Crónica de Paula Ferreira: Saudades do Porto

Crónica de Paula Ferreira: Saudades do Porto
Não gosto de ver a cidade vazia. Penso nas vidas que ficam para trás, nas famílias sem emprego, nos que têm que recomeçar. Mais uma vez. O Porto é mais bonito a fervilhar de gente.

Fica a sensação de recuo de décadas, quando me deixo perder pelas ruas do Porto. Tristes, cinzentas, sem gente. Mesmo os autóctones rareiam. Volto ao tempo dos domingos na cidade despovoada, quando raramente nos cruzávamos com alguém nas ruas. Não é domingo. É início de tarde numa semana de julho: desço a Rua 31 de Janeiro, a tristeza invade-me. A rua quase deserta, montras cobertas de papéis, sinal de um fim inesperado. No horizonte, a Torre dos Clérigos, a rua subindo sem automóveis, um ou dois transeuntes como prova de vida. Tão longe o tempo em que tínhamos de descer o passeio, nas caminhadas apressadas. Para trás fica Santa Catarina, há lojas que não reabriram, congeladas no confinamento, outras fechadas à hora de almoço por falta de clientes e de funcionários.

Ouço, com espanto, comentários de gente feliz por ter o Porto só para si. Ainda esta semana rumei à Casa Guedes, na Praça dos Poveiros, para um almoço com uma amiga, numa segunda opção, pois encontramos ainda fechado, devido à pandemia, o restaurante que havíamos escolhido. Naquela casa onde era preciso paciência para arranjar mesa, impressiona agora ver as salas vazias. De modo algum compreendo a alegria egoísta dos meus conterrâneos, felizes por terem o Porto só para si. Quantas famílias sem emprego, quantos projetos deixados para trás, quantas vidas a ter de recomeçar do zero.

Confesso, gosto de ver o Porto fervilhar de gente, de ouvir sons indecifráveis vindos de pessoas tão diferentes, de partilhar com os outros a cidade que não é a minha, mas onde me sinto em casa. A cidade é, sempre foi, de quem a sabe amar. Gosto reconhecer a gratidão de quem é bem recebido, como gosto de bom acolhimento noutros pontos do globo – embora sinta, de cada vez que parto, serem poucos os que recebem como nós.

Reconheçamos ter havido excessos, muitos lugares começaram a fugir-nos, houve vítimas forçadas a deixar as casas onde sempre viveram, porque alguns viram no Airbnb a galinha de ovos de ouro. Tudo isso é verdade. Mesmo assim, estou ansiosa por ter de volta o Porto das rodinhas dos tróleis, por voltar a não conseguir mesa no Buraco, porque japoneses, franceses, alemães ou espanhóis chegaram antes de mim. Como me dizia um irlandês, que esta semana regressou a esta cidade onde há anos passa férias, “we need each olher”. Sim , todos precisamos uns dos outros – se compreendermos isto, sem dúvida viveremos melhor.




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