Barcelos: Um roteiro pela cidade além do galo

Um roteiro alternativo por Barcelos. (Fotografia: Paulo Jorge Magalhães/GI)
O artesanato e a arte popular deram-lhe a entrada na rede de cidades criativas da UNESCO, mas não só nesses campos se vê engenho. Na cidade do Cávado, a criatividade chega mais longe, entre mesas inventivas, sobremesas inéditas e um palacete renascido, por caminhos que não sendo os do galo vão-se cruzando naturalmente com ele. Este roteiro alternativo vai à procura de outras artes e ofícios que também embelezam a cidade.

Jorge Falcão Bogas, mais conhecido por Jorginho, é possivelmente, a par do próprio galo que tantas vezes usa na sua indumentária, uma das figuras mais populares de Barcelos. O anfitrião carismático do restaurante Turismo trabalha a arte de bem receber com uma energia contagiante, que ali atrai comensais de todo o país. E não se poderia pedir melhor enquadramento a um restaurante que é, de certo modo, um cartão-de-visita da cidade. Está debruçado sobre o sereno rio Cávado, que convida a banhos ou passeios no areal, e ao lado, erguem-se as ruínas do Paço dos Condes de Barcelos, um miradouro sobre Barcelinhos e a ponte medieval que liga as duas margens.

 

Jorginho é apenas um dos pilares do trio que deu vida a essa instituição: Carlitos, antigo jogador de futebol, e o chef Miguel Morgado, que podia ter seguido o sacerdócio, mas acabou por se apaixonar pela jaleca aos 15 anos, também são responsáveis por este restaurante “diferente dos outros”, que resolveram abrir em 2011. Foi uma aventura arriscada mas que acabou por se revelar um sucesso. O segredo? “Somos genuínos. Estamos na nossa praia a fazer o que gostamos e orgulhamo-nos de sermos sempre constantes e de termos qualidade acima de tudo”, realça Jorginho.

 

A consistência a que já habituaram os clientes torna difícil fazer qualquer alteração à carta, mas o chef persiste, mantendo alguns clássicos, como a perna de polvo no forno com batata migada, ou o souflé de robalo, e dando asas à criatividade. Afinal, “ser cozinheiro não é fazer a mesma coisa a vida toda”, assume, e por isso, juntamente com a sua brigada da cozinha, continua a criar novos versos para o Jorginho declamar à mesa em jeito de trovador. Uma visita ao Turismo já não dispensa esse trâmite que abre o apetite para a cozinha de autor do chef Miguel, onde há lugar para reinvenções como o bacalhau fresco com crosta de pistácio, puré de grão e ar de coentros, ou o mil folhas de manga, presunto e mozarela. Sobressaem ainda as sobremesas, que mais parecem obras de arte, coloridas e engenhosas, como a falsa tangerina que acompanha o pudim Abade de Priscos, e que está na verdade recheada com compota de tangerina e mousse de citrinos.

 

Quem preferir ficar nas mãos do chef, tem na sala Refúgio o sítio ideal para se deixar surpreender. O espaço, aberto em 2017, só funciona ao jantar e com menus de degustação que o cliente só conhece quando os pratos chegam à mesa.

No campo das sobremesas que são um regalo de ver e de comer, encontramos, numa outra morada de referência na cidade, mesmo em frente ao belíssimo Jardim das Barrocas, um hambúrguer doce (pão de ló japonês, maracujá e coco) e um éclair que não é éclair (antes um bombom de chocolate recheado). Estas e muitas outras criações inusitadas saem da cabeça de Francisco Gomes, chef pasteleiro e responsável pela Colonial, a confeitaria mais antiga de Barcelos. Sempre esteve ligado ao negócio de família, mas ainda fez um desvio pelo caminho da Gestão até decidir dedicar-se por completo à pastelaria, aprendendo com os grandes nomes da arte.

“Comecei a fazer formações com o Pierre Hermé, Michel Willaume e na École Valrhoma, e fui-me habituando a trabalhar produtos e técnicas diferentes”, conta. Hoje, é ele próprio um nome pesado da pastelaria e nada do que faz cai na banalidade. Quis manter alguns doces tradicionais na Colonial, como as queijadinhas de Barcelos, mas tem sempre novas ideias a fervilhar. “Não sei de onde vem a criatividade. Todos os dias vou para casa com qualquer coisa na cabeça e de vez em quando dá-me uma epifania”, conta.

 

Dessas realizações nasceu o bolo das cruzes, que é um ícone das festas da cidade, um cheesecake em forma de bola de queijo, e até um bolo inspirado no Monte da Franqueira, umas das elevações do concelho, que abre uma belíssima vista panorâmica sobre a zona costeira de Esposende, principalmente ao pôr-do-sol.

