Foi violada e agora arrasou nos Bafta TV com a sua própria história de dor

Michaela Coel é a criadora e protagonista da série I May Destroy You. (Fotografia: DR)
I May Destroy You, a minissérie disponível na HBO Portugal é um retrato da autora e atriz britânica de 33 anos, Michaela Coel, e de uma noite em que foi abusada sexualmente por um grupo de desconhecidos. A história foi distinguida com três galardões nos Bafta TV Awards.

Jamais senti medo ou senti que não deveria contar esta história”, disse Michaela Coel sobre “I May Destroy You”, a série da BBC/HBO que arrebatou três Bafta TV, prémios que distinguiram o que de melhor se fez em 2020 na indústria televisiva britânica e cuja cerimónia se realizou no passado dia 6. A artista, de 33 anos, levou para casa os galardões de Melhor Atriz e Melhor Argumentista de Drama e aquela série, da qual é cocriadora e protagonista – por cá, faz parte do catálogo da HBO Portugal -, venceu o de Melhor Minissérie. A história, lançada no ano passado, é a sua e remonta a 2018, época em que escrevia a segunda temporada de “Chewing Gum” para a Netflix. Foi nesse ano, numa pausa numa noite de trabalho, que diz ter sido abusada sexualmente. A cena é retratada quase “ipsis verbis”: Arabella Essiedu, alter ego de Michaela na trama, faz uma pausa na escrita de um livro (e este será a única diferença da realidade) para descontrair com um amigo quando, de regresso a casa, percebe que tinha sido “violada por estranhos”. “Tive um ‘flashback’. A primeira pessoa que chamei foi a polícia e, antes da minha família, os produtores [de “Chewing Gum”], revelou, em 2018, no Festival de Televisão de Edimburgo.

Michaela Coel em Chewing Gum (Fotografia: DR)

 

Passar o seu sofrimento para o pequeno ecrã nunca esteve em dúvida, até porque esta mulher tende “a escrever a partir da realidade”. “É instintivo”, justifica. Além disso, dar forma a “I May Destroy You” foi terapêutico. “Foi uma montanha-russa de emoções. É recompensador poder escrever uma história baseada no passado, sentir toda a dor, mas também perceber que estou aqui, que estou presente, que sobrevivi aquilo”, contou.

A terrível noite que mudou a sua vida e à qual Michaela conseguiu acrescentar – mas nunca transformar – a experiência positiva de um aclamado trabalho em 12 episódios surge após o movimento Me Too, que tomou de assalto o mundo em 2017 com acusações de abusos sexuais por parte do norte-americano Harvey Weinstein – entretanto condenado a 23 anos de prisão.

Aliás, a violação que Michaela Coel terá sofrido nessa noite não foi a única agressão sexual de que terá sido vítima. A atriz diz que, meses depois, durante uma festa, um produtor londrino ter-se-á dirigido a ela: “Sabes o quanto eu te quero f**** neste momento?”, perguntou-lhe. “Virei costas e fui para casa. A pessoa que foi comigo à festa ligou-me mais tarde. Alguém lhe tinha chamado ‘preto’. Era o mesmo homem”, lembrou, recusando-se a revelar a identidade do alegado abusador.

Com um toque de humor – impressão digital de Coel -, “I May Destrou You” chegou a estar, em 2017, na mira da Netflix, que ofereceu à autora um milhão de euros pelos direitos da história. Michaela recusou por não querer perder para o gigante do streaming este pedaço da sua vida.

Para trás, ainda lá mais para trás, fica uma infância marcada pelo dia a dia de um bairro social da capital inglesa. Criada por uma mãe do Gana, era a única negra a frequentar uma escola religiosa – de onde chegou a sair em lágrimas após horas de insultos. Chegaram a deixar-lhe um saco cheio de fezes de cão à porta de casa. A representação surgiu, curiosamente, como uma alternativa à pobreza. Sem dinheiro para pagar a uma ama, foi inscrita, aos oito anos, numa companhia de teatro local gratuita para crianças. O talento estava lá. Hoje, Michaela Coel é uma das 100 pessoas mais influentes de 2020 da revista “Time” e uma das mulheres do ano da “Vogue” britânica.




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