Viagem por Castelo Branco, terra de queijos, bordados e outras artes

O queijo é presença certa à mesa. Aqui, a do restaurante Mãos de Horta. (Fotografia de Pedro Correia/Global Imagens)
A mesa farta, animada por vinhos, queijos e outros produtos locais, já justificaria uma visita, mas este concelho da Beira Baixa tem mais para oferecer. Em Castelo Branco, há todo um património de séculos, que vai das ruas, com os seus portados quinhentistas, às mãos das bordadeiras. A vida cultural. E novidades pelo meio.

Lívia Novais decidiu mudar-se para Castelo Branco pela oferta cultural, depois de ficar rendida ao ciclo de jazz “Noites azuladas”, com os seus espetáculos no centro histórico. “Eu disse: quero morar nesta cidade.” E assim foi. Música, artes plásticas, cinema alternativo… “A cena cultural é o nosso maior forte”, defende a sommelière brasileira, que chegou a Portugal há quase uma década, com um convite para trabalhar no Alentejo. Tem os vinhos colados à pele, e nem a pandemia a impediu de abrir o PESSOA WINE SPOT na terra onde escolheu fixar-se. Essa que vai somando novos atrativos a clássicos como o Jardim do Paço Episcopal ou o castelo de origem templária. Nuns pontos avistamos troços da muralha antiga, noutros murais de arte urbana. E de contrastes assim se há de alimentar este passeio.

Lívia Novais elogia a dinâmica cultural da cidade. (Fotografia de Pedro Correia/Global Imagens)

Por agora, estamos no Pessoa Wine Spot, que Lívia criou há um par de anos. Era para ser loja com os produtos da marca Pessoa Wines, projeto que a une ao enólogo Jorge Gonçalves, mas acabou por virar bar de vinhos com rótulos próprios e de outros produtores, de diferentes regiões, escolhidos a dedo. “Abri a casa que gostaria de frequentar”, conta ela, que serve ali vinho a copo e à garrafa e ainda cerveja artesanal, cocktails e petiscos. É um espaço pequeno e intimista, que permite a entrada de animais e também recebe concertos, oficinas e outras iniciativas. O próprio mobiliário está à venda – são peças feitas ou restauradas por Jorge Batista, que, para ela, mais do que marceneiro, é um artista.

Ora, ali perto há um destino quase incontornável, para os amantes da cultura: o MUSEU CARGALEIRO, que vai expondo, em dois edifícios, o acervo de arte da Fundação Manuel Cargaleiro, abrangendo pintura, cerâmica, escultura, tapeçaria e mais. Muitas das peças são da autoria do mestre Cargaleiro, nascido em Vila Velha de Ródão há 95 anos; outras testemunham a sua faceta de colecionador. Certo é que os seus trabalhos inspiram alegria, devolvem-nos à rua mais leves.

Seguindo a pé pela zona histórica, vale a pena atentar nos portados quinhentistas, portadas de casas do século XVI que, em muitos casos, mantêm gravados na pedra motivos dos ofícios praticados na altura e até referências bíblicas. Encontramos exemplos a caminho da Praça Camões, que era a mais importante à época e reúne quatro edifícios de peso. Há o Solar dos Cunha ou dos Mota; a Casa do Arco do Bispo; o antigo celeiro da Ordem de Cristo; e a Domus Municipalis, que foi em tempos Câmara Municipal, tribunal, prisão e biblioteca, e agora acolhe o CENTRO DE INTERPRETAÇÃO DO BORDADO DE CASTELO BRANCO.

Aquele bordado totalmente feito à mão, recorrendo a fio de seda natural e linho, representa uma herança de séculos. Flores e pássaros de cores vivas estão entre os motivos mais usados, e existem dezenas de pontos diferentes. Além de funcionar como museu e loja, o espaço alberga a OFICINA DO BORDADO DE CASTELO BRANCO, o que permite ver as bordadeiras em ação. Aceitam encomendas personalizadas, mas as peças mais emblemáticas continuam a ser os painéis e as colchas, que outrora enfeitavam as camas em noite de núpcias. Uma colcha pode levar vários meses a bordar, dependendo do número de pessoas a trabalhar nela, do tamanho, do desenho, dos pontos. A mais cara ali à venda custa 45 mil euros. “O que define o valor são as horas” dedicadas à peça, explica Lurdes Baptista, de 55 anos, 35 de um ofício que sacrifica vista, mãos e costas por tão delicada beleza.

Os painéis e as colchas são as peças mais nobres a que se aplica o bordado.
(Fotografia de Pedro Correia/Global Imagens)


Comida vegetariana, chouriço à contrabandista e muito queijo

Continuamos na Praça Camões, porque no edifício que foi celeiro da Ordem de Cristo funciona, há cerca de ano e meio, o restaurante de base vegetariana MÃOS DE HORTA. Lareira acesa, música suave e mesas espaçadas tornam acolhedora aquela casa sem menu fixo: a cada dia é definido um prato consoante os ingredientes disponíveis, pois quase tudo vem de uma horta biológica própria. Pratica-se uma cozinha vegetariana, com opção vegana, contudo, por encomenda, também se faz pratos de carne e peixe. Ao espaço de refeições juntam-se um salão de eventos e uma sala de concertos. E nas manhãs de sábado há mercado com venda de produtos e diversas atividades, num edifício ao lado.