 

Vista panorâmica do Monte da Franqueira (Fotografia: Paulo Jorge Magalhães/GI)

 

Também nos tem habituado a todos os anos esperar um bolo-rei inédito para o Natal. Começou pelo de rosas, e desde então já fez bolo-rei de dióspiro, ananás dos Açores e vinho do Porto, abóbora e nozes… O sabor deste ano já está escolhido, mas ainda é segredo. Uma coisa é certa: não haverá outro igual.

 

9 PRIMOS E UMA VINHA

Barcelos parece ser o berço de projetos inovadores. Afinal, foi aqui que nasceu, em 2016, a primeira plantação de quinoa do país, adequadamente batizada de Quinoa Portuguesa, que já conta com 15 hectares, e continua a crescer e a ganhar espaço nas cozinhas, padarias e mercearias especializadas de todo o país. Exemplo desse espírito empreendedor é também um projeto de família que aposta em castas fora do comum, para fazer vinhos também eles diferentes. Chama-se Vinha dos 9 e nasceu no vale do rio Neiva, mais concretamente na Quinta de Agrelo, em Cossourado, propriedade da família Rosas há mais de 300 anos.

 

Quem deu vida ao projeto foram os nove primos, netos dos proprietários, que quiseram recuperar e viabilizar a quinta. O vinho acabou por ser a solução mais lógica, já que a quinta sempre foi produtora. Sob orientação do enólogo António Rosas, um dos tios e também proprietário, plantaram em 2009 uma vinha de quatro hectares, apostando em castas pouco habituais na região do Minho. Optaram por Alvarinho, Chardonnay e Gewürztraminer, Syrah, Touriga Nacional e Pinot Noir, a partir das quais fazem um branco e um rosé muito expressivos. Além dos espumantes, que completam o portfólio da marca.

“A casta alemã confere muita identidade aos vinhos”, comenta Francisca, uma das primas, que empresta o nome à colheita de 2017 – todos os anos, o Vinha dos 9 branco adota o nome de um deles, num rótulo colorido, inspirado nas cores do artesanato da região. Ela, como os restantes primos, hoje com idades entre os 22 e os 30 anos, participam ativamente no projeto. “As pessoas acham piada sermos mesmo nós a fazer tudo, acham uma história engraçada. E nós temos orgulho, porque sabemos que estão a provar um bom produto”, remata a prima Catarina, e todos concordam.

 

PAREDES COM HISTÓRIAS (E FANTASMAS)

Galegos, a freguesia que mais artesãos tem no ativo é também a morada de um novo alojamento que lhes presta homenagem. Na Casa Lugar da Aldeia, Filipe Macedo e o irmão Rui, dedicaram uma das suítes ao artesanato local, decorada com peças produzidas pelos artesãos da aldeia – onde não falta o galo – e outras criadas pelo próprio Filipe.

O alojamento é composto por três suítes com entradas independentes e uma cozinha comum e sala de refeições construída por baixo do antigo espigueiro, e voltada para um jardim central com uma grande mesa em pedra. Ao lado há ainda uma horta de que os hóspedes se podem servir e uma casinha de pássaros que se anunciam já ao longe.

 

Ambos os edifícios têm ambientes luminosos e criativos, que escondem pormenores encantadores, como a antiga máquina de costura que serve de base a um lavatório, ou o bando de andorinhas recortadas na parede do quarto Minho, que parecem voar e fazer parte de um sonho. “A andorinha está muito associada à partida dos emigrantes e como o Minho é uma zona de emigrantes decidi utilizar essa referência”, explica Filipe.

O arquiteto de formação com gosto pela bricolage, começou a recuperar as ruínas da antiga quinta da família há três anos, desde início com a intenção de as transformar num alojamento. “Adoro receber pessoas de todos os lados”, confessa. “Mas não queria que fosse como um hotel, onde é tudo igual”. Vai daí, criou um espaço único, com uma decoração personalizada, moderna, mas cheia de simbolismos, que Filipe tem todo o gosto em desvendar, contando as histórias registadas nas paredes.

 

Histórias há também com fartura no antigo palacete de Barcelinhos, um edifício oitocentista que foi habitação da família de Francisco Sá Carneiro, e albergou o Liceu de Barcelos no final do século passado. Deixado ao abandono durante vários anos, teve direito a uma nova vida quando Sónia Carvalho decidiu que aquele palacete que admirava desde pequenina seria seu, corria o ano de 2010. “Foi um acaso. Sempre disse que achava esta casa muito bonita, e um dia passei por aqui e vi a placa a dizer «vende-se». Liguei logo a marcar uma visita”, conta. Nem o estado de degradação nem o rumor que corria na cidade de que a casa estaria assombrada pelo espírito do “Sá Carneiro Velho”, avô do antigo primeiro-ministro, a demoveu.

