Crónica de Luísa Marinho: regresso a Serralves

Serralves. (Fotografia: arquivo Global Imagens)
Aproveitei o retorno do Serralves em Festa para revisitar com calma este espaço que me ajudou a moldar os gostos e interesses.

Caminhar sobre o manto de folhas secas e muito vermelhas é uma das memórias mais antigas que tenho do Parque de Serralves. No outono, percorrer a Avenida dos Liquidambares será mesmo uma das experiências mais prazerosas para quem visita aquele espaço. O som dos passos nas folhas secas lembra o confortável crepitar da madeira em fogo de lareiras.

Quando na adolescência me mudei para Lordelo do Ouro, freguesia entre Massarelos, Foz e Boavista, Serralves fez-se destino de eleição para os meus passeios. Depois de passar a dita Avenida, descia pela longa fonte – o parterre central – ou então, arriscava um passeio por entre as árvores circundantes, descobrindo sempre um recanto novo, e descendo até chegar ao lago e às suas poldras, junto ao qual me sentava numa pausa, antes de seguir para a quinta para visitar os animais.

Não me lembro da primeira vez que fui a Serralves. Tenho memórias muito vagas de infância, de tardes de sábado com a minha mãe, a passear por lá, brincando entre os muitos espantalhos que antes ocupavam a quinta. Lembro também de apanhar do chão, com muito cuidado para não me picar, ouriços cheios de castanhas, que descascava e imediatamente comia.

Nessa época, não havia ainda o museu de arte contemporânea do Siza, nem o passadiço, nem as obras de arte que hoje se espalham um pouco por todo o parque, dos jardins franceses aos frondosos bosques. Não sabia também quem tinha sido o conde que mandou erguer a casa – apesar de já saber do mito do seu fantasma -, nem os nomes das árvores, ou quem desenhou os jardins. Tudo isso aprendi mais tarde, quando comecei a ver as minhas primeiras exposições de arte contemporânea, ainda na casa “cor-de-rosa”.

Hoje, não vou a Serralves tantas vezes como gostaria. Muito mudou. A entrada é cara e os domingos gratuitos em que se podia ficar no jardim o dia todo foram transformados em apenas uma manhã por mês. Por isso, aproveitei o regresso do Serralves em Festa – que já não se realizava há três anos – para revisitar com tempo este espaço que me ajudou a formar gostos e interesses. Fiz piquenique de toalha sobre a relva; espreitei vários cantos e descobri, com surpresa, novas plantações junto à mata onde foi instalado o passadiço Treetop, de aveleiras e azevinhos. Vi muitos concertos, dancei com amigos; ainda tentei, mas desisti devido à fila, entrar na casa e visitar a minha divisão favorita: a casa de banho. Forrada a espelhos, feita de mármore rosa, com uma vista privilegiada sobre o parque, é um daqueles espaços que estimula a imaginação. É uma porta para um passado não tão distante (a casa e o parque celebram este ano o centenário), mas de uma outra era, de outros músicas, outras tradições, outras festas.




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend