Crónica de Carina Fonseca: alegria na caixa do correio

(Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)
A alegria é, muitas vezes, repentina, tem algo de explosivo. Instala-se sem aviso, graças a um encontro imprevisto ou a um ato de gentileza. E pode assumir a forma de uma carta.

Neste segundo confinamento, a alegria entrou em minha casa quase sempre pela caixa do correio. A certa altura, chegavam livros quase diariamente, era uma festa antecipada. Foi diferente com a “caixa fora da caixa”, com conteúdo surpresa, que a livraria Indie, Not a Bookshop, de Cascais, envia para todo o país. Quando abri a minha, senti aquela eletricidade que vem das coisas boas. Lá dentro, embrulhados em papel azul elétrico, estavam uma obra autografada, de um autor que ainda não lera, um chocolate, um ramo de flores secas e mais uns mimos bem-humorados para gente curiosa – como, desejavelmente, serão os leitores. O chocolate não sobreviveu um par de horas, mas havia outro alimento que pedia degustação: o livro “Filho da mãe”, de Hugo Gonçalves.

Aquela história de uma ausência – e do impacto devastador que ela tem – fez-me valorizar mais as presenças que me são basilares e dar uns abraços virtuais àquele menino enlutado e à sua família. Também me deixou frases inteiras na cabeça, como esta: “Ele não vestia de negro, visitava a campa sozinho, não falava da morte, fazia o luto como um homem que acorda todas as manhãs, levanta as golas do casaco e caminha pela estepe inóspita, esperando chegar um dia a outro lugar”.

Esperar um dia chegar a outro lugar é um desejo muito humano, mesmo em circunstâncias pouco dramáticas e banais. Na adolescência, em pleno desconforto de crescer, tentei fazê-lo através de cartas manuscritas, dirigidas a pessoas com gostos estéticos similares, de diferentes países. Trocávamos confidências, fotografias, excertos literários, imagens dos nossos ídolos rock e FBs (friendship books, livros da amizade): cada pessoa ocupava uma página com os seus contactos, gostos musicais, purpurinas. E tudo isso me ajudou a travar amizades presenciais, a ser mais empática, a praticar o Inglês e a conhecer artistas que admiro. Graças à Elisabete, descobri uma das minhas escritoras favoritas. Quando leio um poema de Pablo Neruda, ainda me lembro do Marco, de Itália.

A febre da correspondência foi-se, mas continuo a enviar pequenas surpresas e cartões escritos à mão a amigos e familiares – e a adorar recebê-los também. Ultimamente, chegaram-me, por correio, uma carta datilografada, sementes em embrulhos com corações e livros oferecidos ou emprestados. Lembro-me muitas vezes do comentário de uma amiga, há uns anos: “Quem me dera receber cartas que não fossem contas para pagar!”. Como ela, haverá muitas pessoas. E é tão fácil mimá-las com esse gesto simples, que significa: pensei em ti, prezo-te; estás comigo, apesar da distância.




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