Crónica de Paula Ferreira: saudades das viagens que ainda não fiz

Monte St. Michel, na Normandia. (Fotografia: Pxhere)
Tudo parece suspenso e não temos alternativa senão aguardar impacientes o regresso à vida. Sim, à vida, porque sem liberdade de movimentos não vivemos realmente.

Para trás deveria ter ficado o Monte St. Michel e a sua mítica abadia, as ruas estreitas, os restaurantes de crepes e sidra, a língua de areia a separar o continente do promontório, onde no ano de 758, graças ao sonho de um monge, começou a ser construído um templo em honra do anjo S. Miguel.

A viagem foi planeada ao pormenor e com tempo. Sabia, há muito, que um dia estaria perante aquele imponente lugar, olhá-lo-ia do outro lado do canal, esperaria que a maré descesse para atravessar o mar: então ganharia forças e coragem para subir as suas íngremes ruelas, por entre centenas de turistas. É verdade, teria preferido usufruir daquele lugar, que imagino mágico, sem nunca lá ter estado, na paz das ruas desertas – mas, enfim, se isso não era possível, iria partilhá-lo com outros que optaram pelo mesmo destino.

E, afinal, nestes dias, os turistas não se apinham a subir e a descer as ruas na direção da abadia. Fecharam portas os restaurantes e os hotéis de preços proibitivos; as lojas de recordações não tentam ninguém. Recordo tudo o que se disse a propósito do turismo destruidor de cidades e de sítios: e sinto saudades do bulício, dessa babel a povoar as ruas e a roubar-nos o nosso restaurante de sempre. Saudades das viagens ainda por fazer, e não vislumbro qualquer sinal de que será possível realizá-las.

Na companhia da minha filha, regressada a casa após uma ausência de mais de meio ano, iríamos aproveitar tudo o que mãe e filha sabem fazer quando estão juntas. Pela Mariana, a este roteiro à Normandia, foi acrescentada uma ida a Giverny. Um recuo à infância, à descoberta do dom evidente desde que começou a pegar nos lápis, um recuo às idas para a cama na companhia de um livro encantador e que fascinava a menina que ainda não sabia ler. Sim, iríamos percorrer os jardins, antes calcorreado nas páginas de “Rita no Jardim de Monet”, agora guardado numa das estantes lá de casa, torcer para que estivesse um dia de sol para nos debruçarmos na ponte a olhar para os nenúfares. Desfrutar de uma infinita paleta de cores inspiradora do pintor impressionista que escolheu Giverny, a dois passos de Paris, para viver e criar.

E, claro, levaria a Mariana – ela iria a contragosto, mas com um sorriso doce – até Lisieux, para vermos o sítio onde Marie Françoise-Thérèse Martin viveu antes de, com apenas 15 anos, ter ingressado num convento e se ter tornado Teresa do Menino Jesus. A Santa Teresinha das histórias da minha infância, contadas por uma tia/mãe, que me fascinavam e quase me fizeram desejar seguir os passos da menina carmelita.

Havemos de percorrer esses caminhos. Havemos de fazer todas as viagens das quais já temos saudades. E neste roteiro à Normandia, passaremos ainda por Bayeux, só para ver a tapeçaria.




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