Passear no Centro do país, seguindo a rota do queijo de origem protegida

Queijaria Prado da Sicó. (Fotografia de Maria João Gala/GI)
Há uma nova rota turística e gastronómica a atravessar o centro de Portugal. O pretexto é o queijo DOP, que nos guia num passeio entre serras, pontuado pela herança do burel, árvores de fruto e a beleza da paisagem.

As mãos de Fátima sabem de cor a textura da coalhada, a consistência do leite, o segredo para criar um verdadeiro queijo do Rabaçal: três partes de ovelha, uma de cabra. Da receita fará parte também o amor à terra, no coração da serra de Sicó. Aos 51 anos, já deixou vincada a sua marca muito para além dos três filhos e dos 50 trabalhadores que a acompanham na queijaria PRADO DA SICÓ.

Ali, em Santiago da Guarda, concelho de Ansião, o interior português mostra-se no que tem de melhor: paisagem, história, gastronomia. E Fátima Carvalho juntou todos os ingredientes num espaço só, adicionando ainda os (outros) produtos endógenos da região: mel e azeite à cabeça, mais alguns derivados. Não é por acaso que a sua queijaria integra hoje o lote de quadro produtores do queijo DOP (Denominação de Origem Protegida) da região do Rabaçal, uma das três que integra a nova rota do queijo do Centro. Tal como na Beira Baixa e na Serra da Estrela, são as pastagens que fazem sempre a diferença. E esta, que será a menos conhecida de todas, traz consigo um segredo bem guardado há séculos: a erva de Santa Maria, que cresce nos montes, à sombra da maior mancha de carvalho cerquinho da Europa. Perto da imensidão de olival galego. E daqui nasce o queijo, feito com a mesma mestria dos outros, mas com diferente sabor.

Desde os tempos em que trabalhava sozinha e estes em que se tornou uma das empresárias mais respeitadas da região passaram 30 anos. Fátima mudou-se da Ramalharia para Santiago da Guarda quando a cooperativa de produtores encerrou as portas daquele espaço, onde hoje funciona o Prado da Sicó. Em 2019, deu mais um passo nesse caminho de expansão, e juntou à queijaria um espaço de cafetaria e loja. É ali que vende diretamente ao público os seus queijos e requeijões, mas também serve refeições. Não raras vezes faz subir um painel que decora a loja e então permite aos visitantes que observem, à distância de um vidro, o fabrico do queijo. Um deleite.

A aldeia resguardada por um sobreiral

Entre Santiago da Guarda e a FERRARIA DE SÃO JOÃO distam à volta de 25 km. Por ali entrecruzam-se pelo menos três concelhos: Ansião, Figueiró dos Vinhos e Penela, na mesma serra de Sicó. A aldeia ficou falada nos incêndios de 2017, quando escapou às chamas graças à cerca natural dos sobreiros, que serviram de barreira ao fogo. “Naquela noite de 17 de junho percebeu-se a importância dos sobreiros”, conta Pedro Pedrosa, um dos 40 moradores da aldeia, e proprietário do Vale do Ninho Nature Houses, um dos dois alojamentos locais que tornaram a aldeia uma das mais procuradas no interior centro. Fala à Evasões no caminho entre a Associação de Moradores e os currais onde Fátima Graça guarda as cinco cabras que lhe rendem o leite necessário para o (outro) queijo que se faz por ali, sem mistura. É uma mestria que divide com mais duas mulheres da aldeia. Quando chegar o inverno e a produção de leite aumentar, haverá workshops de queijo (e pão cozido no forno comunitário), como todos os anos. Por agora, ficam-se pelas visitas à aldeia, guiadas por Luís Fernandes e Filipa Diogo, da Geonatour.

O caminho entre a Ferraria e Penela abre o apetite para o tanto que se pode saborear a partir da cozinha de D. Minda, no restaurante D. SESNANDO. No centro da vila, a encosta do castelo guarda esta relíquia da gastronomia que também integra a rota turística e gastronómica dos queijos de Portugal. Ali, a viagem começa com queijo gratinado com mel e nozes, e é um desafio guardar-se para o que virá: chanfana ou cabrito assado em forno de lenha, mais o rol de sobremesas encabeçado pelo cheesecake (com requeijão do Rabaçal), a mousse de noz ou o leite creme. Tudo acompanhado com vinhos da região, que o proprietário Carlos Zuzarte vai trazendo à mesa. A visita a Penela impõe a subida ao castelo, para lhe conhecer a história e observar a beleza da transição entre o litoral e o interior. Mediante marcação, a Câmara Municipal disponibiliza uma visita guiada. E com sorte, é feita por Mário Duarte, o responsável pela divisão de Cultura, enciclopédia viva da terra.

