De raiz forte, difícil de arrancar, a torga é uma urze que se multiplica pelas fragas transmontanas. «Quando posta a arder, dá lume a noite inteira», diz João Luís Sequeira, diretor do Espaço Miguel Torga, inaugurado no verão passado em São Martinho de Anta. Comecemos por esta casa, projetada pelo arquiteto Souto de Moura, uma viagem à terra natal do escritor, que sobre ela dizia ter duas faces – a do Douro, mais suave, e a serrana, mais dura.
Através de 27 painéis, o espaço dá a conhecer a vida e a obra daquele que deu Trás-os-Montes a conhecer ao mundo: Adolfo Correia da Rocha. Não por acaso, o autor de Contos da Montanha adotou como pseudónimo Torga (Miguel é uma homenagem aos escritores espanhóis Unamuno e Cervantes). Mas é percorrendo os caminhos que lhe eram queridos – os «Trilhos Torgueanos» – que se percebem as facetas da região.
No alto da serra da Azinheira, onde, no século XVII, se construiu uma capela, podem ver-se os dois Trás-os-Montes de Torga.
Em frente ao templo está o «mar de pedra» de vegetação rasteira, percorrida por perdizes e coelhos. Do outro lado, vislumbra-se a região vinhateira, de onde sai o «sol engarrafado» para «embebedar os quatro cantos do mundo», como escreveu Torga. E isto não é só literatura. É mesmo lá que são colhidas as uvas com que se produzem os vinhos da Adega Cooperativa de Sabrosa. Fundada em 1958, resistiu à crise, inovou e está a ser premiada pelos seus vinhos. Algo pouco comum na região, há três anos que é liderada quase só por mulheres, tendo à frente da equipa a enóloga Celeste Marques, que conta os anos de trabalho em vindimas (foram 32). Uma das inovações que implementou foi a rolha hélix, de cortiça, como manda a tradição, mas com um twist. Literalmente: não é preciso saca-rolhas, basta desenroscar, uma inovação «a pensar nas mulheres», porque «quando elas chegam a casa depois de um dia de trabalho não têm paciência para andar à procura do saca-rolhas!», esclarece.
O esforço já começou a ser recompensado, principalmente com o sucesso de dois produtos, ambos com rótulo Fernão de Magalhães: o vinho do porto 10 anos e o branco 2015, premiado este ano com a medalha Grande Ouro, da ViniPortugal. O vinho distinguido como o melhor do ano também saiu de Sabrosa: o Quinta do Portal Grande Reserva 2011.
Um dos mais influentes produtores da região dos últimos anos, a Quinta do Portal oferece a quem visita a região muito mais do que vinho. Além de ter um restaurante, onde vale a pena experimentar as propostas do promissor chef Milton Ferreira, e um hotel – a Casa das Pipas, inaugurada em 2006 – no meio dos vinhedos, promove visitas ao seu armazém de envelhecimento, especial por ter sido a primeira adega desenhada pelo arquiteto Siza Vieira. Apesar de ter começado a rotular os seus vinhos apenas em meados dos anos 1990, o negócio familiar tem origem em 1885, a partir da Quinta dos Muros, da família Mansilha, da qual descendem os atuais donos.
A Quinta do Portal, agora o quartel-general da empresa, também é centenária e teve a sorte grande no Douro, quando ainda era conhecida como Quinta do Casal de Celeirós: não foi atacada pela filoxera, que na segunda metade do século xix devastou as vinhas do Douro. Muitas décadas depois, com os horizontes bem mais abertos, a família encontra na região «muito espaço para criar», diz João Branco, um dos responsáveis pelo Portal.
E se há espaço para criar em Trás-os-Montes, não é só nos vinhos. A promoção de «filhos da terra» ou de personalidades que por lá deixaram marca tem sido uma aposta dos serviços culturais da autarquia de Sabrosa. Uma das figuras com grande impacto mundial e que, diz a tradição, nasceu aqui, é Fernão de Magalhães. Além da casa da família, a Casa da Pereira, no centro da vila, onde ainda se vê o brasão mandado picar por D. Manuel I, por traição, o navegador que dirigiu a primeira viagem de circum-navegação, e à qual não sobreviveu, tem direito a um espaço multimédia. Inaugurada há dois anos, a Exposição Permanente Fernão de Magalhães conta a história dessa viagem ao serviço do rei de Espanha, iniciada em 1519.
Foi o arquiteto audiovisual espanhol Ramon Caus quem desenhou este projeto vanguardista, que se insere no Parque Municipal B. B. King. E por que motivo tem Sabrosa um parque com o nome do rei dos blues? Em 2010, o músico norte-americano encheu o espaço, até então conhecido como Quinta das Almeidas, para um concerto que continua na memória de muitos. Além de mudar de nome, o Parque recebeu a escultura Lucille, de Ester Botelho, homenagem ao músico através de uma interpretação da sua guitarra. Um blues em Trás-os-Montes que remete, uma vez mais, para Torga, que escreveu no seu Diário XV: «O universal é o local sem muros.»
Evasões recomenda
Visitar
Espaço Miguel Torga
Rua Miguel Torga, São Martinho de Anta
Tel.: 259938017
Das 09h00 às 12h30 e das 14h00 às 17h30. Sábado e domingo, abre às 10h00 e fecha às 18h30. Encerra à segunda. Entrada gratuita.
Exposição Permanente Fernão de Magalhães
Parque B. B. King
Tel.: 259937120
Das 10h00 às 12h30 e das 14h00 às 18h00. Encerra à segunda e à terça.
Entrada: 2 euros
Adega Cooperativa de Sabrosa
Rua das Flores, 27, Alto de Paços
Tel.: 259939177
Visitas com prova por marcação
Preço: 5 euros
Quinta do Portal
EN 323, Celeirós (Estrada Pinhão-Sabrosa)
Tel.: 259937000
Visitas e provas: 11h30, 14h30 e 16h30
Preço: 7,50 euros
Restaurante das 12h30 às 15h00 e das 17h30 às 22h00. Preço médio: 40 euros
Ficar
Casa das Pipas
EN 323, Celeirós (Estrada Pinhão-Sabrosa)
Tel.: 259937000
Web: quintadoportal.com
Quarto duplo partir de 100 euros por noite(inclui pequeno–almoço)
Passear
Trilhos Torgueanos
São Martinho de Anta: 11 quilómetros/3h00 (início: Casa do poeta Miguel Torga; fim: Largo do Eirô)
São Cristóvão do Douro: 5 quilómetros/1h30m (início: Largo da Igreja de Provesende; fim: Pinhão)
euros