Crónica de Luísa Marinho: posso dizer que já vi os pampas

Fotografia: Rui Oliveira/GI
Tentei evitar algum tipo de imagem mental sobre como será uma aldeia indígena, simplesmente não sei e será nesta viagem que vou ficar a saber.

Esta será uma crónica de viagem. Porque no momento em que a escrevo percorro uma estrada longa e muito reta, ladeada por prados verdes, focos de vegetação por vezes exuberante e algumas palmeiras mais próximas. É a minha primeira vez a sul do Equador e tudo é novidade, os pássaros, as árvores, as pessoas, os hábitos.

Esta é a estrada que liga a cidade de Pelotas a Porto Alegre e é a segunda vez que a faço, agora à boleia de um jovem senegalês que conduz com pressa, atrasado já para uma reunião de trabalho naquela cidade. Conversa-se um pouco no início da viagem. “Sou de Portugal”. “De Portugal, ainda vens mais do norte do que eu”, diz. Sim, pensei eu, que nunca tinha pensado no Senegal como um país a norte. “Do Porto?, já me disseram que é a cidade mais feia de Portugal”. “Acho bastante linda”, respondi rápido e um pouco desorientada com o comentário. “É uma cidade bonita”, reforço. “Ah, Portugal é o país mais pobre da Europa”. “Mais ou menos”, respondo novamente um pouco atordoada. “Tivemos uma grave crise financeira recentemente, mas está melhor”, respondo, movida menos por uma súbita necessidade de defender o meu país do que de corrigir as ideias preconcebidas do meu companheiro de viagem.

Ponho-me a pensar quantas vezes já terei feito o mesmo, pensado e dito generalidades sobre países e culturas que desconheço de facto, mas que penso conhecer de alguma forma, porque processei informações mais ou menos vagas e incertas, captadas de algum noticiário, de um filme antigo ou mesmo criadas pelo imaginário coletivo da cultura onde cresci. São aqueles preconceitos que nem sabemos que temos e que só vêm ao de cima quando por alguma razão nos confrontamos com eles. Pergunta-me ainda qual a maior fonte de rendimento do meu país. Penso na cortiça e no turismo, digo, esquecendo o vinho, o azeite.

Depois de mais algumas trocas de palavras com os meus companheiros de viagem, seguimos todos calados por vários quilómetros. Passo todo o caminho a olhar pela janela. À direita, está indicada a Lagoa dos Patos, “a maior laguna da América do Sul”, diz a placa. Não a vou conhecer nesta viagem. Tento fotografar sem sucesso uma ave de rapina que não conheço, e que com frequência cruza o céu. “Qual o nome desta ave?”. Os meus companheiros não sabem. Tento também fotografar as manadas de bois que se estendem pelos campos muito verdes. Mas nada sai bem com a câmara do telemóvel.

Continuo a pensar que as ideias preconcebidas sobre países e culturas são inevitáveis e problemáticas quando não são desafiadas. Quando há uns dias pousei no Rio Grande do Sul também era certo que as trazia na bagagem. E que continuo a carregar muitas, mas com consciência de que são apenas isso. Já mais perto de Porto Alegre, passamos por várias aldeias indígenas, impossíveis de ver da estrada. Tentei evitar algum tipo de imagem mental de como será uma aldeia indígena. Simplesmente não sei e não será nesta viagem que vou ficar a saber. Do lado direito já se vê o lago (que na verdade é rio) Guaíba. Estou a chegar ao destino. Posso dizer que já vi o pampa.




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