Da Beira Baixa à Estrela

Mãos frias, leite, sal e cardo. Parece simples a receita ancestral que milhares de mulheres empregam desde sempre pela vasta região do Centro de Portugal. No MUSEU DO QUEIJO, em Peraboa (Covilhã) está plasmada toda a história desta iguaria que terá chegado a Portugal pela mão dos romanos, e antes deles aos egípcios e gregos.

Paula Morais, no Museu do Queijo. (Fotografia de Maria João Gala/GI)

Paula Morais guia os visitantes numa longa viagem temporal que atravessa as quatro rotas da transumância, uma aula de história que encanta, com episódios peculiares. Como o que dá conta de quando D. Dinis mandou construir a primeira queijaria em Celorico da Beira, do queijo se a partir de ali se comercializa há 736 anos. Na pequena aldeia de Peraboa ainda laboram duas queijarias. “Quando está curado, o queijo é rico em cálcio, zinco, e baixo em sódio”, conta Paula Morais, desmistificando assim a ideia do alimento calórico. Quando chegarmos a Castelo Branco, ao restaurante CABRA PRETA, haveremos de o provar sozinho ou embutido nos pratos, sob as mais diversas formas e combinações. A mais surpreendente será com polvo assado. É ali que encontramos Paula Fazenda e Gisele Domingues, da Inov Cluster, responsável pela elaboração desta nova rota do queijo no centro do país, integrada por 46 parceiros e distribuída por nove percursos diferentes. Lançada em junho, só a partir deste outono será divulgada em massa. Faz sentido, já que é entre outubro e novembro que se assiste a uma maior produção de queijo, sobretudo na região da serra da Estrela, onde se concentra ainda o maior número de queijarias.

Aurélio Pinto e Leandra Ricardo, da Quinta da Estaca. (Fotografia de Maria João Gala/GI)

Uma delas é a da QUINTA DA ESTACA, em Vilar Seco, concelho de Nelas (Viseu). Seguimos pelo caminho de terra batida à boleia de Aurélio Pinto, que o país inteiro conheceu no programa televisivo “Quem quer casar com o Agricultor”. Foi lá que conheceu Leandra Ricardo, a atual companheira. Em pouco tempo chegamos ao campo onde cerca de 200 ovelhas oscilam os dias entre os currais e as pastagens. Todas da raça bordaleira, fazem as delícias dos visitantes, “na sua maioria estrangeiros”, confirma Aurélio. Encantam-se com os chocalhos – património material da UNESCO -, provam o queijo (que podem fazer, num workshop), mas também os enchidos e as compotas.

Na companhia dos figos

Na aldeia de Linhares da Beira moram pouco mais de 200 pessoas, mas a fama do restaurante COVA DA LOBA contribui bastante para trazer turistas, que acabam sempre por deambular pelas ruas do lugar. Paulo Mimoso inaugurou o restaurante há 13 anos, e desde então aprimorou a cozinha, desde as entradas à sobremesa. É tempo dos figos e por isso fá-los acompanhar de queijo da serra em duas texturas: mole e curado, antecedendo um lombinho de novilho com creme de queijo, também. Junta-lhe um chardonay da beira interior, e depois surpreende com a sobremesas: um folhado de requeijão com doce de abóbora. O restaurante respira uma coleção de vinhos que percorrem todas as regiões. Cá fora, uma esplanada convida a admirar o castelo medieval, situado num monte, a 809 metros de altitude, nos contrafortes da Serra da Estrela.

Percorrer as estradas que ligam a região é um exercício de memória do incêndio que devastou o parque natural por muitos hectares. Mas a beleza do outono em tons castanhos esverdeados disfarça o queimado ainda presente.

Burel, mel e nozes

Chegamos de caminho a Manteigas, onde se anuncia a beleza do Vale Glaciar. Mas há outros registos com muito de belo, como é o caso das fábricas de burel. Qualquer uma delas está aberta a visitas, seja a BUREL FACTORY ou a vizinha Ecolã, onde há sempre quem conte a história rica dos tempos áureos do têxtil, ou como um tecido áspero e tosco (além de impermeável, muito resistente, e por isso outrora usado pelos pastores nos capotes) se tornou de eleição, com nova “roupagem”, até para a decoração. É disso exemplo a sala de jantar da CASA DE SÃO LOURENÇO – BUREL PANORAMA HOTEL, a antiga pousada que os lisboetas João Tomás e Isabel Costa transformaram completamente.

Casa de São Lourenço – Burel Panorama Hotel (Fotografia de Maria João Gala/GI)

O restaurante, aberto ao público em geral, deslumbra pelo teto, pleno de múltiplas flores em burel. A beleza condiz com a experiência gastronómica que o Chef Manuel Figueira oferece por ali. Começamos pelo estaladiço de figo com queijo da Serra da Estrela DOP, nozes e mel regional. Natural de Tondela, o cozinheiro conhece bem os produtos da terra, e tem reinventado a sua confeção. É o caso da feijoca de Manteigas com bacalhau de cura tradicional, ervas frescas e arroz frito com piso de coentros. A fechar, tarte de pêssego caramelizada com mousse de lima.

