Crónica de Carina Fonseca: desfilar pela vida com um sentido

Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens
Diziam-lhe que tinha olhos demasiado pequenos e nariz demasiado grande para alguma vez ser capa de revista. Gisele Bündchen virou supermodelo e hoje usa a sua popularidade para defender causas ambientais, enquanto faz a apologia da horta, que é também uma forma de amor.

Sou pouco dada a extravagâncias – exceto quando me apanho numa feira do livro. Setembro trouxe-me, por isso, muitos títulos para ler: poesia, romances com décadas ou acabados de sair, policiais e obras mais práticas, até com uma aura de autoajuda. O meu coração está com as livrarias independentes, mas leio de tudo, facilmente cedo a impulsos e curiosidades. Aconteceu com “Lições – o meu caminho para uma vida com sentido”, livro assinado por Gisele Bündchen, figura incontornável do mundo da moda. Desde que a descobri voltada para a natureza, o ioga e a meditação, comecei a estar mais atenta à mulher de beleza invulgar que saiu de casa, no Sul do Brasil, ainda menina – foi descoberta por um olheiro quando tinha 14 anos.

No livro, Gisele conta como passou de uma vida agitada, com alimentação desregrada, muita cafeína, ansiedade e ataques de pânico, para a tal existência com mais sentido. Foi além dos padrões de beleza estabelecidos (quantas vezes lhe disseram que tinha olhos demasiado pequenos e nariz demasiado grande?), seguindo o seu rumo com trabalho, disciplina e foco, e acabou por usar a visibilidade alcançada para defender causas sociais que lhe são caras, como a do ambiente.

“Existe ferramenta de educação melhor do que uma horta?”, questiona Gisele. E lembrei-me do agricultor Ulisses, que quer ter saudades de comer uma laranja.

Num dos capítulos, a supermodelo fala do respeito pelos alimentos de produção local e mostra orgulho na pequena horta que, além de lhe fornecer legumes, verduras e condimentos, funciona como sala de aula informal para os filhos – as crianças aprendem a esperar pela altura certa para saborear as suas frutas preferidas, por exemplo. “Existe ferramenta de educação melhor do que uma horta?”, questiona. E eu lembrei-me do agricultor Ulisses Teixeira, em Cantanhede, que quer ter saudades de comer uma laranja.

Se há vantagem em ser jornalista é estar continuamente a aprender e a contactar com pessoas cheias de saberes e entusiasmo. A propósito do tema de capa desta semana, conheci várias. Fiquei mais sensível à beleza de plantas com valor alimentar ou medicinal, mais consciente da alegria que é colher um tomate e levá-lo diretamente à boca. Dei por mim às compras num horto, e nunca me foi tão leve a vindima.

Na verdade, esse despertar já começara quando fui para outra cidade e percebi o valor de ter fruta, legumes e ovos caseiros. Dava-os como garantidos, pois cresci no campo, onde apanhava amoras, fazia bolas de sabão com uma cana e exibia desenhos feitos com plantas que se colavam à roupa. Quando ouço falar de miúdos precocemente cansados, tanto é o esforço por muni-los de todas as ferramentas e atividades, sinto-me grata por ter crescido devagar e em liberdade. A regra era sair sem relógio, muito menos telemóvel, e brincar na rua o dia todo.

Num destes dias, fui visitar a minha amiga de infância, que se mudou para a zona de Lisboa. Fizemos salada de tomate da horta da minha família temperada com orégãos da família dela, e soube-me a manjar. Só faltava termos pegado na bicicleta sem destino, para regressar à noite com um véu de poeira no corpo – sinal de um dia bem passado.




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