Crónica de Paula Ferreira: A descer rumo ao paraíso

Vulcão dos Capelinhos (Fotografia: Adelino Meireles/Global Imagens)
Não é só a natureza que é de uma beleza encantatória. Há qualquer coisa nos dias açorianos que nos devolve a paz interior e faz com que queiramos sempre voltar.

A chuva miudinha agarra-se ao corpo, não pára de cair. E o impermeável esquecido, esse objeto imprescindível a quem se aventura pelos Açores, seja em dezembro, abril ou em pleno agosto. Sim, os açorianos não exageram quando afirmam ter as quatro estações num só dia.

É possível acabar uma manhã encharcado, como me aconteceu na paisagem lunar dos Capelinhos, e logo a seguir fazer um piquenique sob um sol reconfortante num dos inúmeros merendários espalhados pela ilha. Depois, passar a tarde a nadar nas piscinas naturais do Varadouro, enquanto me arrepio a ver jovens, destemidos e aparentemente inconscientes, a dar mortais – como se estivessem a treinar para o Red Bull Clive Diving no ilhéu de Vila Franca.

Manhã de chuva persistente. Começamos a descer a serra do Topo, a chuva dificulta a caminhada no trilho íngreme, entre pedras e terra batida. Os mais novos, impacientes, avançam lestos. Perdemo-los de vista, sem qualquer receio a atormentar-nos: o trilho apresenta-se bem sinalizado.

O reencontro acontece dez quilómetros à frente, 700 metros mais abaixo, numa espécie de paraíso, dir-se-ia inacessível. Num cenário irreal, que a neblina torna ainda mais belo. Chegaram com uma hora de avanço ao local mágico. Tomam banho na lagoa, a mesma de onde são apanhadas as amêijoas – dizem – melhores do Mundo.

Isso mesmo queremos comprovar: mas no Borges, num almoço tardio, a iguaria especial tinha esgotado. Haveríamos de as saborear noutro local não menos belo, noutro ponto da ilha, junto a um lago que o negro das rochas transforma em verde-esmeralda.

Nem a chuva nem as palavras de Bruno, o proprietário do restaurante da Urzelina, nos demoveram da descida ao paraíso. “Podem ir, mas outro dia, uns tiveram de ser retirados de barco das Penedias: o carro não logrou fazer o regresso a subir”. O aviso do comerciante contrastava com a beleza da paisagem a entrar pela janela, sempre com o Pico a espiar-nos do outro lado do canal.

Depressa caíram no esquecimento os conselhos de Bruno. Daí a pouco, estávamos na Fajã das Almas, bem lá no fundo do abismo, o caminho a fazer-se e o coração a apertar-se: conseguirei voltar? No pessimismo de Bruno encontro resposta esperançosa, “foram buscá-los de barco”. O carro? Isso depois logo se vê.

Guardarei sempre a imagem da lagoa a preceder o mar, onde apenas se chega após algumas horas de caminhada

No dia seguinte, tivemos a visão da Fajã de Santo Cristo, a partir do miradouro, a aluvião de verde quase tropical pela serra do Topo. Comigo ficará aquela imagem da lagoa a preceder o mar, onde apenas se chega após algumas horas de caminhada. É bem verdade, os lugares mais bonitos são preservados pelos caminhos mais difíceis. Valeu a pena. Fica apenas o lamento de ter acreditado no dono do restaurante e não ter descido à Fajã da Penedia para provar as sopas do Espírito Santo.

Nesse domingo de agosto era a festa da aldeia, e as sopas unem os açorianos da ilha e os que regressam, no verão, a S. Jorge e hasteiam nas novas casas a bandeira vermelha, azul e branca dos Estados Unidos, o país onde sacudiram a miséria.

 




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