Passear de autocaravana em tempo de pandemia: dia 4 entre rosmaninhos e burros de Miranda

No quarto e último dia da viagem em família de autocaravana, seguimos pelas estradas infinitas do planalto mirandês, para nos perdermos de amores pelos burrinhos mirandeses e conhecermos um miradouro arrebatador.

UM CASTELO E UMA TASCA

Tivemos um primeiro dia e um segundo dia de viagem no Parque Nacional da Peneda-Gerês e ainda um terceiro nas bordas do Montesinho. O último dia de viagem previa outra ambiciosa esticada de 80 km até Miranda do Douro, com adultos e crianças já algo moídos, porém deixamos essa preocupação para depois do almoço. De manhã, tínhamos um bonito castelo para visitar e eu jurei que não saía de Bragança sem experimentar a Tasca do Zé Tuga, na cidadela. O meu filho apreciou bastante poder dar umas boas corridas no largo do castelo de Bragança e se pouco falei dele foi porque se portou admiravelmente. Foi bom ver como se adaptou a passar tantas horas na estrada, com a paisagem a absorver-lhe a atenção de tal maneira que resistia a fechar os olhos para dormir as sestas.

Depois da pena que sentimos ao ver o Ecomuseu de Barroso encerrado, em Montalegre (lá voltaremos!), foi com muita satisfação que encontramos o Museu Militar de Bragança aberto. Esta será sempre, para mim, uma das mais aliciantes cidades para visitar e nunca me esqueci da reportagem que fiz, há uns anos, sobre a sua “rua dos museus”. Desta vez, porém, ficamo-nos por este museu, que também já conhecia e que, maternidade oblige, desta vez não pude revisitar – a memória das valiosíssimas peças que lá vira, algumas datadas do século XII, impediu-me de escalar a escadaria de pedra e enfiar naquela torre cheia de tesouros o meu imprevisível rapaz de dois anos.

O castelo de Bragança. (Fotografias: DR)

Os Betula Studios, em Lagomar, junto a Bragança.

Deixei o pai e a irmã fazerem a visita, para eles uma novidade, e fiquei com o menino cá fora, a passear entre muralhas e a sentir o incómodo de ter sempre – ali era obrigatório – a máscara colocada. Felizmente, nessa altura, o meu filho já deixara de nos arrancar a máscara sempre que podia e consegui manter a compostura. Estava um dia de farto calor e a frescura do interior das muralhas soube-me bem, depois do desfile de petiscos na esplanada da Tasca do Zé Tuga, que fica mesmo em frente. Passei a quarentena a apreciar o vigor comunicativo do chef Luís Portugal nas redes sociais, onde divulgou receitas e falou sobre produtos, e pude finalmente conhecê-lo em pessoa. A minha filha não conseguia largar as tacinhas de torresmos, eu adorei as sardinhas à castelo e mal consegui acabar o javali no pote. Bragança quase acabou connosco… de prazer à mesa.

Petiscos na Tasca Zé Tuga.

 

O CAMINHO DE PERFUME

A viagem para Miranda do Douro passava por uma estrada nacional onde pudemos ver outros territórios dos quais apenas ouvimos falar. O nosso percurso foi prazeroso principalmente pela beleza dos caminhos, sendo certo que poderíamos ter feito muito mais coisas noutras circunstâncias (como fora de uma pandemia que nos fechou muitas portas) e com mais tempo em cada lugar (que nos daria oportunidade para percorrer trilhos, tomar banhos de rio, ver mais património e ter conversas mais longas). Sendo este passeio condicionado por isso, e por ser, na verdade, o meu pretexto de reportagem, fizemos o que podíamos.

Os campos de rosmaninho, a caminho de Miranda do Douro.

Os rosmaninhos apanharam-me nesta reflexão, a dar graças por tudo estar a correr bem, e com as crianças a dormir mais uma sesta. Foi assim que estacionamos a autocaravana e eu fiz coisas tão pueris como deitar-me entre rosmaninhos roxíssimos e tão aromáticos que só queria levá-los todos para casa. Nunca vira rosmaninhos assim – e voltei a desejar voltar para os braços deles. É fascinante observar as encostas carregadas dele, com as suas cabeleiras roxas a ondular ao vento. Suponho que os lugares lindos o seja todo o ano, mas galgar o Norte na primavera deu-nos esta festa de rosmaninhos, maias, papoilas e cerejeiras em fruto que se misturam na minha cabeça como um quadro animado.

