Crónica de Inês Cardoso: Quando uma ideia muda uma cidade

Guggenheim, Bilbau (Fotografia: Pexels/Pуслан Kальницкий)
Considerar o Guggenheim o alfa e o ómega de Bilbau pode parecer redutor, mas é precisamente o contrário. É a prova de que os conceitos podem transformar territórios.

Podemos parar no edifício arredondado da Ópera, palmilhar sem destino as ruas do Casco Viejo ou experimentar a ponte suspensa, mas nada evita a sensação inescapável de que, no final, Bilbau se reconduz sempre ao Guggenheim. Talvez o olhar se torne exigente depois da elegância de Hondarribia e das linhas pitorescas de San Juan, ou talvez seja o vício do óbvio a impor-se em fascínio prateado, que simultaneamente se projeta no rio e se alimenta da simbiose de azuis água e céu.

É um lugar comum apontar-se Bilbau como exemplo de transformação a partir de uma grande obra de arquitetura. De como uma estrutura cara e controversa, em que o exterior conta mais do que o interior e o seu acervo museológico, foi capaz de gerar uma atratividade e uma dinâmica que recolocaram a cidade no mapa.

Considerar que o Guggenheim se tornou o alfa e o ómega da cidade basca pode parecer redutor, mas é precisamente o contrário. É que não se trata apenas de arquitetura, ou de arte. Trata-se da materialização de uma ideia. Bilbau renasceu com uma ideia, e não deixa de ser extraordinário perceber o quanto os conceitos podem ser transformadores num território.

As razões que levam os turistas a uma cidade são muitas vezes resultado de camadas de história. É o passado que domina, como se quanto mais longínquo maiores ou mais obrigatórias as razões de espanto. Procuramos vestígios de diferentes épocas, personalidades que inscreveram a sua existência nos manuais escolares, monumentos singulares que nos transportam no tempo. E às vezes quase nos esquecemos de que há cidades impulsionadas pelo futuro, em que coexiste passado, claro, mas é a inovação que faz mover.

Se ainda há ideias transformadoras, profundas, que reescrevem de forma tão marcante o percurso de uma cidade, só pode haver razões de esperança para todos os territórios deprimidos ou à procura de uma direção.

A assimetria é inevitável, mas Portugal é um exemplo alarmante de quanto nos faltam cidades médias, níveis intermédios de atração, uma distribuição mais equilibrada do turismo pelo território. E ficamos por vezes presos ao discurso miserabilista do esvaziamento do Interior, ou da incapacidade de fixar pessoas, ou da lógica de que não há retorno para regiões em perda. A história pode, no entanto, ser reescrita com uma ideia. Um tiro arriscado mas certeiro. Uma vontade de futuro que se sobreponha ao medo e à crítica.




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