Mas à medida que o outono avança é provável que a ementa se altere, também ao nível das sobremesas, numa região abastada em fruta diversa. Também é certo que ali se irá privilegiar o acompanhamento com puré de castanha e cogumelos. Estranhamente, Manuel constata que “há muita gente da que não gosta do queijo da serra”. É por isso que o apresenta, não raras vezes, em combinações improváveis, que põem à prova certezas e sentidos. Como quando o envolve em batata e pimentos, o que “transporta muito bem o sabor”.

Quando a noite flutua (a lembrar um velho êxito de Maria Fernanda Soares, evocando as giestas) e se anunciam os agasalhos, acende-se no centro da Casa a lareira. Dali, separados pelas enormes vidraças, saboreamos a Serra. Lá em baixo a vila acende-se, em milhares de pequenas luzes. Ainda escorre cá dentro o sabor do queijo.

Da fábrica ao Hotel Na ancestral Fábrica da Ecolã descansa-se agora com a Estrela ao Fundo”. A frase promocional do HOTEL DA FÁBRICA deixa adivinhar um património (i)material vasto. Até 2012 (e desde 1925) funcionava ali uma indústria, e desse tempo ficaram retalhos de história, por todo o edifício. Nos 18 quartos e nas duas suítes há apontamentos de burel. Ao pequeno-almoço há sempre queijo da Serra para saborear, em diversas texturas.

Quem ali fica é convidado a conhecer o ciclo da lã, e não raras vezes aparece por perto o rebanho de bordaleiras, detido pela gerência deste complexo, que o empresário João Claro conseguiu criar na boca do Vale Glaciar de Manteigas, há cinco anos. O Hotel oferece várias experiências na serra, ao longo de todo o ano. Talvez a mais insusitada sejam as caminhadas “sobre um tapete de folhas de faia, que é lindíssimo”, conta à Evasões o responsável pelo espaço, Bruno Carvalho.

Criatividade com nome e marca Quando em 2002 Francisco Afonso fechou a porta da fábrica onde trabalhou toda a vida, tal como a maior parte da sua família, a Covilhã julgava (e ele também) que se encerrava mais um capítulo da história do têxtil. Ledo engano. “Se os filhos de Adão pecaram, os da Covilhã sempre cardaram”, diz-se por ali. Alguns acrescentam a arte e o engenho de reinventar a história, o tempo e o modo. Foi o que aconteceu ali, a partir de 2018, com a criação do NEW HAND LAB.

É ali que um coletivo de artistas cria e expõe, usando muitas vezes a matéria prima (fios, lã e tecidos) que descansava na fábrica. Nos diversos pisos há espaço para exposições diversas, enquanto trabalham em permanência cinco criadores. Miguel Gigante, Ana Paulo Almeida, Jorge Santos Luiz ou Luís Mouro são alguns dos nomes que se destacam neste laboratório de criatividade. O espaço recebe também eventos e conta com uma agenda cultural própria.

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Morada
Peraboa, Covilhã
Telefone
275471172
Horário
Aberto de terça a domingo, das 10h30 às 12h30 e das 14h30 às 17h30. Encerra à segunda-feira


GPS
Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
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Morada
Amieiros Verdes, Manteigas
Telefone
913285370
Horário
Visitas de segunda a sexta, às 11h00 e às 16h00, sábados às 11h00


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Morada
Serra da Lousã


GPS
Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
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Morada
Rua Mateus Fernandes - Travessa do Ranito, Covilhã
Telefone
962697493
Horário
Aberto de segunda a sábado, das 14h30 às 18h00.


GPS
Latitude : 39.3999
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Morada
Escadas da Praça da República, Penela
Telefone
239561207
Horário
Encerra à segunda-feira


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Longitude : -8.2245
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Morada
Rua de Santa Maria, 13, Castelo Branco
Telefone
272030303
Horário
Encerra ao domingo à noite e à segunda-feira todo o dia.


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Morada
Linhares da Beira
Telefone
271776119
Horário
Aberto todos os dias, almoço e jantar.


GPS
Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
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Morada
Quinta de Santa Clara - EN232, Manteigas
Telefone
275982420


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Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
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Morada
Santiago da Guarda, Ansião
Telefone
913221417
Horário
Aberto de segunda a sábado, das 9h00 às 20h00. Encerra ao domingo.


GPS
Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
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Morada
Rua das Bocas, 28, Vilar Seco
Telefone
934095808
Horário
Visitas por marcação.


GPS
Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
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Morada
Estrada Nacional 232, km 49,3, Campo Romão, Manteigas
Horário
Restaurante: das 13h às 15h e das 20h às 22h.


GPS
Latitude : 40.4184214
Longitude : -7.539972499999999
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