Carnaval tradicional: caretos e cardadores à solta

Os caretos de Podence são Património Cultural Imaterial da Humanidade. Fotografia: Rui Oliveira/GI
Os entrudos são a marca das festas tradicionais. Homens e mulheres mascarados saem à rua para brincadeiras que ninguém deve levar a mal. A espontaneidade é nota dominante no Entrudo Chocalheiro de Podence, Património Imaterial da Humanidade, mas também em Lazarim ou Vale de Ílhavo, com os seus caretos e cardadores.

As festas tradicionais de Podence, Lazarim e Vale de Ílhavo, marcadas por irrequietos caretos e cardadores, contam com algumas novidades e melhorias logísticas, prova de que o genuíno Carnaval português atrai cada vez mais gente, nestes e noutros pontos do país. Mas quem preferir festejar entre samba e purpurinas também encontra várias propostas de Norte a Sul.

Eis três carnavais tradicionais cujas origens se perdem no tempo:

1. Entrudo Chocalheiro, Podence (Macedo de Cavaleiros)

Caretos de Podence – e do Mundo

O Entrudo Chocalheiro volta a animar a aldeia de Podence, a partir deste sábado, e há uma razão acrescida para festejar: em dezembro passado, os seus caretos conquistaram o estatuto de Património Imaterial da Humanidade.

O Entrudo Chocalheiro não era bem visto pelo regime salazarista; a tradição esteve quase extinta.
Fotografia: Rui Manuel Ferreira/GI

A espontaneidade é a marca do Entrudo Chocalheiro, que promete levar muitos forasteiros à aldeia de Podence, no concelho de Macedo de Cavaleiros, entre amanhã e terça-feira, para ver os caretos “chocalhar” as mulheres. Por trás das máscaras (de couro, madeira ou latão, pintadas de vermelho, preto, amarelo ou verde, e com narizes pontiagudos) estão homens que têm, neste ano, razões extra para celebrar. É que, em dezembro, os caretos de Podence foram classificados, pela UNESCO, como Património Cultural Imaterial da Humanidade.

Além das máscaras, os caretos envergam fatos de colchas franjados de lã vermelha, verde e amarela, com enfiadas de chocalhos à cintura e bandoleiras com campainhas. Bater com os chocalhos nas nádegas femininas é um ritual de fertilidade que assinala, também, a transição para a primavera. O reconhecimento do caráter único de tal manifestação, que quase se extinguiu, é motivo de grande orgulho, mas também acarreta mais responsabilidade, conta António Carneiro, presidente da Associação dos Caretos de Podence.

Agora, importa “continuar com esta matriz de festa – genuína, tradicional”, e que tem passado de pais para filhos, sublinha. Nesta edição, pela primeira vez, há um desfile de facanitos (caretos mais novos): é amanhã, às 15h30. De resto, a festa segue o figurino habitual, com algumas melhorias logísticas. Os caretos vão para a rua sobretudo no domingo gordo e na terça de Carnaval, a partir das 15h. Na segunda-feira, às 21h30, arranca o pregão casamenteiro, que visa “casar” todos os solteiros da aldeia. E no dia seguinte, às 16h, tem lugar o desfile de marafonas, as únicas mulheres que os caretos não podem tocar.

“Não há samba, há chocalhos; há uma festa que é essencialmente portuguesa, na raiz, profana. Estão aí os ingredientes para vir passar um fim de semana diferente a Trás-os-Montes”, resume António Carneiro. O convite está feito, e nem o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, deverá faltar.

O “chocalhar” das mulheres é um ritual de fertilidade que também dá as boas-vindas à primavera.
Fotografia: Rui Manuel Ferreira/GI

Festival do Grelo e enchidos

No Entrudo Chocalheiro há tabernas com lugares sentados e pratos regionais típicos no cardápio. Vão bem abastecidos de enchidos (alheiras, linguiça, salpicão…), além de que por esses dias decorre o habitual Festival do Grelo.

Novidades na Casa do Careto

Este espaço museológico tem uma exposição permanente com obras de artistas contemporâneos de origem transmontana, como Graça Morais ou Balbina Mendes, e no domingo chega uma nova, de Ofélia Marrão. No exterior vai ainda ser inaugurada uma escultura de Manuel Mesquita. Tudo com ligação aos caretos de Podence.

Entrudo Chocalheiro
De 22 a 25 de fevereiro
Web: caretosdepodence.pt
Entrada livre

 

2. Entrudo de Lazarim (Lamego)

Caretos, feijoada e caldo de farinha

No Entrudo de Lazarim, qualquer pessoa pode ser careto, mulheres e forasteiros incluídos, desde que a máscara seja feita por um artesão local. E os visitantes têm direito a dois pratos locais, cozinhados em potes de ferro em plena rua.

