Vivi Cardinali: “Não existe uma lista de peças essenciais para toda a gente”

Vivi Cardinali, consultora de moda e estilo brasileira, entende o que faz sobretudo como um processo de autoconhecimento. Fotografia: Caio Braga/DR
Vivi Cardinali vendeu trufas, formou-se em Administração de Empresas, trabalhou em eventos e hoje é consultora de imagem e estilo. Tem uma visão muito desempoeirada sobre o assunto, que partilha online desde São Paulo, no Brasil.

Mora em São Paulo, no Brasil, mas o seu trabalho pula fronteiras. Vivi Cardinali, criadora do projeto Estilo com Propósito, tem clientes em toda a parte, um curso online e uma comunidade onde esclarece dúvidas e dá aulas ao vivo. A sua consultoria completa consiste num processo de acompanhamento que dura oito meses e tem mais a ver com autoconhecimento do que com moda, garante.

Esta entrevista, realizada por e-mail, teve como ponto de partida a arrumação do guarda-roupa na quarentena e as vantagens (ou não) de criar um armário cápsula, isto é, com um número limitado de artigos. E terminou com vários mitos derrubados – como o de que existe um conjunto de peças que todos temos de ter, sejam umas calças de ganga, uma camisa branca ou um vestido preto.

Fotografia: Caio Braga/DR

O seu percurso profissional é diversificado. Começou por vender trufas, aos 15 anos, fez o curso de Administração de Empresas, trabalhou em eventos, vendas… Imaginava virar consultora de imagem e estilo?

Não imaginava. Quando eu era mais nova uma das faculdades que considerei foi moda, porque gostava do tema em si, a minha avó foi costureira, então tive essa possibilidade em consideração, mas o meu pai, mais tradicional, insistiu para que eu procurasse algo que “garantisse um emprego”. Por isso, optei pela administração. Mesmo assim, nunca deixei de me interessar pelo tema moda. O que eu não imaginava é que consultoria de imagem e estilo pessoal tivesse mais a ver com pessoas do que com o processo da moda em si. No fim, não ter tirado moda na faculdade acabou sendo uma ótima escolha.

Qual é a sua missão, enquanto consultora de imagem e estilo?

Promover autoconhecimento através do jeito de vestir. Nós não construímos uma relação de escolha com as roupas, nós só vamos usando… E hoje temos possibilidade de pensar sobre isso e usar isso como uma ferramenta de autoconhecimento.

“Como eu ensino uma relação com a moda diferente, as pessoas não têm medo de me contratar, achando que vou fazer com que elas se tornem uma it girl super preocupada com a aparência. O intuito do meu trabalho não é esse”

Que tipo de cliente costuma procurar a sua ajuda?

Geralmente, mulheres, apesar de eu já ter atendido alguns homens. A pessoa que me procura precisa estar bem vestida, seja porque quer melhorar a autoestima, seja porque precisa para o trabalho (que pode ou não ter mudado), mas não quer ser igual a toda a gente. É interessante observar que a maior parte dessas pessoas que me procura não gosta de moda. Elas perceberam que escolher bem o que vestir pode ajudar noutras questões, mas que para isso não precisam de ficar pensando em roupa o dia inteiro, nem ficar ligadas à última tendência. Como eu ensino uma relação com a moda diferente, essas pessoas não têm medo de me contratar, achando que vou fazer com que elas se tornem numa it girl super preocupada com a aparência. O intuito do meu trabalho não é esse, é usar a moda como ferramenta de comunicação pessoal e de praticidade. Meu convite é: já que precisamos usar roupas, vamos fazer isso da melhor forma para nós!

Fotografia: Caio Braga/DR

Teve uma compulsão por compras, agora controlada. Percebeu que tinha esse problema quando fez a primeira formação em consultoria de imagem e estilo pessoal, em 2011, e em 2015 criou o projeto Estilo com Propósito. Sente que o seu trabalho tem algo de terapêutico?

Sim. Até por isso, hoje em dia estudo muito mais sobre esse tema (psicologia, psicanálise, neurociência) do que sobre moda, estilo…

Esta quarentena é uma boa oportunidade para organizar o guarda-roupa?

Sim. Sabe aquele momento para fazer o que você dizia que nunca tinha tempo? Acredito que esse tempo tenha chegado. Tirando que escolher uma roupa e sair é uma coisa, ficar em casa a olhar para tudo desarrumado e amontoado é outra. É como se a casa no geral, incluindo o guarda-roupa, cobrassem isso. Além disso, acredito que várias empresas passarão a levar em conta o home office, e isso muda a nossa forma de vestir.

“O armário cápsula é um armário com poucas peças, de 37 a 45 por estação do ano. Eu optei por ter entre 60 e 70 peças para o ano inteiro.”

Pelo que li, é defensora do armário cápsula. O que é, e que vantagens tem?

Não sou defensora do armário cápsula, eu optei por esse modelo por acreditar que ele traz eficiência nas minhas escolhas, mas tenho plena certeza que ele não é para toda a gente. Na verdade, eu acho que nada nessa vida é para toda a gente. O armário cápsula é um armário com poucas peças, de 37 a 45 por estação do ano. Eu optei por ter entre 60 e 70 peças para o ano inteiro. Acho até melhor usar a expressão guarda-roupa inteligente, porque se trata de uma guarda-roupa pensado e planeado de acordo com as necessidades de vida, de imagem e de estilo pessoal. Quando vou montar um guarda-roupa inteligente levo em consideração a proporção das peças (entre partes de cima e de baixo) a paleta de cores do guarda-roupa, tipos de peças que a pessoa realmente usa.