Sónia é decoradora, fundadora da empresa Dama de Paus, e o marido José Luís Vasconcelos é proprietário de uma empresa de restauro de edifícios, pelo que tomaram o projeto nas próprias mãos, desde sempre com a missão de devolver ao palacete o charme que lhe era devido, sem alterar a essência. Começaram por aproveitar parte do edifício para a organização de eventos – a Casa do Egipto – e, naturalmente, surgiu a ideia de juntar um restaurante ao projeto.

 

O Grande Palacete abriu no início de março, para logo ser obrigado a fechar devido à pandemia, mas já voltou em força, com a cozinha a cargo da filha do casal, Bárbara, e de Laura Corredera. A carta, de base tradicional, onde sobressai um irrepreensível arroz de tamboril e ainda o entrecôte de Black Angus que não desilude os amantes de carne, mostra influências de outras paragens, da Catalunha em particular – Laura é natural de Barcelona -, como se comprova com o pão com tomate que acompanha a tábua de presunto ibérico.

O Grande Palacete, Barcelinhos (Fotografia: Paulo Jorge Magalhães/GI)

 

Mas se conquista pelo prato, O Grande Palacete enamora logo à primeira vista pela decoração imaginativa de Sónia, que às três salas do restaurante deu uma personalidade própria, com paredes pintadas à mão e peças únicas, como o tapete persa estendido à entrada, que desde logo faz transportar para um ambiente palacial. O plano de Sónia era mesmo esse: “Queria devolver esta casa às pessoas. Queria que viessem cá e fizessem uma viagem no tempo”. Missão cumprida.

 

# Tapas criativas junto ao rio
O Galo Wine & Tapas abriu há dois anos na frente ribeirinha de Barcelinhos, com uma equipa jovem e inventiva, que desde então tem habituado os clientes a novidades todos os meses. Aos petiscos clássicos, como os ovos rotos, juntam-se propostas mais criativas, como as lulas em espuma de caipirinha ou o folhado de alheira com redução de maçã reineta e ovo de codorniz, e também pratos mais robustos, caso do cowboy maturado. Nas sobremesas, surpreende a leve e refrescante espuma de frutos vermelhos, numa base de iogurte natural e cereais crocantes, e ainda o cheesecake asiático, com redução de yuzu, que é também o ingrediente principal da nova sangria da casa. Em matéria de bebidas sugerem-se os cocktails de assinatura. Todos têm álcool mas podem ser pedidos sem a bebida alcóolica. Durante o confinamento, o Galo lançou o serviço de takeaway, que continua disponível, para quem quiser «tapear» em casa.

 

# Luciano e a fábrica de chocolate
Quando Luciano Costa, um empresário da área do têxtil e da imobiliária, se virou para os chocolates e fez renascer a centenária Avianense, sempre teve nos planos abrir um museu para contar a história daquela icónica empresa, fundada em Viana do Castelo. Hoje, a nova fábrica em Durrães alberga o Museu Avianense, onde os visitantes ficam a conhecer todo o processo de produção do chocolate através de imagens, vídeos e quadros interativos, e entram numa viagem pelo tempo através das embalagens dos produtos mais emblemáticos da marca, como a tablete de chocolate 10/R ou os bombons Imperador. No final, além da prova de chocolates, também é organizado um workshop (grupos a partir de 6 pessoas), para meter mãos à obra (melhor, ao chocolate).

 

# Na cozinha com o chef
No Quintal da Casa, o chef Hernâni Ermida, figura incontornável da gastronomia portuguesa, abre as portas de sua casa a quem procura passar uns tempos no sossego do campo, ou aprender com ele na cozinha. O cozinheiro natural de Resende e apaixonado pelo Minho adquiriu a propriedade há cinco anos e pouco depois transformou o antigo solar em alojamento de turismo rural, mantendo uma decoração tradicional. A casa tem uma suíte e dois quartos duplos com todas as comodidades, e é apetecível tanto no verão passado em mergulhos na piscina, almoços no alpendre e sestas à sombra no jardim, como no aconchego da lareira no inverno. Dispõe ainda de uma zona de churrasco, “com lenha para carne e outra para peixe”, informa Hernâni. E são aceites animais de estimação de pequeno porte.

Quintal da Casa (Fotografia: Miguel Pereira/GI)

 

O pão para o pequeno-almoço é pendurado à porta todas as manhãs, e os hóspedes podem usufruir da cozinha totalmente equipada. Ainda assim, a pedido, o chef também prepara refeições e organiza workshops de cozinha para quem quiser aprender alguns segredos. “Fazemos as refeições em conjunto e aprendem todas as receitas. O importante é termos bons produtos, produtos da época. É esse o segredo, se é que há segredos. Quanto a mim não há”. Diz quem sabe.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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