Tomar: tudo o que falta descobrir na cidade dos Templários

Convento de Cristo. (Maria João Gala/GI)
Passear por Tomar é regressar ao passado e ao mesmo tempo saborear uma cidade contemporânea. A pandemia fez regressar muitos filhos da terra que estão a mudar a paisagem cultural e gastronómica.

Luís Campos percorre a cidade a várias velocidades, como se quisesse acompanhar a própria essência de Tomar, que é assim. Descobriu-o há muitos anos, quando aterrou no Instituto Politécnico, vindo dos Açores. E acabaria por ficar, sentir-se em casa, o que diz bem de como a cidade recebe quem a escolhe. Ao volante de um tuk-tuk, parece ser ele a inspiração para um dos temas mais conhecidos da Quinta do Bill, a banda que nasceu ali mesmo: sente-se tão leve, que não pode acreditar. Quase voa, enquanto transporta para outro tempo e muitas histórias os passageiros que escolhem conhecer a cidade a bordo do seu pequeno veículo. É uma viagem única, que começa (e acaba) na praça da República, junto à estátua do mestre templário Gualdim Pais, mas percorre toda a zona histórica, passa pelo Convento de Cristo, pela Judiaria, e faz paragens para observar de longe o aglomerado, ouvir o vento, e apreciar a luz entrecortada pelo aqueduto dos Pegões.

Quando passa nas ruas, vai cumprimentando os comerciantes e demais moradores, numa cidade onde todos se conhecem. Chegou ali no final dos anos 90 para estudar design gráfico, e no caminho conheceu Catarina Vargas, uma engenheira civil que se rendeu ao turismo. Os dois sócios acabariam por criar em Tomar a TUK LOVERS, a terceira empresa de tuk-tuk a nascer em Portugal. “Percebi cedo que aqui tinha uma qualidade de vida que não existe em Lisboa”, conta Catarina à Evasões, numa altura em que os dois amigos tentam recuperar do tombo que a pandemia lhes deu. Afinal, o Convento de Cristo era à data o quarto monumento mais visitado do país, logo a seguir ao Mosteiro dos Jerónimos, à Torre de Belém e ao Mosteiro da Batalha. E esse fluxo turístico trazia um corrupio constante.

A Tuk Lovers. (Fotos: Maria João Gala/GI)

Luís é uma espécie de homem dos sete instrumentos, que estudou design gráfico, conduz um tuk-tuk, mas também é DJ, organizador de eventos, e canta. No CONVENTO DE CRISTO (sede das ordens religiosas e militares do Templo e de Cristo, classificado como património da humanidade e mundial da UNESCO), aproveita uma descida às cisternas para um cântico em latim, num momento arrepiante.

Todo o centro histórico convida a parar, aqui e ali. Logo à saída da praça, o CAFÉ PARAÍSO é disso exemplo. Fez 110 anos em maio passado, e não bastava ser um hino à preservação dos espaços como ainda consegue a proeza de se manter na mesma família até hoje. Quem agora está ao leme é Alexandra Grego, sobrinha-neta do fundador. É ela que conta como sempre adorou trabalhar ali, nas férias, aos fins de semana, e durante a emblemática festa dos tabuleiros – que se realiza a cada quatro anos. Em Tomar, todos conhecem o casal Xana e Peu, que se esforça por preservar a traça do café desde a última grande remodelação, em 1946. É ali que se comem as melhores tostas de galinha da cidade, que se vive um ambiente quase a fazer lembrar as casas de chá, durante o dia, ou um bar cosmopolita à noite.

O Café Paraíso, no centro de Tomar.

Ícone da cidade: o Convento de Cristo.

Na mesma rua (Serpa Pinto), onde o comércio ainda domina, fica a pastelaria ESTRELAS DE TOMAR. Desde 1960 que se dedica ao fabrico de doces conventuais e típicos, mas concentra todo o empenho nas especialidades da casa: queijinhos doces, fatias de Tomar, ‘beija-me depressa’ ou as Estrelas, que fazem jus ao nome da pastelaria.

Roberto Neves é desde há quatro anos a ponta do novelo deste negócio familiar, que começou com o avô Henrique. Aos 85 anos, “ele ainda acompanha tudo o que fazemos”, como conta o neto. Porque foi ele quem começou por aprender o ofício de pasteleiro numa fábrica de bolos que existia nos anos 40, em Tomar, cuja proprietária detinha também a “Mexicana”, em Lisboa.

A Pastelaria Estrelas de Tomar.