 

AMOR PELOS BURROS

Foram duas horas muito cansativas, debaixo de um calor sufocante, pelas estradas infinitas do planalto mirandês até chegarmos à aldeia de Atenor, onde fica o Centro de Valorização do Burro de Miranda, um dos três lugares onde a Associação para o Estudo e Proteção do Gado Asinino (AEPGA) leva a cabo a sua missão de conservação do burro de Miranda e garantir o bem-estar dos animais – tanto dos que ficam a seu cargo no seu espaço, como aqueles que nascem nas aldeias do planalto ou são adotados. Todo esse cansaço e calor se desfizeram em segundos no pó da alegria imensa da minha filha mais velha a acariciar burros e depois, com a ajuda da Cláudia, que nos guiou a visita, a alimentá-los e conhecê-los um por um.

Na aldeia de Atenor fica o Centro de Valorização do Burro de Miranda.

Objetivo do espaço é conservar e garantir o bem-estar dos burros de Miranda.

Naquelas instalações da aldeia de Atenor, vivem 60 burros e na corriça (a maternidade/infantário) encontramos as mães e os mais novos, como o lãzudo Quebra Nozes e o miudinho Quartzo – começam por Q os nomes dos nascidos em 2020. Na visita, ficamos a saber muito sobre esta raça de burros, mais escuros e felpudos que os outros, do trabalho de preservar a espécie e de como podem ser apadrinhados ou, mais difícil, adotados. Por muito que nos apetecesse levar um para casa, ficamos a saber que o nosso quintal grande não chega – é preciso ter pelo menos meio hectare de terreno disponível, entre outras condições. E que a equipa da AEPGA faz visitas regulares aos burricos e aos seus novos donos. A visita guiada feita à minha família teve caráter excecional por causa da reportagem da Evasões, uma vez que o Centro está ainda fechado a visitas. De acordo com um comunicado divulgado recentemente na página de facebook da AEPGA, está a ser elaborado um plano de contingência relativo ao surto de covid-19 e não há ainda uma data para reabertura dos centros ao público – mas quando houver, será anunciada.

Nesta altura, há muito desistira de terminar o roteiro em Freixo de Espada-à-Cinta e pernoitar na praia fluvial da Congida (onde estive há uns anos em reportagem), mas queria muito que a minha família conhecesse este lado bravio do rio Douro, que nos é tão familiar no seu estuário e na sua foz. O calor e o cansaço fizeram-nos parar numa antiga escola primária, transformada em Associação Cultural e Recreativa de Atenor. O bom ambiente, a conversa boa com os locais que ali domingavam, o recreio onde os meus filhos correram e brincaram à solta, as tostas gigantes e os pratinhos de queijo e presunto que o David nos trouxe fizeram-nos ali ficar até à frescura do entardecer.

Passeio pela aldeia de Picote.

O miradouro da Fraga do Puio.

Transpirados, cheios de pó e aroma de burro, porém revigorados pelo lanche, demos um ultimo esticão até à fronteira natural com Espanha – não íamos sair dali sem ver dizer olá ao Douro. E assim levamos a autocaravana até à aldeia do Picote – lindíssima no seu tom dourado do pôr-do-sol – e seguimos por um caminho de plantas silvestres até ao miradouro da Fraga do Puio, que nos arrebatou. Não pesquisara nada sobre este lugar e não associara a ele a imagem do bico de vidro com ar espacial que serve de miradouro. Quase desmaiei de vertigens quando a minha filha correu para lá e se deleitou com a vista do rio Douro escavando entre montanhas. Se não tivesse vertigens, podia ter feito o mesmo – estava ali finalmente o promontório perfeito para tomar o meu café de nómada.

Com uma paragem para comer (o clássico arroz com salsichas de campista que as crianças adoraram), decidimos voltar a casa nessa mesma noite. Seguimos com vagar e prudência pela estrada e decidimos parar para dormir em Vila Real, pelo que chegamos a casa num belo amanhecer, às sete da manhã, cheios de pó e amor pelos burros – e revigoradamente apaixonados pelo nosso Portugal.

 

Museu Militar
Torre de Menagem, Castelo de Bragança
Terça a domingo, das 9h às 12h e das 14h às 17h
Entrada: 3 euros (grátis até aos 12 anos)

Tasca do Zé Tuga
Rua da Igreja, 66, Bragança
Tel: 273381358
Todos os dias, das 10h às 24h
Preço médio: 30 euros

Centro de Valorização do Burro de Miranda
Aldeia de Atenor, Miranda do Douro
Tel: 273739307/925790394
Visitas por marcação (ainda encerradas, com abertura a anunciar) terça a domingo, às 10h, 15h e 17h.
Entrada: 3 euros, gratuita para crianças até 6 anos, sócios e madrinhas/padrinhos dos burros de Miranda.




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