Roteiro pelos produtos e tradições açorianos à boleia d’ O Baco, em Ponta Delgada

O restaurante de inspiração açoriana O Baco fica no Hotel Ponta Delgada, em Ponta Delgada. (Fotografia de Paulo Spranger/GI)
Em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, nos Açores, há um restaurante que procura afirmar a identidade gastronómica da ilha trabalhando lado a lado com os produtores locais e uma abordagem contemporânea. Entre refeições provam-se licores, vai-se a banhos termais e dorme-se com conforto, a olhar o Atlântico.

A tradição confirma-se: ao sábado de manhã, os ponta-delgadenses são fiéis às compras no MERCADO DA GRAÇA, um ponto de comércio justo com os produtores de Ponta Delgada, em São Miguel, nos Açores. Sozinhos, em casal ou em família, os fregueses vão enchendo os sacos levados de casa com produtos para a semana ou para o mês e imprimem um interessante ritmo visual e sonoro ao espaço originalmente fundado em 1948, e que agora está a ser requalificado.

Presentes em maior número neste dia da semana, os produtores de toda a ilha expõem uma miríade de produtos impressionante: ananases, bananas, anonas e frutas de toda a espécie, hortofrutícolas, raízes, frutos secos e outros possivelmente exóticos para os visitantes continentais e estrangeiros. É o caso da pimenta da terra, do consola viúvas (fruto da planta costela-de-adão) e do alho aromático, uma “erva que as vacas comem nos pastos” açorianos, conta Tiago Emanuel Santos.

(Fotografia de Paulo Spranger/GI)

Natural de Sarilhos Pequenos, na Moita, há mais de uma década que o chef de 33 anos visita regularmente os Açores e é por isso que parece que nunca de lá saiu, tal é o nível de conhecimento e paixão com que fala dos produtos e tradições do arquipélago (sotaques incluídos). Mestre em Geografia e Planeamento Regional, decidiu dedicar-se à cozinha, formou-se no Estoril e foi trilhando o seu percurso no país e no estrangeiro, passando por casas como o Areias do Seixo, em Torres Vedras, e o Quórum, em Lisboa.

A par das aulas que leciona na Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril, o chef assumiu há dois anos o papel de consultor do restaurante O Baco, integrado no Hotel Ponta Delgada, e daí para cá tem intensificado a sua relação com os produtores locais, porque acredita no potencial do território. O Mercado da Graça é por isso apenas um dos lugares onde abastece a cozinha do hotel. A carne vem dali do Talho da Saúde, de Pedro Diogo, que compra os animais vivos a lavradores de São Miguel e do Pico.

(Fotografia de Paulo Spranger/GI)

“Estes animais pastam em regime extensivo, a subir e descer montes, e quando são mais velhos dão uma carne mais avermelhada. Por isso é que a carne dos Açores não é tenra, mas é mais saborosa”, elogia o chef. A poucos metros do talho encontra-se a loja d’ O REI DOS QUEIJOS, tão procurada que funciona com um sistema de senhas. O negócio existe há 43 anos e Mário Bernardo, filho do dono, é o atual responsável, trabalhando ao lado do irmão, do cunhado e do sobrinho.

O segredo está na afinação artesanal dos queijos que compram a cerca de 20 produtores (do Pico, Faial, Terceira, S. Jorge, S. Miguel, Flores e Graciosa) e vendem com dois a três meses de cura mínima. A maioria dos clientes parece dominar o assunto, mas quem ali chega sem saber ao certo o que quer é recebido com toda a atenção, podendo provar os queijos antes de os comprar, inteiros ou à fatia. A loja também vende chás, doces, compotas, bolo lêvedo e de massa sovada, vinhos, licores, pão, conservas e biscoitos.

 

Viagem às nove ilhas
Durante a pesquisa pela cultura gastronómica local, Tiago Emanuel Santos descobriu também lugares de “comida autêntica” como a FLORESTA LISBONENSE – uma antiga casa “muito masculinizada”, situada numa ruela onde
qualquer turista hesitaria entrar, mas onde convivem lavradores, agricultores e empresários. Aos 67 anos, viúva, Maria da Conceição mantém-se na cozinha com mãos de ouro e poucas palavras. “Só não gosto de fazer omeletes”, diz com sotaque cerrado.

Para a mesa vão as especialidades da “cantina” do chef: bacalhau frito com molho vilão e inhame cozido (as postas crocantes por fora e gelatinosas por dentro e o molho assim batizado porque é feito a partir de gordura) e carne guisada “à regional” com batatas. “O receituário açoriano resultou de uma adaptação da cozinha transmontana e alentejana aos produtos locais”, contextualiza o chef entre goles de cerveja Especial e pedaços de pão de trigo ensopados na travessa.

(Fotografia de Paulo Spranger/GI)

No restaurante O BACO, aberto ao público em geral, o exaustivo trabalho de pesquisa e experimentação que tem levado a cabo atinge o expoente máximo. “Eu, o meu chef residente Jorge Metade e a equipa queremos contribuir para que a ilha tenha uma identidade gastronómica honesta e sólida, através da fusão entre o novo e o antigo, a técnica do sabor e o produto açoriano”. O resultado pode provar-se em menus de degustação de quatro e sete momentos ou à carta, sempre com bons vinhos regionais e do continente.