Naquele tempo, a cidade templária fervilhava de atividade industrial, albergando, durante a semana, muitos trabalhadores de outras zonas do país. Foi por eles (e para eles) que nasceu o doce “beija-me depressa”, vendido à dúzia numa emblemática caixa de cartão desenhada por um grupo de alunos do Colégios Nun’Álvares – outro património de Tomar. “Era uma lembrança que levavam às mulheres e aos filhos, quando os iam visitar a casa”, conta Roberto.

 

Memórias no Complexo da Levada

A cidade é atravessada pelo rio Nabão, que a serpenteia de verde por causa das muitas árvores circundantes. Há flores em volta, jardins bem cuidados, uma aura de primavera quente a pairar sobre as ruas. E ali, entre o rio e as ruas, fica o COMPLEXO CULTURAL DA LEVADA, onde se destacam os edifícios de antigos moinhos e lagares (que eram alimentados pela energia potencial da água, através de rodas hidráulicas verticais ou de rodas horizontais), duas antigas fábricas de moagem e uma central elétrica. A “fábrica da luz”, inaugurada em julho de 1901, nasceu com o propósito de eletrificar as 100 lâmpadas de 16 velas para a cidade. Afinal, Tomar foi uma das primeiras cidades do país com iluminação pública, logo depois de Elvas e Vila Real. A história é contada na exposição permanente que pode ser visitada no complexo.

O Complexo Cultural da Levada.

No edifício fica a antiga Moagem, agora transformada em “fábrica das artes”, onde moram alguns artesãos. É lá que encontramos JOÃO BRUNO VIDEIRA, que trocou o jornalismo pela criação de peças em lã. Cresceu rodeado de fios, já que a mãe era uma apaixonada por tapetes de Arraiolos. Mas só em adulto acabaria por descobrir esta vocação, que fez dele um conceituado artista têxtil, cuja obra nasce “do encontro entre técnicas e materiais tradicionais com o design e a arte, numa estética contemporânea”. O resultado final traduz-se em peças de mobiliário únicas, autênticas esculturas, que são, afinal, obras de arte feitas em lã. Tudo começou com a recuperação de uma cadeira, e hoje sucedem-se muitas outras, mas também secretárias, bancos, peças diversas, tudo numa profusão de cor e conforto imperdíveis numa visita à antiga Moagem.

 

Comer, passear e ser feliz

A gastronomia tem somado pontos na cidade, em quantidade e diversidade. Uma das surpresas existe apenas há um ano, e é fruto do primeiro confinamento. O belga Gilbert Van Lee descobriu a cidade quando comprou uma casa em Dornes, a 15 minutos dali. “Havia alguns bons restaurantes mas até então não havia um único restaurante fino em Tomar, e por isso a ideia cresceu, e acabámos que nos instalar aqui”, conta à Evasões. Ao princípio concentrou-se na cozinha francesa, mas a pandemia e um novo confinamento obrigaram-no a estender à gastronomia grega. Porém, lá dentro, embora todo o ambiente remeta para um eterno verão nas ilhas gregas, as imagens continuam a contar a história da música e do cinema franceses. A banda sonora acompanha. Ouve-se Joe Dassim, Gilbert Bécaud. Na cozinha, Gilbert vai preparando carpaccio de vieiras com foie gras, caviar e toranja, tártaro de atum de barbatana amarela com Granny Smith,foie gras e um pistácio desintegrado; retorna com um ceviche de camarão jumbo com coentros, escatologia de cal e menta, para culminar com um grego gelado caseiro de baunilha com azeitonas pretas, azeitonas raladas, coalhada de limão, merengue e azeite de primeira prensagem. Uma experiência inusitada.

Chez Gilbert (Fotografia: Maria João Gala/GI)

Não menos surpreendente é o que acontece no restaurante Praça, do HOTEL REPÚBLICA, aberto ao público também há menos de um ano. Aí vale a pena imergir na mesa do chef João Freitas. Descer às profundezas da cozinha é mergulhar num mar de sabores intensos, como são disso prova o ceviche de dourada em cama de ostra, a salada de beterraba, cebola roxa e caviar. Ou o camarão com caril e leite de coco, ou as esferas de alheira em cama de bata doce e puré de castanha, em alternativa a um tártaro de atum em puré de ervilha. Os apreciadores de carne têm sempre o delicado magret de pato com puré de batata doce roxa, molho de amora e miolo de amêndoa, entre muitas outras opções que demoram um jantar e valem uma vida.

João Freitas regressou à terra-natal no papel de comandante desta embarcação de sabores, depois de anos nas cozinhas de alguns dos melhores restaurantes de Londres e do Algarve. É um autodidata que gosta de “criar e inventar”, que embora prefira cozinhar pratos de carne, tendo vindo a descobrir toda a potencialidade do peixe. É exímio nas sobremesas, também. Falam por si o petit-gâteau de chocolate foundant com puré de frutos vermelhos e merengue com creme de natas.