Quais as regras de ouro para criar um armário cápsula?

Entender se você realmente quer ter um armário cápsula é o primeiro passo. Nesses anos de atendimento e na internet, respondendo às pessoas, percebi que o erro é quando elas dizem que querem, mas não querem na verdade. A paleta de cores do guarda-roupa é importante. Não precisa ser cinza, preto e branco, já fiz guarda-roupas cápsula super coloridos. Mas é precisa ter, sim, um planeamento das cores que fazem sentido ali, mesmo que seja um super mix de estampas. A proporção entre partes de cima e partes de baixo também é importante, assim como a pessoa ser muito realista com o estilo pessoal e estilo de vida. Como a escolha é ter poucas peças, usar tudo e amar tudo faz uma super diferença. Eu cometi um erro no meu início, fiquei com várias saias no guarda-roupa, mas não usei. Andava de moto todos os dias, então as calças acabaram super rápido e as saias ficaram lá intactas.

Como fazer para não parecer que se está a usar sempre a mesma roupa?

Sem dúvida, várias cores e modelos das blusas, principalmente. É mais interessante ter diversidade, e não pilhas de peças repetidas. Acessórios ajudam bastante a variar os looks. Mas o ideal é que eles sejam variados também, ter repetições muito parecidas de acessórios não ajuda.

Fotografia: Caio Braga/DR

Viveu 100 dias com 18 peças de roupa de inverno. Quando foi essa experiência, e o que aprendeu com ela?

Vivi 100 dias com 18 peças no inverno e 100 dias com 26 peças no verão. Essa experiência aconteceu entre 21 de junho de 2019 e 13 de fevereiro de 2020. Aprendi que a gente pode fazer muitos looks com poucas peças, e compras inteligentes. O objetivo principal do desafio foi esse. Como eu estava com um cápsula há mais de três anos, as roupas começaram a precisar ser trocadas, então decidi fazer as compras com uma super inteligência. Assim que as peças novas chegaram, precisaram ser usadas de imediato, então eu precisei pensar em muitas combinações. Também aprendi que, se a gente bobeia, usa sempre as mesmas coisas, do mesmo jeito, mesmo tendo um guarda-roupa minúsculo.

“Tenho clientes que achavam que precisavam ter calças jeans, mas odiavam, por exemplo. Quem sabe se o vestido preto não pode ser azul-marinho ou verde militar?”

Defende que as peças básicas variam de pessoa para pessoa – o vestido preto ou a blusa branca não são básicos para toda a gente. Como encontramos as nossas peças-chave?

Super defendo isso! Você vai encontrar o que é básico para você prestando atenção ao que não pode faltar, no que você não vive sem. Tenho clientes que achavam que precisavam ter calçsa jeans, mas odiavam, por exemplo. Quem sabe o vestido preto não pode ser azul-marinho ou verde militar?

Também já disse que não há roupa específica para ocasiões especiais. Como integrar, por exemplo, roupa para casamento num armário cápsula?

Em junho eu fui cerimonialista do casamento da minha irmã, ou seja, estava no altar. Escolhi uma roupa que pudesse transitar não somente naquela situação. Procurei uma marca que me proporcionou isso. Quando eu fui comprar a roupa para o casamento, eu estava usando umas calças e uma camisa que pudessem ser testadas com a saia e a blusa que comprei para o casamento. Mas existe a possibilidade de pedir emprestado ou alugar uma roupa para uma ocasião específica. E eu gosto de incentivar a pessoa a avaliar se realmente não dá para repetir uma roupa que já usou em outra festa. Quem sabe colocar um casaquinho diferente por cima, ou prender o cabelo e fazer outra maquilhagem?

Fotografia: Caio Braga/DR

Há mais alguns mitos que queira derrubar?

Sim. O primeiro é que armário cápsula é sempre preto, branco e cinza. Como disse, já fiz diversos cápsulas coloridos. O segundo mito é de que consultoria é só para artistas ou pessoas que façam alguma coisa pública. As minhas clientes são pessoas que têm trabalhos diversos, incluindo donas de casa, mães em tempo integral. O terceiro mito é de que a pessoa precisa gostar da forma como eu me visto para me contratar. Eu levo em consideração a vida, o gosto pessoal, a imagem da pessoa que me contrata ou que é minha aluna, e não o meu. O quarto mito é que, para se vestir bem e gostar do que se veste, precisa gostar de moda. Garanto que não. A maioria dos meus clientes não entende e nem gosta do assunto! O quinto mito é que só dá para ter um guarda-roupa inteligente se for um cápsula. Na verdade, eu já vi cápsulas feitos sem inteligência alguma, logo, não é o número que mostra se o guarda-roupa é ou não eficiente, mas sim como ele foi montado. O sexto mito você acabou abordando, mas gosto de deixar claro: não existe uma lista de peças essenciais para todo mundo. Isso já passou faz tempo! Cada pessoa tem os seus items essenciais.

 

 




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