Passear de autocaravana em tempo de pandemia: dia 2 entre o Gerês e a Peneda

Passear de autocaravana em tempo de pandemia: dia 2 entre o Gerês e a Peneda
Parque Natural da Peneda-Gerês- (Fotografia: DR)
No segundo dia da aventura em família a bordo da autocaravana, ficamos sem água e batemos com o nariz na fronteira fechada. Mas continuamos a regalar-nos pelas estradas do Parque Natural da Peneda-Gerês.

PAIXÃO PELA VIDA SERRANA

Depois de um primeiro dia de viagem de família em autocaravana, começamos este segundo dia com uma visita ao Parque de Lazer Porta do Mezio, que estava aberto desde 18 de maio, embora a funcionar com as restrições impostas pela covid-19 – uso de máscara e algumas valências, como a piscina, ainda encerradas. É um lugar dedicado à biodiversidade onde apetece mesmo passar um dia em família e são muitas as que o fazem. Pode-se circular entre a piscina (por agora, encerrada), o espaço exterior de três hectares com circuitos (arborismo, slide e escalada), uma inverneira (aldeia tradicional) em miniatura, um museu etnográfico e um observatório de avifauna e a zona de exposições sobre o Parque Nacional da Peneda-Gerês, do qual o Mezio é uma das cinco portas.

A Associação Regional de Desenvolvimento do Alto Lima (Ardal), gestora do parque, tem ali investido recursos e ideias, destacando-se um projeto muito sedutor – o Centro Gastronómico onde se pode conhecer, aprender a cozinhar e provar produtos locais como as carnes (vaca cachena, porco bísaro e cabrito da serra e os enchidos), o feijão terrestre, a broa de milho, mel, azeitonas e azeite. No restaurante, onde se pode petiscar em família ou em grupos (mediante reserva), com menus que vão dos petiscos até um banquete serrano, procurou-se recriar um ambiente tradicional, com o braseiro à vista e é o coordenador deste projeto, Joaquim Dantas, quem cozinha e sabe indicar a origem de todos os produtos. Ali, não há descartáveis e até o café chega em embalagens que voltam a ser enchidas na unidade de moagem instalada no concelho.

Segue o roteiro pelo Parque Natural da Peneda-Gerês. (Fotografias: DR)

A vista desafogada do Miradouro do Tibo.

“A nossa intenção é preservar a biodiversidade, dá-la a conhecer e com isso manter o modo de vida dos seus produtores. Queremos manter a viver e a trabalhar na serra estes lavradores que cultivam, fazem o vinho e o mel”, afirmou Joaquim Dantas. Com a promessa de voltar, e de nos demorarmos no restaurante e naquele parque onde as crianças muito brincaram, seguimos caminho para Castro Laboreiro, a próxima paragem no percurso que definira.

 

PERDIDOS NOS ENCANTOS DA SERRA

Estivera há uns bons anos em Castro Laboreiro, já em Melgaço, onde fiz uma reportagem sobre a Rota do Lobo. Depois disso, só li nos livros as histórias das viúvas dos vivos e do contrabando, mas o grande interesse do meu marido pela região – e a nossa intenção de, um dia, adoptar um cão da raça local – levou-me a passar por lá. Seguimos por Lamas de Mouro, lugar sereno e de um verde tão vivo que nos parecia engolir, tornado mágico pela neblina, onde paramos para abastecer combustível, tomar café, carregar o telemóvel na bomba de gasolina… e comprar, finalmente, um recurso que me parecia urgente face às desilusões com o GPS – um mapa em papel.

Vamos detalhar cada parte. Tomar um café tirado da máquina, depois de dois meses de café caseiro, ainda estava a ser um prazer revigorante, assim como conversar com as pessoas em cada paragem. E já tínhamos passado tempo suficiente na autocaravana (não carregada de eletricidade) para perceber que ligar um carregador à ficha e usar uma casa de banho normal tinham sabor de privilégios. O mapa acabou por não impedir novas peripécias com o caminho, mas serviu para outro bem maior: a minha filha passou o resto da viagem com ele na mão, a localizar-nos a cada passo, a procurar caminhos e a avaliar distâncias – para ela, aprender a consultar um mapa foi uma descoberta a valer. Com isso, o telemóvel que a escassez de rede tornara quase inútil, foi definitivamente encostado e passou a liderar o papel – o mapa e o diário de viagem que escrevia sofregamente.

O Santuário da Nossa Senhora da Peneda.

E a vista panorâmica à subida da sua escadaria.

Nessa altura, a minha menina já tinha muito que contar. Além de cerca de 60 km numa dança de curvas e contracurvas pelas magníficas estradas onde o Gerês se desdobra na Peneda – com essa transformação da paisagem a tornar-se cada vez mais evidente – tínhamos as duas escalado o escadório das virtudes do Santuário da Nossa Senhora da Peneda e parado num dos mais interessantes miradouros onde já estive. Foram 300 metros e 20 capelas sempre a subir, até chegar àquela igreja com ar de rocha, com seu inconfundível horizonte de fragas. Um pedaço antes, já a tínhamos visto, muito ao longe, do Miradouro de Tibo, na Gavieira, que nos surgiu numa curva da estrada.

Não foi uma curva qualquer – se bem que nenhuma curva da Peneda-Gerês se poderá classificar como “qualquer”… -, porque nela se via claramente a passagem do vigoroso verde para a rocha agreste e queríamos parar para fotografar. Eis-nos então nessa varanda a 800 metros de altitude, com o rio Veiga a serpentear azulíssimo lá no fundo e um quadro diante de nós que me causou uma grande comoção. Dali, conforme nos instrui a placa no local, avistam-se onze aldeias, lugares e pontos serranos. Entre eles, está o santuário da Senhora da Peneda, que se avista entre cotovelos de montanhas, a aldeia de Tibo e da Junqueira e ainda a fraga das Pastorinhas.