As máscaras de Lazarim dispensam pintura, o que não lhes retira expressividade.
Fotografia: Rui Manuel Ferreira/GI

No Entrudo de Lazarim, homens e mulheres vestem a pele de caretos, e nem precisam de ser da terra. Qualquer pessoa pode encarnar uma dessas figuras, com uma condição: as máscaras devem ser feitas por artesãos daquela vila, no concelho de Lamego, ou a ela ligados. São esculpidas em madeira de amieiro, fácil de trabalhar, e dispensam pinturas, o que não lhes retira expressividade – pelo contrário. Muitas têm cornos, algumas lembram reis e cristos. Para completar, há a farda, criada com o que houver à mão, como ráfia, pano ou serapilheira.

No domingo, às 16h, tem início o desfile de Carnaval com caretos de Lazarim, outros grupos tradicionais da vila e ainda grupos de caretos convidados. Mas o ponto alto é terça-feira: às 15h, os caretos de Lazarim saem à rua com as novas máscaras e fardas. Para essa tarde estão ainda reservados outros acontecimentos: a leitura dos testamentos da comadre e do compadre (versos de maldizer trocados entre jovens solteiros da freguesia); a queima da comadre e do compadre; sem esquecer o concurso de máscaras e fardas.

E que ninguém vá embora sem provar a feijoada e o caldo de farinha de Lazarim, que leva verduras, enchidos de carne porco e farinha. Estes pratos, cozinhados em potes de ferro, numa fogueira ao ar livre, são um mimo para os visitantes, que encontram ainda animação de rua, barraquinhas e restaurantes.

As fardas dos caretos são feitas com o que houver à mão, desde ráfia até serapilheira.
Fotografia: Rui Manuel Ferreira/GI

Visitas a artesãos

O Entrudo de Lazarim começa amanhã, às 10h, com visitas às oficinas dos artesãos, que têm encontro marcado, às 15h, no Centro Interpretativo da Máscara Ibérica.

Entrudo de Lazarim
De 22 a 25 de fevereiro
Web: facebook.com/entrudodelazarim
Entrada livre

 

3. Carnaval Tradicional de Vale de Ílhavo (Ílhavo)

Cardação das raparigas – e não só

Os cardadores usam velhos instrumentos de trabalho da lã e do linho para cardar quem lhes apareça à frente; isso significa passar duas tábuas de madeira pelos corpos alheios, entre saltos, urros e um cheiro muito próprio.

Os cardadores, todos homens, surgem de surpresa e deixam um rasto de perfume Tabu.
Fotografia: Maria João Gala/GI

Os cardadores são as figuras mais marcantes do Carnaval Tradicional de Vale de Ílhavo, uma festa popular que esta localidade, predominantemente rural, no concelho de Ílhavo, tem conservado no tempo. São homens mascarados que saltam, urram e surpreendem quem anda na rua no domingo gordo e na terça de Carnaval. Nas mãos levam cardas (objetos que eram usados para tratar lã ou linho, na fiação e tecelagem) com que fazem a chamada cardação das raparigas. Diz-se que, antes, as cardas tinham pregos que arranhavam; agora são duas tábuas de madeira lisas, e os alvos deixaram de ser exclusivamente femininos.

As máscaras dos cardadores são feitas, pelos próprios, com cotim, pele de carneiro, cortiça ou asas de galinha, entre outros materiais, e conjugadas com vestes exuberantes (incluindo roupa interior de mulher). Levam chocalhos à cintura e deixam um rasto de perfume Tabu.

Claro que este Carnaval, organizado pela Associação Cultural e Recreativa «Os Baldas», com apoio da Câmara Municipal, tem mais participantes, incluindo crianças e idosos, organizados em associações. O desfile é marcado pela sátira e crítica social, com grupos de foliões e carros alegóricos, e nesta edição, pela primeira vez, há bancadas na assistência. Para conferir já no domingo e na terça, a partir das 15h, confortavelmente instalado.

As máscaras são feitas pelos próprios cardadores, recorrendo a asas de galinha e outros materiais.
Fotografia: Maria João Gala/GI

Padas e folares

Vale de Ílhavo, que foi terra de moinhos, é famosa pelo seu pão tradicional, feito em forno a lenha. Padas e folares são vendidos, por esta altura, no recinto da festa.

Carnaval Tradicional de Vale de Ílhavo
De 22 a 25 de fevereiro




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