Opinião de André Rosa: A nossa marcha é linda

O desfile das Marchas Populares de Lisboa é um dos pontos altos da noite de Santo António, na cidade. (Fotografia de António Pedro Santos/GI)
O brilho dos trajes, a música e as coreografias fazem das marchas um dos momentos mais felizes das festas dos Santos Populares. Apesar das mudanças, continuam bem vivas.

Se alguém me perguntar de onde surgiu o meu gosto pelos santos populares (e por festas populares em geral), confesso que não sei precisar. Mas sei que a noite das Marchas Populares de Lisboa sempre me fascinou, prendendo-me ao sofá, em frente à televisão, para assistir à longa transmissão do desfile, em direto na RTP1. Fazendo agora este exercício de memória e reflexão, pergunto-me o que terá concorrido para tal interesse: terão sido as músicas, as coreografias, os brilhos dos figurinos ou a festa como um todo, numa altura em que ainda não tinha idade para a experienciar?

Nessas noites, arrastava a hora de ir dormir para acompanhar o mais possível a emissão, acumulando o desejo de um dia vir a assistir ao espetáculo, in loco. Felizmente, Setúbal também sempre teve marchas populares, o que me levava, ano após ano, à Avenida Luísa Todi com a minha família.

Há quem considere que as marchas populares são uma tradição em vias de desaparecer, por causa do fator demográfico (parecem associar-se a gerações mais velhas e ser uma atividade na qual os jovens não se veem). Por outro lado – focando a questão em Lisboa -, a cidade tem assistido, nos últimos anos, à chamada gentrificação, que tem empurrado os moradores para fora dos bairros mais antigos, e neste momento, dos poucos portugueses que neles moram, já quase ninguém é marchante. Pois eu creio que as marchas estão bem vivas e recomendam-se!

Há poucas cenas tão genuinamente portuguesas como as festas populares.

Até hoje não tive, ainda, o prazer de testemunhar de perto o empenho de todos os que vivem para as marchas, em comunidade e corporizando com os melhores valores aquilo que entendo por “bairrismo”, mas estou certo de que é uma tradição popular que continua enraizada. Elogiar as marchas populares como um todo é estender a admiração a todos os que tornam os arraiais uma realidade, ainda para mais numa altura de recuperação após dois anos de interregno forçado. É a noite lisboeta mais longa e festiva do ano, de 12 para 13 de junho.

Tenho para mim que há poucas cenas mais genuinamente portuguesas como as das festas populares. Ao primeiro acorde de uma música popular orelhuda, quase todas as pessoas, de todos os patamares sociais, despertam para um animado pé de dança e improvisam comboios de mãos nas costas de desconhecidos. Só quem vive esse ambiente em pleno saberá descrevê-lo. É desta faceta popular e despretensiosa que nos devemos continuar a orgulhar. Afinal, o que é um país sem as manifestações da sua cultura popular?




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