 

Escolhas (in)sensatas

A história recente de Tomar na era da pandemia faz-se de muitos regressos. É também o caso de Gabriel Mendes (e da mulher, Selma Manjee), que desaguou na criação da INSENSATO LIVRARIA, um espaço que reúne as duas paixões do casal: a comida e os livros.

A Insensato Livraria.

O nome resulta, afinal, da reação que os amigos iam tendo à medida que contavam do projeto que passava por deixar Lisboa e regressar à terra-natal de Gabriel. “São insensatos” – diziam-lhes. Seguiram em frente, desconfinando a cultura, os livros que faziam parte da sua própria biblioteca e que agora são parte do acervo da livraria, onde a maior parte dos livros à venda é em segunda mão. Gabriel deixou o jornalismo de viagens e life style, Selma a carreira na área do marketing. Ele dedica-se mais aos livros, ela à cozinha. A mãe era chef, passou-lhe muito dessa paixão. Agora constroem juntos um espaço alternativo, onde há sempre refeições saborosas muito marcadas pelos produtos endógenos e vegan, sumos de fruta natural, café de especialidade, um pão de fermentação lenta, bolos do dia, contemplando a opção sem açúcar e sem gluten. Insensato é ir a Tomar e não visitar o espaço, saborear a esplanada e a companhia destes novos moradores.

Os petiscos do restaurante Belpaço.

O peixe grelhado do Bairro ao Rio, restaurante na Albufeira de Castelo de Bode.

À volta da cidade não faltam opções para quem preferir o campo, as praias fluviais, a impressionante barragem de CASTELO DE BODE. Foi a pensar nessa panóplia que Rui Gomes criou a Casa do Paço, há um ano, e mais recentemente o restaurante BELPAÇO, mesmo ao lado, e que adquiriu um barco, disponível para alugar ao dia – e navegar pelo Zêzere. Essa é uma experiência única, que bem pode passar por uma paragem para almoço no BAIRRO AO RIO, na Aldeia do Mato. Basta atracar o barco e percorrer o caminho a pé. Lá dentro estará Miguel Francisco, que há 7 anos decidiu apostar nesta paixão antiga pela região, e dar ao peixe do rio um lugar de destaque. O desvio impõe saborear lúcio-perca grelhado, devidamente acompanhado com migas e açorda de ovas. Há quem opte pelo mais comum achigã, ou ainda pelo naco de carne ou pela costeleta de vitela. Seja pelo que for, o restaurante conta com uma clientela fiel que ajuda a contar uma história com sete anos.

No regresso a Tomar ainda há tempo para experimentar o BelPaço, que ainda cheira a novo. Abriu portas a 15 de maio, pela mão do chef Sérgio Fernandes, que muito se inspira na “comida da avó”. É de cozinha tradicional que se faz a carta deste espaço, onde não faltam a sopa de feijão e couve, as petingas fritas, o pote de vitela com molho de bruxa, a sopa de ossos, o arroz de polvo. Mas a fusão do passado com um registo mais vanguardista desemboca em opções como o patê de beterraba ou o cogumelo com queijo da ilha, as entradas que fazem sucesso por ali. Nas sobremesas não podias faltar as célebres fatias de Tomar. Filho do pasteleiro do hotel Templários durante meio século, o chef Sérgio quis levar para o Belpaço a história da terra e da família. E agora conta-a à mesa, todos os dias.

 

Hotel República, o luxo (também) mora aqui

Este é o segundo verão em que o Hotel República abre portas, assumindo-se como “um projeto inovador em toda a região centro”. É assim que o caracteriza António Borges, um economista radicado no Luxemburgo que assumiu o desígnio de recuperar o espaço há 3 anos, numa visita a Tomar, de onde emigrou quando era criança, com os pais.

O Hotel República.

Do edifício recuperado (um antigo mercado), nasceu um hotel de cinco estrelas que demorou mais de dois anos a reconstruir, com total respeito pela fachada original. A escolha criteriosa dos materiais é notória em cada pormenor. É uma história de requinte e conforto que o Hotel República quer contar, com a benção de S. João Baptista, a Igreja que é paisagem em cada varanda, e onde António Borges foi baptizado, tal como a maioria dos tomarenses.

Um total de 19 quartos e duas suites compõem a estrutura do hotel, a que se junta o restaurante Praça (aberto ao público e não apenas a hóspedes), o bar 8, e mesmo ao lado o café República.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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