja e café. Café expresso, simples, sem leite nem desenhos, porque, como Mário faz questão de lembrar, «isto é uma taberna».

 

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