Pelas histórias da serra e de um mosteiro barroco, em Cabeceiras de Basto

Seguir as levadas é uma maneira de conhecer Cabeceiras de Basto. (Fotografia: Pedro Granadeiro/Global Imagens)
Pela Serra da Cabreira, a Levada da Víbora é um caminho de natureza, histórias e lendas. Nesta terra minhota que faz fronteira com Trás-os-Montes encontra-se também muito património, como o mosteiro beneditino que a “joia do barroco” de Terras de Basto.

O som da água a correr, mais ou menos intenso conforme o declive da montanha, é presença constante ao longo do trilho da LEVADA DA VÍBORA. Na Serra da Cabreira, mais propriamente na freguesia de Abadim, Cabeceiras de Basto, esta levada – canal de água para irrigação de campos agrícolas – acompanha também uma série de moinhos designados Moinhos de Rei.

O percurso, que começa na PRAIA FLUVIAL DO OURAL, foi limpo em outubro, mas ainda não está sinalizado, o que acontecerá em breve. “É um passeio feito por muita gente desde há muito tempo”, conta Nuno Rebelo, do projeto Raízes, empresa de animação turística que organiza, entre outras coisas, caminhadas pela levada. Nuno é natural de Cabeceiras e quando criança ia brincar para a serra, coisa que gostava, principalmente durante as primeiras neves do ano. “Isto faz parte da minha infância”, lembra. Saiu para estudar Biologia em Vila Real, tendo depois feito o mestrado em Engenharia do Ambiente. “Quiseram por-me num laboratório, mas sempre gostei mais de estar no campo”, diz. Em 2014, voltou para Cabeceiras com a esposa, que conheceu em Vila Real e que também se apaixonou por esta terra. “Vimos potencial e montámos a empresa”, conta. “Começámos a organizar caminhadas aqui, inicialmente com umas 30 pessoas e já tivemos com 800!”. Mesmo sem guia, o percurso faz-se com facilidade: “as pessoas costumam fazer a subida da levada e depois, para não se perderem, voltam pelo mesmo caminho. Mas a ideia atual é fazer um percurso circular em que se possa usufruir da levada e depois subir até ao MIRADOURO DE PORTO DE OLHO, também na freguesia de Abadim.

Miradouro de Porto de Olho.
(Fotografia: Pedro Granadeiro/Global Imagens)

Pelo percurso vai-se passando por vários moinhos “do tempo do rei D. Dinis”, conta Manuela Martins, técnica de turismo da autarquia. “Para os moinhos funcionarem já haveria uma levada. A construção primitiva será desse período, mas foi requalificada nos anos 70 e é toda de granito. A água vem da nascente da Víbora”.

Apesar do nome, o mais provável é não se encontrar nenhuma pelo caminho. As que aqui existem são as víboras cornudas, uma das duas víboras venenosas que há em Portugal. Mas esta é “muito preguiçosa”. Durante o dia, “anda pouco, espera que a presa venha ter com ela. Já faço caminhadas aqui há uns sete anos e nunca a vi sem a procurar”, conta Nuno. A levada tem o seu nome porque dizia-se que o animal vinha para a zona granítica apanhar sol. Os pastores achavam-na perigosa principalmente por causa do gado. “Até há histórias de que os pastores viam a víbora a mamar nas tetas das vacas, mas isso já são lendas”, diz Nuno.

Passeando em silêncio e com alguma atenção podem ver-se, sim, outros animais: esquilos, corços, garranos, raposas, javalis, sardões ou rãs ibéricas. A sombra e o verde são proporcionados pelos pinheiros, pseudotsugas, cedros, carvalhos, amieiros e bétulas.

MOSTEIRO DE HISTÓRIAS
Apesar de nascida em Bucos, freguesia de Cabeceiras de Basto, Manuela Martins, ao contrário de Nuno, não brincou pela levada, isto porque com quatro anos, em 1975, emigrou com os pais para França. Morou sempre nos arredores de Paris mas com vontade de regressar. Queria fazer a faculdade em Portugal, mas acabou por ir para a Sorbonne: “O meu objetivo era regressar. Fiz Letras e Civilizações Estrangeiras e tirei mestrado em Francês, para dar aulas. Mas o reconhecimento das habilitações foi difícil e em 2003, quando voltei, com 32 anos, já havia poucas colocações”.
Começou a trabalhar na Câmara Municipal e, em 2011, o presidente disse-lhe que era a pessoa ideal para trabalhar na área do turismo. É hoje responsável pela organização de visitas guiadas a vários espaços, nomeadamente a um dos maiores orgulhos do concelho, o MOSTEIRO DE SÃO MIGUEL DE REFOJOS, conhecido como a “joia do barroco português em Terras de Basto”.

O mosteiro é conhecido como a “joia do barroco português em Terras de Basto”. (Fotografia: Pedro Granadeiro/Global Imagens)

A igreja foi construída de raiz no século XVIII.
(Fotografia: Pedro Granadeiro/Global Imagens)

Entre os contrastes de sombras e luzes, simetrias, talha dourada, figuras diabólicas e anjinhos rechonchudos, Manuela conta a história do mosteiro e da igreja. Este é do século XVII e a igreja foi construída de raiz no século XVIII. Pertencia aos monges beneditinos. Parte do mosteiro foi restaurado em 2019, o que se percebe pela fachada muito limpa, com São Bento de Núrsia e Santa Escolástica, sua irmã gémea, a fazerem parelha, cumprindo a simetria barroca, tal como as torres sineiras, em que só uma tem sino ou, já lá dentro, o órgão de tubos, que se “espelha” em outro aparentemente igual, mas mudo. “Percebe-se qual é o falso, porque é feito em madeira, não brilhando como o de metal”, diz Manuela. No altar, sobressai uma tela do Arcanjo São Miguel, uma descoberta recente, que foi revelada durante as obras, pois estava enrolada, como um cenário que só às vezes descia, ou não fosse o barroco também “a arte da teatralidade”.

O mosteiro e a vida austera e regrada dos seus monges foi mote para histórias de escritores que andaram por terras de Basto, como é o caso de Camilo Castelo Branco, que ali se inspirou para escrever “A Bruxa de Monte Córdova”, história dos amores entre um frade e uma aldeã. Ao lado da igreja, na antiga sacristia, funciona o NÚCLEO DE ARTE SACRA. Aqui, destacam-se as quatro pinturas maneiristas atribuídas ao pintor Francisco Correia.

Na Casa do Tempo aprender-se mais sobre a história de Cabeceiras.
(Fotografia: Pedro Granadeiro/Global Imagens)

Quem quiser saber mais sobre a história de Cabeceiras, tem, ali ao lado, a CASA DO TEMPO. A primeira sala mostra alguns dos escritores da terra e de outros que por lá passaram e escreveram sobre ela, como Sá de Miranda ou o já referido Camilo. Mas a sala mais importante intitula-se Lugar das Gentes. Simula-se aqui uma cozinha tradicional e uma taberna antiga. A seguinte, destaca uma das tradições maiores da terra, as Chegas de Bois, uma luta entre dois animais, antiga forma de se delimitar território que é hoje um espetáculo que faz parte das Festas de São Miguel, que se realizam em setembro.

Outro dos melhores sítios para se conhecer as tradições de uma terra é à volta da mesa. E no restaurante O PAÇO, em Arco de Baúlhe, a mesa é farta. António Magalhães, Cristina e Teresa, filhos dos fundadores da casa, Manuel Joaquim, falecido o ano passado, e Rosa Paula, gostam de encher as mesas com muitas entradas: enchidos, feijocas, cabrito estufado ou pataniscas, para partilhar enquanto se espera os pratos principais: uns tenríssimos filetes de polvo com um cremoso arroz de grelos e posta de vitela. A acompanhar estão os vinhos da casa, criados também pela família. António, de 24 anos, continuou este que era um dos passatempos favoritos do pai. Tem já vários rótulos que serve com orgulho, o espumante Xa-Risca ou o alvarinho Bosque da Harmonia. “O meu pai abriu este restaurante para servir refeições económicas, há 27 anos”, conta. Recentemente, perceberam que com a qualidade da comida que sai da cozinha dirigida pela mãe, podiam apostar noutro segmento e fizeram obras há seis anos. António, incansável, faz questão de fazer da casa ponto de encontro de bons comensais, onde se é sempre recebido com um sorriso. “Temos de fazer isto com gosto, se não, nem valia a pena abrir a porta”, diz.

A antigas estação de comboios de Arco do Baúlhe foi transformado em Núcleo Ferroviário.
(Fotografia: Pedro Granadeiro/Global Imagens)

Carruagens antigas no Núcleo Ferroviário.
(Fotografia: Pedro Granadeiro/Global Imagens)

Já que se está em Arco de Baúlhe, vale bem a pena ir até à antiga estação de comboios, onde funciona o NÚCLEO FERROVIÁRIO. A linha do Tâmega, desativada em 1990, era uma via importante para a população de Basto. Aqui é contada a história da linha e mesmo de Arco de Baúlhe, que se tornou terra de contrabandistas, artistas e progressistas, e podem visitar-se algumas carruagens antigas, como a usada pelo Rei D. Carlos ou a da Rainha D. Amélia.

A linha está transformada em ecopista – Ecopista do Tâmega -, que tal como o antigo caminho de ferro, liga Arco de Baúlhe a Amarante. E por ali se abandonam as Terras de Basto.

Dormir na Casa de Carcavelos

Rústica e onde não falta um atendimento muito afetuoso, esta casa senhorial minhota está inserida numa quinta. Do pomar sai a fruta com que Dona Lucinda Coutinho, que gere a casa com a filha, confecciona as compotas e a marmelada servidas no vasto pequeno almoço, que inclui pão da terra, croissants, queijos e café. A casa principal tem cinco suítes com casa de banho, havendo outra casa com três quartos.




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