Crónica de Pedro Ivo Carvalho: tem de valer dizer Porto, filho

Jardim das Virtudes (Fotografia: Fábio Poço/GI)
Não é fácil explicar ao nosso caçula porque é que, não conhecendo todas as cidades do Mundo, já escolhemos há muito aquela de que mais gostamos. Sem desgostarmos de todas as outras.

“Não vale dizer Porto”. Recorrentemente, o meu filho caçula tenta apanhar-me desprevenido: “Pai, qual é a cidade de que mais gostas no Mundo?” Ele já sabe a resposta, mas nem por isso se coíbe de reiterar a pergunta seguida de uma condicionante. “E não vale dizer Porto”. Eu respondo sempre o mesmo. “É o Porto, filho. A cidade de que eu mais gosto no Mundo é o Porto”. O diálogo evolui, invariavelmente, num sentido. “Mas como é que podes responder que é o Porto se não conheces as cidades todas do Mundo?” É pertinente, o rapaz. Sou teimoso, eu. “Não preciso de conhecer as cidades todas do Mundo para saber qual é a minha cidade”. É o Porto, filho.

Passamos depois à fase em que ele tenta envolver-me numa contradição. “Pai, dá lá então um exemplo que te faça gostar tanto do Porto”. “Filho, são as pequenas coisas que fazem do Porto uma cidade única”. Dificulto-lhe a vida de propósito. “Mas que coisas? O rio Douro, as praias, o Estádio do Dragão? As pontes? Tens de dar exemplos, senão não vale. A Casa da Música?”. Contemporizo. Digo-lhe que sim, são essas coisas todas e muitas outras impossíveis de medir.

“Pai, se não vivêssemos no Porto continuavas a gostar assim tanto do Porto?”

“Pai, não gostas de Lisboa como gostas do Porto?”. Sacana do rapaz. “Adoro Lisboa, mas gosto mais do Porto do que qualquer outra cidade do Mundo. Já te disse porquê. Gostar muito de uma coisa não implica que se desgoste de outra coisa. Há várias formas de gostar”. Ele insiste. “Não gostas de Lisboa por ser a capital?”. O interrogatório sofistica-se. “E porque é que o Porto não é a capital?” Ah, a candura da infância. “Não tem nada a ver com isso, filho. Há inúmeras cidades no Mundo que são muito interessantes sem serem capitais”. Obviamente que não podia safar-me de uma generalização destas sem que ele me confrontasse com a necessidade dos detalhes: “Como por exemplo?”. Lembro-lhe Barcelona (e os olhos dele brilham como lanternas, ante a forte possibilidade de, um dia destes, ir a Camp Nou ver Griezmann jogar ao lado de Messi), mas também aceno com os exemplos de Milão, Marselha e da Sevilha que ele tanto gosta de explorar nas noites tórridas de agosto.

“Pai, se não vivêssemos no Porto continuavas a gostar assim tanto do Porto?”. Tropeço nas palavras. Apetece-me dizer-lhe que a geografia se pode acondicionar no peito, levá-la para todo o lado, que o amor por uma cidade é como o amor por uma mulher, que nos desiludimos, que nos surpreendemos, que nos vamos descobrindo nas suas falhas, que as cidades, como nós, também são crianças, adolescentes, que amadurecem e envelhecem. Umas melhores do que outras. Ora belas, ora trágicas, ora banais. Mas que o Porto é eterno com um poema de Sophia e que não há como explicar o ardor que nos invade de todas as vezes que regressamos. Mesmo que nunca tenhamos de lá saído.

“Lembras-te de quando estivemos sentados naquele jardim (das Virtudes), ao final da tarde, a ver o pôr do sol com o rio Douro em fundo?”. O caçula arregala os olhos. “E estavam aqueles estrangeiros todos misturados com os portugueses a beber cerveja e a rir-se? ”. Aceno com a cabeça, sem fazer a pergunta sacramental. Mas ele respondeu: “Já percebi, pai”.

Leia também:

Crónica de Pedro Ivo Carvalho: mas vocês vão deixar-me comer sossegado?
Crónica de Dora Mota: gostar de tudo
Crónica de João Mestre: Pela boca se perde o medo do mundo




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend