Crónica de André Rosa: Salvar os velhos ofícios da extinção

A olaria é um dos ofícios em risco de desaparecer. (Fotografia de Orlando Almeida/GI)
Em Setúbal só há um oleiro e uma olaria, mas isso não lhe traz nenhum estatuto, apenas a confirmação de que há um património a desaparecer com o tempo.

Todos os anos ouço alguém queixar-se que as bancas de artesanato presentes na Feira de Sant’Iago têm vindo a desaparecer. Quem se queixa, recorda com saudosismo a centenária feira que assentava arraiais no final da Avenida Luísa Todi, e lembra as tendas de artesanato (sobretudo de olaria, mas também latoaria e outras artes) que lá ficavam montadas durante semanas. Muitos feirantes escoavam ali os seus produtos, e havia-os para todos os gostos, dos mais utilitários aos mais decorativos.

Mas há ofícios em vias de extinção, e isso ajuda a explicar a escassez de vendedores de artesanato antigo na feira popular de Setúbal. Um deles é o da olaria e do oleiro. Em Setúbal só há um: chama-se Joaquim Mateus, tem 62 anos e uma olaria no Bairro dos Pinheirinhos – a última a funcionar, e a sobreviver, na cidade. Infelizmente, isso não lhe traz nenhum estatuto, só a confirmação de que há um património imaterial (e material) a desaparecer com o tempo.

São paredes centenárias as que sustentam o armazém da escura e húmida olaria fundada nos anos 1960. Qualquer pessoa se perde no meio de tanta peça de barro, encolhendo-se para não derrubar nada por acidente. Ordenada num aparente caos, é uma montra de pratos, jarras, canecas, assadores de castanhas e outras peças utilitárias de barro que o plástico e o metal dos hipermercados vieram substituir. Um pouco diferente do que Joaquim vendia quando o negócio corria bem: alcatruzes (potes que os pescadores usavam como armadilha para apanhar polvos) e alguidares (com que muitos amassavam a massa para as filhoses), por exemplo.

Joaquim ainda tem a ajuda do irmão mais velho, da irmã e de outro homem, mas outros oleiros nem isso têm. Na aldeia de Flor da Rosa, concelho do Crato, Rui Heliodoro era, aos 50 anos, o único oleiro a trabalhar a tempo inteiro. Por via da falta de clientes e da míngua de encomendas, ambos tiveram que lançar as mãos às peças decorativas, com desenhos e pinturas; ou, como no caso de Joaquim, às tigelas personalizadas com nomes e aos potes para guardar e servir azeitonas.

Que será feito destes oleiros quando, por alguma razão, tiverem de encerrar portas? Quem vai seguir-lhes as pisadas e sujar as mãos no barro, se já nem os filhos procuram dar continuidade ao ofício? Tal como qualquer arte e ofício levado a sério, trata-se de um talento humano tornado paixão. Um modo de vida que corre nas veias e impele ao movimento. Cria e faz acontecer. Velhos ofícios como este deviam ser valorizados, não só para sustento dos que os elegeram como profissão, mas também por dever de preservação patrimonial. E é por isso que projetos como o TASA – Técnicas ancestrais, Soluções Atuais, gerido pela Proactivetur em Loulé, são tão valiosos. Dão esperança aos ofícios em vias de extinção, e de que a olaria, como tantos outros, não passe a ser somente recordada como aquilo que se perdeu de ancestral no século XXI.




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