No Mãos de Horta, os pratos do dia são feitos com vegetais de cultivo próprio.
(Fotografia de Pedro Correia/Global Imagens)

Caso apeteça comida de raiz beirã, basta caminhar mais um pouco até ao restaurante CABRA PRETA, de Alice d’Almeida. “Teimosa que nem uma cabra preta é uma expressão familiar; o nome perfeito para um projeto a abrir pós-crise, para trazer comida tradicional, quando esses sítios estavam a morrer”, conta ela, que se inspirou na falecida avó Bárbara tanto para a decoração como para os pratos e petiscos ancorados em produtos endógenos – algumas receitas vieram dela. Já são referências da casa a prova de chouriço à contrabandista, o ensopado de veado ou o polvo com queijo da Serra, por exemplo. Nas sobremesas, à habitual tigelada junta-se o manjar do pastor, cujo ingrediente secreto há que adivinhar.

É sabido que em Castelo Branco não faltam boas mesas, e avançamos para mais uma: o restaurante PALITÃO, que começou como casa de petiscos com serviço contínuo, lembra o responsável, Frederico Vinagre. Entretanto, mudou de morada e de filosofia: passou a servir só almoços e jantares assentes em comida de conforto, com destaque para as carnes grelhadas e a variedade de acompanhamentos que os empregados mantêm a circular pela sala. Entre as especialidades, contam-se as bochechas de porco em pote de ferro, cozinhadas a baixa temperatura, para ir saboreando com feijão-verde, arroz, migas, batatas fritas e outras guarnições.

O Palitão é famoso pela diversidade de acompanhamentos. (Fotografia de Pedro Correia/Global Imagens)

E se, por estes dias, todas as refeições incluem queijos, nada como rumar a uma queijaria artesanal – no caso, a TAPADA DAS SORTES, em Alcains, que produz, entre outros, queijo de ovelha puro, coagulado com cardo, à ovelheira (um modo de fazer em que a massa é muito mais picada, explicam-nos). A imagem de marca da casa são uns queijos pequenos batizados caganitas de ovelha, mas há algo mais que a distingue: o queijo D’anno, puro de ovelha, com uns 14 quilos; a sua abertura é um acontecimento, pois só acontece quando atinge pelo menos 12 meses de cura, e é vendido apenas à fatia. “Este queijo já tem uma espécie de clube de fãs”, comenta o produtor, Jorge Silva, que, por marcação, recebe visitantes e faz provas. Envia encomendas para todo o país, e quem andar perto pode sempre passar pela sua loja no centro de Alcains: a Leitaria do Largo.


Dormir entre animais e memórias de um parque aquático

Andamos agora mais afastados da cidade, com os olhos cheios de verde e a afagar gatos na Quinta da Ribeirinha, em Caféde. É lá que fica o alojamento ARCA DOS ANIMAIS, que Helena Gregório abriu há pouco mais de um ano e reflete o seu gosto pela vida ao ar livre e pelas antiguidades. Arte sacra, talhas douradas e até candeeiros do século XVIII convivem com elementos contemporâneos que garantem conforto, naquela casa de campo.

Helena quis dar aos hóspedes a possibilidade de dormir numa cama diferente – pode ter dossel ou uma coroa no topo, e por certo é king size. As cinco suítes, distintas entre si, levam nomes de animais da quinta, habitada por muflões, porcos, gansos, pavões e até um pónei. Pode-se alimentar os bichos, colher produtos da horta biológica e, claro, desfrutar do spa, que inclui piscina aquecida com cobertura amovível, hidromassagem, sauna, banho turco e sala de massagens.

Proposta distinta tem a QUINTA DA BIGORNA, na aldeia de Escalos de Baixo, que já contava com um restaurante e inaugurou, em julho, um hotel rural de quatro estrelas. O CAMPO DO ROSMANINHO tem seis quartos, três suítes, um estúdio e, junto ao salão de eventos, uma piscina de dimensão generosa, ou não tivesse já funcionado ali um parque aquático, como bem recorda o proprietário, Joaquim Barata Lopes. Quase conseguimos imaginar o escorrega.

A quinta, onde até já houve um campo de tiro (hoje tem um campo de padel), está em processo de renovação e promete pôr mais novidades na mesa: há vinhos de marca própria a percorrer o seu caminho para chegar ao mercado, revela a enóloga Filipa Pizarro, enquanto mostra a adega, que fez neste ano a terceira vindima. Ainda se está em fase de ensaios, mas já há marca registada e vinho a estagiar em barricas de carvalho francês num antigo armazém de pedra. Isso, somado a tudo o que vimos antes, sabe-nos a convite para regressar.



Uma viagem do olival à mesa

Deixamos a cidade rumo às instalações da empresa FIO DA BEIRA, dedicada à produção e à comercialização de azeite, e ficamos a conhecer o processo desde a receção da azeitona até ao embalamento. O diretor de produção, João Domingos, começa por mostrar como a azeitona que chega do vasto olival é limpa, lavada e entra no calibrador para ser separada por tamanhos, consoante vá para azeite ou conserva. Para saber mais, basta agendar uma visita – quiçá uma prova de azeites.

João Domingos explica o processo de produção.
(Fotografia de Pedro Correia/Global Imagens)


Extrair o mel e dá-lo a provar

A CENTRAL MELEIRA gerida pela Meltagus – Associação de Apicultores do Parque Natural do Tejo Internacional disponibiliza aos apicultores do concelho e arredores dois serviços fundamentais: extração do mel e moldagem da cera. Ali, encontram apoio técnico e logístico, equipamentos para venda e até receitas de iscos para travar a vespa velutina. Por marcação, pode-se visitar o espaço (fora da época de laboração, que vai de junho a setembro) e fazer provas de méis e pólen.

Pólen e diferentes tipos de mel à prova.
(Fotografia de Pedro Correia/Global Imagens)

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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