Os pratos, contemporâneos, proporcionam uma viagem às nove ilhas dos Açores. Exemplos: lula tártara e frita à moda de São Roque com queijo de São Jorge, gema de ovo, mostarda em caviar, ervas e torras de bolo lêvedo; fígado de aves com geleia de limão galego, redução de licor do Pico, chutney de nabo, laranja, especiarias e massa sovada; e medalhão de alheira de Santa Maria com esmagada de batata de São Miguel, acelgas, espinafres, ovo a baixa temperatura e redução de licor de amora.

Os ovos empregues nestes pratos (e os do pequeno-almoço do hotel) chegam frescos do aviário Ovos de Galinhas do Solo, de Nuno Teixeira, onde as aves são alimentadas com produtos naturais e cereais sem aditivos; e os peixes que o chef apresenta com vários tipos e texturas de batata, molho bernaise de manteiga e maracujá são escolhidos diretamente com Arnaldo Almeida, dono da PEIXARIA ALMEIDA, em Ribeira Seca.

De mais perto chega o ananás utilizado para fazer o sorbet da sobremesa de pudim de pão à moda do Faial com Angélica (licor) do Pico, figos, passas, favo de mel e bolo de caramelo do corvo. A fruta é produzida na Quinta do Paço da Nossa Senhora da Vida, em 18 estufas (cada uma com capacidade para 1180 ananases), e quando é colhida apresenta um bom equilíbrio entre acidez e doçura, fruto de uma adaptação secular às caraterísticas do clima e do solo. Um doce exemplar das maravilhas micaelenses.

 

Os licores da mulher de capote

“O sabor dos Açores numa garrafa”, é esta a assinatura da fábrica de licores A MULHER DE CAPOTE, da empresa Eduardo Ferreira & Filhos Lda. na Ribeira Grande. A unidade produz licores de fruta (maracujá, tangerina, ananás, limão galego, amora, ginja, entre outras) e licores cremosos (menta, capuccino, morango, arroz doce, entre outros sabores), gin, vinho e aguardentes desde 1936. O licor mais conhecido (e galardoado com ouro seis vezes) é o de maracujá Ezequiel. Qualquer pessoa pode visitar a fábrica, ver as cinco mil pipas e a linha de engarrafamento, e no final provar e comprar uma recordação em estado líquido.

(Fotografia de Paulo Spranger/GI)


Dormir perto do centro

O HOTEL PONTA DELGADA, a 12 minutos a pé da icónica praça das Portas da Cidade, pode ser uma opção económica de alojamento em Ponta Delgada. Graças a uma bem conseguida renovação, terminada o ano passado, ninguém diria que é um hotel de três estrelas aberto há 28 anos. Tem 98 quartos de diferentes tipologias, uma nova suíte júnior (com kitchenette, varanda com espreguiçadeiras, cama king size e sala de estar), restaurante, bar, piscina interior aquecida, sauna, banho turco e salão de estética. O restaurante O Baco funciona na porta ao lado, com cozinha de autor à base de produtos regionais assinada pelo chef Tiago Emanuel Santos.


O clássico chá Gorreana

Estar na ilha de São Miguel e não visitar o CHÁ GORREANA é quase como ir a Roma e não ver o papa. Já se sabe que esta é a única – e mais antiga – plantação de chá da Europa, fundada em 1883, mas para os estreantes na ilha não deixa de ser uma visita obrigatória. Há cinco gerações que a empresa produz chá verde e chá preto a partir da única planta camellia sinensis, de forma artesanal, tanto no cultivo e apanha como no restante processo, livre de químicos. Os 32 hectares de chá que rodeiam a fábrica, o recorte atlântico no horizonte e o perfume (e prova) dos chás no final da visita fazem a delícia dos visitantes. O museu também tem uma loja.

(Fotografia de Paulo Spranger/GI)


Dos banhos ao cozido das furnas

A POÇA DA DONA BEIJA integra todos os roteiros turísticos em São Miguel e inspira milhares de fotografias nas redes sociais por se situar num lugar abençoado pela natureza. Mas o que a maioria talvez desconheça é que a poça original – na gruta da Lomba das Barracas – terá sido descoberta por um padre e que o nome, na verdade, foi inspirado numa telenovela brasileira. Antes de ser esta estância balnear, sucessivamente melhorada, com cinco tanques de água férrea a 39 graus e com reconhecidas propriedades no combate a alergias e anemias, o lugar era uma zona de cultivo de inhame. Desde há séculos, de resto, que a geotermia provocada pelos três vulcões da ilha alimenta também os açorianos (e agora os turistas) com o chamado cozido das furnas. Há seis anos, nas caldeiras da Ribeira Grande, foram criados nove buracos próprios para as pessoas deixarem lá as suas panelas com as carnes e vegetais do cozido à portuguesa, e as Furnas deixaram de ser o único local propício para o efeito. As fumarolas (orifícios naturais no solo de onde saem colunas de vapor com cheiro a enxofre) são outra das imagens de marca da ilha.

(Fotografia de Paulo Spranger/GI)

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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