Diante daquela vista, com os meus filhos a aprenderem como somos afortunados por viver nesta terra, velozes pensamentos me ocorreram, como uma súbita oração: passamos demasiado tempo absorvidos por causas fúteis, ideias feitas, consumidos com matérias acessórias sobre o nosso país. Quando o que importa é isto que ali víamos: uma paisagem imensa, tocante, habitada por com pessoas disponíveis para manter viva aquela beleza agreste.
Esta erupção de amor e gratidão pelo meu País, e uma vontade de me dedicar muito mais a preservá-lo, ocorreu-me ali e várias vezes ao longo destes quatro dias de viagem. Não foi, por isso, difícil manter o bom humor face às adversidades, como as noites mal dormidas e o caos na caravana e mais um contratempo, já a seguir.

 

FRONTEIRA FECHADA

Visitamos Castro Laboreiro com grande lucro: esticamos as pernas, demos um pequeno passeio pela aldeia e arredores, cruzamo-nos com algumas pessoas, com as tropelias do nosso rapaz vivaço a servir sempre como desbloqueador de conversa, e fomos à mercearia e à padaria. Nesta altura, estava já claro que o pequeno frigorífico, desligado durante a noite, serviria apenas para manter água e fruta frescas, e fizemos mais pequenas compras como esta.

O passeio pela aldeia de Castro Laboreiro.

Foi no final da manhã que comecei a relaxar totalmente: cozi rapidamente massa para o bebé no fogão de campismo, o que me deitou por terra as ilusões de cozinhar muito mais vezes na caravana. Há modelos mais completos, mas a nossa viatura não tinha fogão embutido, antes um pequeno fogão a gás, que precisava de um ritual para começar a funcionar – abrir a caixa, tirar a lata de gás, encaixar a lata de gás… Numa próxima viagem de autocaravana, o fogão não será um pormenor para mim (consulte os nossos conselhos para quem quer viajar de autocaravana).

Mesmo assim, foi um almoço feliz em modo piquenique, depois de um banho num riacho. Estávamos confiantes num jantar em Montalegre, para onde seguiríamos através de Espanha – um pulo de estrada bem conhecido dos raianos e dos guias de viagem… e que surge como primeira opção no GPS. Cilada da imprevidência: apesar da máscara e desinfetante sempre à mão, esta roteirista que vos escreve esquecera-se que a situação de estado de calamidade mantinha fechada a fronteira com Espanha. Foi durante uma manobra de marcha atrás numa aldeia para onde esse maldito GPS de enganadora voz amável nos enviara que uma padeira da padaria A Castrejinha (onde tínhamos comprado, assinale-se, uma deliciosa baguete rústica) que ali entregava pão nos informou que a única solução era voltar atrás… para os Arcos de Valdevez (quase 60 km pela serra) e dali para Montalegre (172 km, 2h30 de viagem).

 

COM UMA AJUDA DOS BOMBEIROS

O nosso pico de felicidade nómada somado à inevitabilidade do pragmatismo que nos restava – o que não tem remédio, remediado está – fez-nos encarar bem a situação. Depois de lavar a louça do lanche, ficamos sem água na caravana, por isso teríamos mesmo que parar para abastecer e dormir. Voltamos, então pelos belos caminhos da serra (que nos levaram a nunca maldizer totalmente estes percalços), aos Arcos de Valdevez. E no lugar onde começara o nosso alegre desconfinamento, procuramos um lugar para jantar e uma mangueira que nos enchesse o depósito da água. Com a viatura estacionada junto à praia fluvial, encontramos ambos a dois passos.

Pelas curvas da Serra da Peneda.

O jantar foi no restaurante O Braseiro, onde apesar das especialidades locais, nos ficamos nessa noite por um bem crocante frango de churrasco, sopas retemperadoras e sobremesas (porque as merecíamos!) – e onde a simpatia do atendimento amenizou todo o ritual anti-covid-19 (máscara, esfregar as mãos, passar ao largo dos outros, voltar a esfregar as mãos…). E os 150 litros de preciosa água vieram da generosidade dos Bombeiros Voluntários dos Arcos de Valdevez, que prontamente nos ajudaram. Só no final, agradeci – e volto a agradecer agora – em nome da Evasões. Optamos pela autoestrada para galgar a estrada até Montalegre (pela A3 e A11, que nos fizeram passar a meia hora de casa…) porque eu decidira cumprir o resto do roteiro, sem o qual a reportagem não faria sentido. E assim, com crianças adormecidas no banco de trás, chegamos a Montalegre já de madrugada, onde pernoitamos na caravana.

 

FICHAS
Parque de Lazer Porta do Mezio
Mezio, Arcos de Valdevez
Tel: 258510100
Web: portadomezio.pt
Todos os dias, das 9h30 às 13h e das 14h às 18h (não fecha na hora de almoço ao fim de semana)
Entrada: 2 euros (grátis até aos 6 anos)

Restaurante Porta do Mezio
Tel: 258510100
Abre por marcação
Menus, preços sem bebidas: Petiscos (7,5 euros), Slow Food (12,5 euros), Degustar (20 euros)

Santuário da Nossa Senhora da Peneda
Gavieira, Arcos de Valdevez
41,927942577, -8,237646596

A Castrejinha
Ponta da Estrada, Castro Laboreiro
Tel: 251466012
Todos os dias, das 7h às 19h

Restaurante O Braseiro
Rua Soares Pereira, 229
Arcos de Valdevez
Tel: 258521506
Das 12h00 às 15h e das 18h30 às 21h. Takeaway das 9h às 21h. Encerra à quinta-feira
Preço médio: 12 euros




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend